quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Solidões compartilhadas à trois: Excomungue-se com Gilson Gabriel, Cíbila Farani e Raquel Leal

Papa Bento XVI
dando tchaul pra galera

Um dos fatos mais polêmicos deste mês foi a declaração de renúncia do Papa Bento XVI ao trono do Vaticano, fato que se oficializará amanhã. Tal acontecimento, inédito no universo católico, gerou discussões calorosas e, como não podia deixar de ser num país bem humorado como o nosso, muitas piadas sobre o assunto.
Pensando na música “O papa é pop”, dos Engenheiros do Hawaii, podemos dizer que Bento XVI não cumpriu corretamente sua missão: além de trazer um histórico suspeito na época da Alemanha Nazista, a santidade eleita e futuramente deposta nunca foi muito popular, nem simpática com os fiéis católicos. Outro fato que não se pode ignorar é o crescimento das igrejas evangélicas, em detrimento a Igreja Católica, claramente em declínio em diversos países.
Feministas comemorando
a renúncia do Papa Bento X|VI,
em Paris
(foto retirada do site G1,
portal de notícias da Globo)
Quanto ao fato de tal acontecimento provocar humor, lembremos que todos os fatos polêmicos e em destaque costumam gerar excelentes ou péssimas piadas (o humorista Danilo Gentili já afirmara que o trabalho de fazer o seu próximo rir consiste no arriscar-se; fazer humor é um jogo de erros e acertos – o que não se pode fazer é não tentar). Há também aqueles que não entendem a piada; presos em dogmas, querem encarcerar seus próximos na jaula da cega seriedade sem reflexão. Logo que o fato foi divulgado, Juliana e eu brincamos com o assunto no facebook, elegendo como candidato à sucessão do Papa Bento XVI o fodástico poeta valenciano Gilson Gabriel, comunista convicto e avesso aos dogmas católicos. Tal fato provocou risos pra muitos, censuras de alguns e mais de 30 comentários que oscilavam entre o bom humor e a heresia (se bem que, caso você seja agnóstico, não há heresia em tal brincadeira).
Seja como for, o comentário se espalhou, o que inspirou o poeta Gilson Gabriel a escrever um poema sobre o assunto. Segundo o próprio poeta, há tempos ele trazia em sua cabeça o verso “Prefiro as papoulas aos papas”, uma oração extremamente sonora e crítica, enriquecida pelo uso da figura de linguagem chamada aliteração (que consiste no uso da repetição de sons em diferentes palavras do mesmo verso – no caso, há a repetição constante do som do p, principalmente).
Cíbila Farani, Gilson Gabriel
e Raquel Leal declamam
o poema "Exomungue-me",
escrito durante o Sarau
Solidões Coletivas In bar 11
Durante o Sarau Solidões Coletivas In Bar 11: "Depois das cinzas, a fênix mutante ressuscita" - Homenagem ao rock e à contracultura de 1970, realizado no Mineiru's Restaurante, no Jardim de Cima, em 16/02/13, Gilson Gabriel comentou sobre o fato com as também fodásticas poetas Raquel Leal e Cíbila Farani. Resultado: durante a realização do próprio sarau, os três poetas se uniram e fizeram “Excomungue-me”, uma poética declaração poética de apoio à heresia diante dos dogmas católicos.
Como o blog "Diários de Solidões Coletivas" é um espaço aberto (já publiquei aqui poemas gospels, satanistas, afro-religiosos, ateus e agnósticos), preso apenas ao dogma da liberdade anárquica, hoje deixo para vocês o fodástico poema escrito a seis talentosas mãos, de Gilson Gabriel, Cíbila Farani e Raquel Leal. 
Excomunguemo-nos, amigos leitores!  

