Estreio hoje uma nova coluna no blog, cujo nome será o visto
acima – “Minhas aventuras com a Civilização Maravilhosa” -, em homenagem a uma
moça que, no auge de sua arrogância carioca (sei que nem
todos os cariocas são assim, mas ela não pertence a uma dessas exceções), uma
vez perguntou-me se, na roça de onde vim (ou seja, Barra do Piraí e Valença,
interior do Estado do Rio de Janeiro), havia mais civilização que em
Teresópolis (segundo ela, a região serrana do estado fluminense também é uma
roça, salvando-se como civilizados apenas os pertencentes à capital carioca e
alguns moradores dos arredores da Grande Rio). Fiquei pasmo e puto com a
pergunta, mas o ar de minha impertinente entrevistadora era respirado de forma
natural; ela própria não via em sua pergunta nenhuma ofensividade, considerando
a sua dúvida banal e simples. Do alto de minha selvageria caipira, respondi-lhe
que os conceitos de civilização dela não eram compatíveis aos meus; afinal, o
dela se aproximava da dos povos europeus que viam como selvagens mundanos os
seres diferentes deles que conviviam em paz com a natureza e viviam de uma
forma mais natural, enquanto a minha visão de civilização prima pela liberdade
de ser o que bem entender e poder ir em paz aonde quiser ir, sem medos de
assaltos, longos engarrafamentos, etc, tentando, sempre que possível, respeitar
o ir e vir e o jeito de ser do seu próximo. Como quase nada disso que coloquei
após o ponto e vírgula foi comentado com minha civilizada entrevistadora
(refleti tudo isso após o fato e agora são apenas pensamentos ao vento e aos
olhos dos leitores), como pouco falei e quase me calei, aceito a característica
de não-civilizado que, indiretamente, me foi dada e passo a me comentar como
selvagem perante a cidade maravilhosa da civilizada moça carioca.
Iniciando
as aventuras desse caipira selvagem na Civilização Maravilhosa, conto sobre um
episódio talvez banal para alguns dos mais graduados historiadores da capital
do Estado do Rio de Janeiro, mas que toma proporções históricas para seres
clandestinos e/ou estranhos a essa civilização: ontem, devido a um incêndio de
um ônibus num túnel da capital, a futura cidade-sede da próxima Copa do Mundo
passou por um dos mais monstruosos engarrafamentos da história da cidade. Como
o selvagem que vos fala, para chegar em suas regiões nativas descivilizadas,
precisa passar pela civilização (a viação de Teresópolis, cidade serrana, onde
trabalho e também considerada como roça por nossa moça homenageada,
privilegia com muitos horários apenas o itinerário para a Civilização
Maravilhosa, me obrigando sempre a seguir essa rota civilizatória, sem direito
a vias alternativas caipiras), acabei fazendo parte desse momento histórico.
Sim, conheci mais uma vez de perto o monstro engarrafamento da Civilização
Maravilhosa, ficando agarrado no seu trânsito, dentro de um ônibus serrano, por
5 horas. Nesse tempo, lembrei-me da historinha da tartaruga que lentamente
ultrapassa a lebre arrogante – uma tartaruga impossível já que a população
civilizada não cria tartarugas a não ser em zoológicos civilizatórios para
turistas selvagens fascinados com os primores do universo urbano civilizado. Lembrei-me de Macunaíma assustado com os selvagens carros. Lembrei-me também de um poema de um poeta de São Tomé e Príncipe em que o eu
lírico, depois de contar todas as violências que sofrera, espancado e
explorado, pergunta: “Agora que estampaste os primores de tua civilização, eu
te pergunto: E agora?” E, durante as 5 horas de engarrafamento monstro, vi
minhas possibilidades de chegar à velha rodoviária Novo Rio a tempo de embarcar
em outro ônibus que me levasse pra longe da Civilização Maravilhosa se
dizimarem, morrerem como as expectativas de uma solução mais rápida de diminuir
o volume de carros engarrafados nas estradas civilizadas. Perdi todas as
conexões e tive tempo pra me entediar completamente, tive tempo pra me irritar
e assumir a derrota, tive tempo pra me desesperar e me acalmar (“não tem
jeito...” – e o tráfego cada vez mais lerdo...), tive tempo pra observar um
morador da Civilização Maravilhosa que ouvia seu mp3 completamente sereno, como
se nada acontecesse – a serenidade no caos é um princípio básico dessa
civilização que causa inveja nesse selvagem que vos fala -, tive tempo pra ver
uma pastora cancelar seu culto pelo celular, declarar que os demônios estavam
no gargalo daquele engarrafamento e descer ao lado de uma favela (outro primor
da Civilização Maravilhosa) com toda a paz de Cristo, tive tempo pra ver tudo o
que queria e não queria, eu estava apertado, enlouquecido pela vontade de ir ao
banheiro, faminto e completamente selvagem e clandestino neste fato histórico
banal da renomada civilização carioca.
Cheguei na rodoviária muitas horas
depois que eu ingenuamente e/ou selvagemente estimava. Me aproximando dela já
ouvia os gritos dos taxistas, o corre-corre alucinado, o ar claustrofóbico do
centro da Civilização Maravilhosa, não havia mais horários pra voltar pra minha
terra nativa e selvagem, não havia remédio: voltei pra descivilizada região
serrana. O tráfego agora já volta ao normal, a vida continua...
É foda rs rs rs rs rs rs Pelo menos deste caos total nascem ótimos textos!
ResponderExcluirRsrsrs1 Sou tão feliz na nossa selva !!!!! ADOREI!!!
ResponderExcluir