EXCOMUNGUE-ME

Prefiro as papoulas aos papas
Empapuçando as pupilas de cor
Prefiro a dor mortal à frieza congregacional
Prefiro o meu blues ao seu pretenso céu azul
Prefiro a excomunhão consciente
Do que a aceitação incoerente
Prefiro o calor da fogueira
A me tornar uma vazia obreira
Sem sonhos, sem delírios, sem paixão
Sem nuvens prá pisar feito chão.
Prefiro uma tonelada de terra esquecida
A sepultar de vez meu coração.
Prefiro a vida que se apalpe
A boca que me aceite
O corpo que me procrie.
Prefiro a alma que seja gêmea
O amor que seja fato.
Prefiro o talo da flor vivente
Que vibra coloridamente no jardim do meu quintal
À sisudez papal enclausurada,
No palácio do Vaticano, tão rico, tão belo e tão morto.
Prefiro, enfim, o caminho torto
Que me excomunga e me liberta
Prefiro manter a porta sempre aberta
Do que a hipocrisia do ouvido mouco
Sem bíblia, sem doutrina, sem crença
Morrendo pro comum, voltando em paz
Pra minha própria renascença.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Lixo extraordinário (ou Há algo podre no ar nobre dos reinos municipais)


Ontem me deparei com uma postagem do ecologista e ativista político Lucimauro Leite, no grupo "Valença passada a limpo", que dizia o seguinte: “Está na página 38 deste Boletim Oficial os contratos de inexigibilidade de licitação para umas bandinhas no carnaval e pra empresa de coleta de lixo, no meu entender valores acima do mercado... pro carnaval foram gastos só com os shows cerca de R$ 135 mil, e pra Própria comércio e serviços, para um trabalho de 6 meses, fora contratada pela bagatela de pouco mais de R$ 4.500.000,00, pouco mais de $700 mil reais ao mês...” O Boletim Oficial citado é o de Edição N.º 524 de 07 de Fevereiro de 2013.
Esse não é o primeiro caso de governos municipais que usam o dinheiro público sem nenhum critério. Isso já principiou escândalos no início do Governo Jorge Mário, em Teresópolis/RJ, quando os jornais descobriram os valores milionários que o ex-prefeito gastava com a empresa de coleta de lixo da cidade. Algum tempo depois, Jorge Mário foi cassado por outras acusações de desvio de dinheiro público. Verbas que somem debaixo da poeira do tapete governamental... serão elas coletadas e descarregadas em mansões-aterros por nobres garis como se fossem lixo comum?
A Locanty, contratada pelo Governo Vicente Guedes, em gestão anterior à atual, de Dr. Álvaro Cabral, em Valença/RJ, foi uma das empresas alvo de graves denúncias de fraude em contratos no Programa Fantástico, da Rede Globo (além dela, foram citadas a Bella Vista, Toesa e Rufolo). Sejam exatas ou não as denúncias, um fato é inegável: o lixo tornou-se ouro em negociações e licitações entre governos e empresas do setor, um ambiente agradável para valores podremente acima do mercado, uma merda sem fim de lucros suspeitos na quase sempre insatisfatória prestação de serviços de limpeza pública.
Envergonhado mais uma vez com a podridão daqueles que deveriam nos auxiliar para nos tornarmos seres humanos mais limpos, trago um poema de indignação, um pouco de merda no ventilador pra não esquecermos que há algo de podre nos reinos municipais do Brasil (o título foi tirado do premiado documentário “Lixo extraordinário”):

Lixo extraordinário

Vem, caminhão de lixo clandestino,
Recolhe com desprezo
Os meus sacos de detritos.

Bem longe daqui, seu patrão fatura,
Recebe montes de fortuna suja
Pra recolher o imundo que nos inunda.

Vai, caminhão de lixo terceirizado,
Leva todos os meus restos putrefatos
E deixa a merda limpa e deixa o que sobrou de mim...

Enquanto partes, caminhão coletor superfaturado,
Levo pra casa meus trôpegos pedaços
Preparados para mais um dia de exaustivo trabalho.

Sim, eu ganho e te pago
Cada centavo a mais
De teu caro contrato.
Sim, eu reclamo e depois me calo.

Sou teu contribuinte mais passivo e mais otário,
O resíduo que não foi levado,
Sou aquele barril sujo e esvaziado,
O berda-merda que paga o teu salário,
Sim, eu sou o teu lixo mais extraordinário!

(Daqui a dois dias, caminhão de lixo de ouro,
Tu vens de novo e me recolhes outro pedaço...)

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Solidões psicodélicas compartilhadas: A vibrante doçura mutante da Cretina


De tanto falarmos de psicodelia nos últimos tempos do blog, me lembrei de uma banda contemporânea e independente que resgata essa herança lisérgica com todo vigor nos dias atuais: a fodástica Cretina, de Nova Iguaçu/RJ, com quem hoje compartilho minhas solidões poéticas.
Conheci o som vibrante dessa banda quando eles vieram em Valença e participaram do Arte Valença 1, organizado por Giovanni Nogueira, em maio de 2011. Paulo Igor (guitarra e voz), Letícia Lopes (baixo e voz) e Erick Renato (bateria) trouxeram luzes psicodélicas ao underground e ao rock nacional atual. Poucas bandas do nosso tempo demonstram a energia e psicodelia que eles possuem. 
Tive a oportunidade de rever o fodástico som da banda no Arte Valença 2, também organizado por Giovanni Nogueira, em outubro do ano passado, e, mais uma vez, a Cretina (com nova baterista: a fodástica Angell Bauer)  mostrou um show entusiasmado, reabrindo as portas do psicodelismo das décadas de 1960 e 1970 e, a partir dessa influência, criando um novo som, autêntico e extremamente vibrante.
Há um tempo atrás, encontrei-os no facebook (curtam a página dessa super-banda no face no seguinte link: 
https://www.facebook.com/pages/Cretina/246176332070207?ref=hl) e pedi aos integrantes da banda para compartilhar algumas letras de música deles aqui no blog. Trago para vocês, amigos leitores, duas fodásticas letras de música do EP Babilônia Moderninha da banda Cretina, assim como seus respectivos clipes: a super-elétrica “Doçura” (com açúcares psicodélicos no som) e a “Arnaldo e os Mutantes”, uma aula rock sobre uma das bandas que revolucionou o rock das décadas de 1960 e 1970.
Como diria a própria banda Cretina, "Go, go, Geração Delírio!"

Doçura

Doçura, faria tudo pra lhe ter de vez
Pois não demore baby, não demore baby
Pois não demore baby estou louco a lhe esperar

Doçura, eu sei que poucos vão me entender
Agora é tarde baby, agora é tarde baby
Agora é tarde baby, percebi ao lhe tocar

Então vem, vem depressa eu me sinto tão só
Eu peço vem, nos seus olhos me perdi
Inevitável flerte, my my my my my baby...
Doçura...




Arnaldo e os Mutantes


Arnaldo e os Mutantes andam meio desligados
distraídos nem notaram Brigitte Bardot
ouvindo Jovem Guarda Bossa Nova e Tropicália
Quase sempre divididos entre o Samba e o Rock'n Roll

Acordes delirantes embalando as madrugadas
quase sempre bem mais alto que as televisões
ouvindo Jimmy Hendrix e seus solos incendiantes
quase sempre discutindo sobre Beatles e Rolling Stones

Arnaldo e os Mutantes andam meio desligados
distraídos nem notaram Brigitte Bardot
ouvindo Jovem Guarda Bossa Nova e Tropicália
Quase sempre divididos entre o Samba e o Rock'n Roll

Acordes delirantes embalando as madrugadas
quase sempre bem mais alto que as televisões
ouvindo Chuck Berry e Rockabily dissonante
quase sempre discutindo sobre Beatles e Rolling Stones



sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Velhos poemas juvenis: O resgate do vampiro caipira


1996. Eu tinha entre 16 e 17 anos. Era um tempo de poesia selvagem, rebeldia, diversões com os amigos, rock’n roll, underground, paixões e muito tédio. Meu grupo de amigos e eu éramos jovens fantasmas atormentando a cidade pacata. Frequentávamos as ruas de madrugada, invadíamos o cemitério da cidade para filosofarmos e bebermos no silêncio, longe da multidão de seres (mal)ditos normais, longe dos olhos que nos condenavam como seres anormais. Já trabalhávamos, conhecíamos os crimes e castigos da rotina, das contas e da responsabilidade e não devíamos nada aos adultos que nos censuravam. Éramos tão jovens, contentes em sermos nós mesmos e não aquelas imitações baratas que perambulavam o centro da pequena Valença; éramos esquisitos, éramos nós mesmos.
Foi nessa época que me surgiu esse poema. Outrora planejado para um livro que se chamaria “Vampiros caipiras em busca do eclipse total”, cujos poemas, com o passar do tempo, foram espalhados; alguns, pelos diversos livros que lancei; outros, como o poema que posto hoje, estão guardados para as futuras produções.
Agora estamos em 2013 e muito tempo passou, mas a intensidade do brilho artificial da lua e a busca por diversão e vida nos fins de semana continuam os mesmos. Seja ontem ou hoje, ainda buscamos (interessante como Presente e Pretérito Perfeito se confundem quando os verbos são conjugados na 1.ª pessoa do plural), ainda buscamos luz para nossas escuridões.
Deixo para os amigos leitores mais um de meus velhos poemas juvenis, mais um brilho de minhas escuridões passadas. Caminhemos com nossos vampiros caipiras pela cidade pacata em busca de agitação para nossas vidas.
Dedicado a Anderson Vasconcellos "Teco", Ronaldo Brechane "The Wall" e Márcio "Rato".

Vampiros caipiras

Vinte e quatro horas se passam
E ainda longe de casa...
No meio de tanta gente esquisita,
O esquisito sou eu.
            (E quem sou eu?)
Um vampiro caipira,
Um turista que se guarda nas cinzas
Deste sol que não é meu.

Elas passam – quem são elas?
São testemunhas de minha busca
Por um novo amor
Pois o antigo já morreu.
            (E quem sobreviveu?)
O caçador eterno,
O nômade que passeia no deserto
Atrás do abrigo que a chuva não me deu.

O batom vermelho lhe passa
Uma segurança que não é sua
Mas nos meus olhos
Ela é apenas como eu.
            (E quem somos nós?)
Dois nomes comuns,
Duas noites que procuram a luz
Atrás da lua que o sol escondeu.



quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Solidões compartilhadas: A explosão de amor em Stefanny Amaral


Mal começa o ano letivo e os talentos juvenis já me cercam pelos corredores com diversos poemas. Folhas e folhas de versos e sentimentos, emoções guardadas e brilhantes que agora se libertam e iluminam meus olhos.
Hoje compartilho pela primeira vez minhas solidões poéticas com a romântica poetaluna Stefanny Amaral, do 8.º Ano da Escola Municipal Alcino Francisco da Silva, em Teresópolis/RJ. Seu coração estava aos saltos, inicialmente temia ter suas prosas poéticas reprovadas pelo professor-poeta-pateta que vos fala, mas tamanhos sentimentos explodindo em prosas poéticas concisas merecem toda a minha atenção e elogios. São os versos pioneiros de grandes paixões e contêm o incontido, a impulsividade transbordante e romântica de grandes versos adolescentes. As prosas poéticas amorosas de Stefanny lembram as ultrarromânticas “Cartas portuguesas”, de Mariana Alcoforado (leiam esse livro e abram-se para os sentimentos mais intensos).
Transbordemos de amor, amigos leitores!  

Te amo

            Às vezes penso em ti... Sei como és divertido, mas sei também que não dás a mínima pra mim.
Mas isso não importa.
O que importa é que eu te amo.

Aventuras

            Às vezes penso o que seria de mim sem as estrelas, o mar, as aventuras...
            Às vezes penso o que seria de mim sem você...

Amar eternamente

            Te vi só duas vezes e agora não paro de pensar em ti.
            Queria te ver de novo pra te amar eternamente.

Você pra mim

       Agora eu quero você para mim!
O que você quer eu não sei, mas o que eu quero é ter você ao meu lado.


terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Solidões psicodélicas compartilhadas: A insensatez da fênix mutante de Karina Silva


Hoje, após o intenso “Sarau Solidões Coletivas In Bar 11: Depois das cinzas, a fênix mutante ressuscita – Tributo ao rock nacional e à contracultura da década de 1970”, retorno ao blog (foi mal a demora, amigos leitores, mas a data coincide com o retorno das aulas e meu eu professor teve que se sobrepor aos eus líricos pelo bem de um bom reinício de ano letivo). Apesar de o sarau em homenagem aos viajantes anos da década de 1970, o blog permanecerá com a temática psicodélica. E, para darmos continuidade a esse momento mutante, somando à proximidade do Dia Internacional da Mulher (8 de março), compartilho minhas solidões mais uma vez com a fodástica poetamiga valenciana Karina Silva.
Desta vez, assim como a poetamiga Raquel Leal fez na postagem anterior, Karina nos traz sua visão poética da ressurreição da fênix mutante. O que me deixa super-impressionado nesse poema de Karina é a sua riqueza vertiginosa de imagens, bem ao estilo da banda Mutantes, o ritmo melódico dos versos e estrofes e sua característica busca pela luz, pela retomada da esperança (observem que seus poemas seguem quase sempre uma constante: a ascensão do eu lírico, a queda de perspectivas, o clímax para o reerguimento após as esperanças perdidas e o final triunfal, marcando o retorno à luz, o resgate da esperança falecida).
Revivamos, amigos leitores, com a ressurreição da fênix mutante de Karina Silva!     

Insensatez da Fênix

Minha alma viaja num mundo
Colorido, cheio de fantasias,
Brilhantes paisagens e alegorias.

Vagalumes incandescentes
Despertam minha busca da realidade,
Com seus brilhos psicodélicos...
A noite alucina,
Trazendo rima e poesia...

A onda tropical se foi...
Mas vejo que o tempo parou,
Quando a sombra passou.
Um último suspiro
A ave mutante deixou!

A insensatez desta ultra-fantasia,
A sensação inesquecível de existir...
Depois de tudo compreender,
A semente retorna...
Como cinzas caídas no chão...

Reviva!
A fênix mutante ressuscita.


sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Solidões compartilhadas: Depois das cinzas, a fênix mutante ressurge com Raquel Leal



Hoje compartilho mais uma vez minhas solidões poéticas com a poetamiga valenciana Raquel Leal. Desta vez, a fodástica artista atravessa as ondas psicodélicas e nos traz a imagem gloriosa de sua “Fênix do Mar”.
Em tempo: Raquel Leal já confirmou presença no próximo Sarau Solidões Coletivas In Bar 11: “Depois das cinzas, a fênix mutante ressurge – Tributo ao rock e ao movimento contracultural da década de 1970”, que será realizado nesse sábado após o carnaval, dia 16/02, às 19h, no Mineiru’s Restaurante, no Jardim de Cima, Centro de Valença/RJ.
Voemos com a fênix poética mutante de Raquel Leal, amigos leitores!

Fênix do Mar


Sem azul
Morreu afogada sem ar
E morta, levou-se ao fundo,
Ao mais profundo que conseguiu alcançar
Se enxergou lá, no seu fundo
Distante de tudo, onde o Eu puro
É tudo e só
Só e pleno
Inteiro no conjunto de muitos fragmentos
Pedaços de glórias
Troféus de derrotas
Destroços de vida
Nau no fundo, tragada
E mar
Somente só, ela pôde enxergar
A partícula incandescente
Lhe queimando as fibras decompostas
E ainda vivas
Da morte que teve em outro lugar
Vê o caos incandescer-lhe
E queima toda dor de uma antiga falência
Como a nadar em torno de si
Reorganiza o baralho
Coze retalhos
Renasce entre as algas azuis
Vestida de luz...
Feita pra voar
E voa em pleno mar!!!
Sendo outra
Vê o outro azul
E no alto vai nadar
Suas asas lhe flutuam
Com os astros vai brincar...


quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Em vão, como a canção Refrão de Bolero: Triste fim dos amantes do círculo polar


Nesta postagem, dou uma pausa no psicodelismo e retomo meu fanatismo por grandes filmes, pelo amor, pela efemeridade do mundo que nos envolve de amor. Como já disse em postagens anteriores, descobri um blog fodástico chamado Sonata Prèmiere, uma espécie de locadora cult on line, onde tenho conseguido, junto de minha namorada Juliana Guida Maia, ver e rever todos os grandes filmes que sonhei e que são de pouquíssimo acesso nas parcas prateleiras das locadoras reais, que sempre preferem o imediatismo dos blockbusters (filmes pops, quase sempre de conteúdo básico e popular, feitos para agradarem grandes públicos, quase sempre menos exigentes quanto a qualidade intelectual da obra). Numa dessas pesquisas ao blog, encontrei o romântico filme espanhol “Os amantes do círculo polar” (desde já, recomendo que passem no blog que eu citei, baixem e assistam ao filme, antes que eu lhes revele algumas partes importantes do filme) e o escolhi pra Ju e eu vermos ontem à noite, pensando ingenuamente que a obra cinematográfica traria uma leve e poética história de amor, com aqueles finais felizes dos quais estamos acostumados em filmes blockbusters (é, foi muita ingenuidade minha).
Tínhamos passado por alguns filmes pesados e tensos como o australiano “Candy” e o apocalíptico “Perfect Sense” (desculpem, mas não vou citá-lo com o infame nome dado pelos brasileiros: “Amor perfeito”). Vamos a sinopse: Otto e Ana, da infância à maturidade, se encontraram e se desencontram em diversos lugares, por uma sucessão de grandes coincidências. Seja nos encontros ou nos desencontros, eles se veem perdidamente apaixonados um pelo outro e, na tentativa de superarem um longo período que ficaram sem se ver, os dois decidem se reencontrar no Círculo Polar (onde, indiretamente, tudo começou). Vamos à capa do filme: Otto e Ana, adultos, abraçados em algum lugar do Círculo Polar. Vamos a alguns fatos interessantes: Os nomes Otto e Ana constituem dois palíndromos perfeitos (ou seja, o nome deles pode ser lido da mesma forma de trás pra frente), Otto e Ana se amam e se tornaram seres feitos um para o outro – incompletos até que um reencontre o outro, Otto e Ana pretendem reencontrarem o amor no mesmo lugar onde tudo começou. Vamos à crueldade do enredo finais: devido a mais uma série de desencontros nos momentos finais do filme, Ana pensa que Otto pode estar morto devido a um acidente de avião registrado nos jornais e acaba acidentalmente atropelada por um ônibus –  Otto, que vinha atrás dela, só pôde assistir ao último suspiro da amada. Ela está morrendo e registra em seus olhos a face de Otto. Cena de um avião enterrado na neve. Fim. Fim?
Sim, é o fim. Só então lembramos que, em uma cena, o pai diz a Otto, quando este ainda é uma criança, que a vida é um círculo e que tudo uma hora deve morrer, inclusive o amor (Os invernos rigorosos são importantes para valorizarmos as primaveras, diz seu pai). Otto criança não aceita a máxima do pai, assim como nós, espectadores, rejeitamos o cruel final dado a Otto e Ana. Ao meu lado, vejo Juliana extremamente aborrecida com o fim trágico de uma relação tão intensa como as dos dois. Entendam, amigos leitores, como o filme engenhosamente te engana: a cena mostrada na capa do vídeo não acontece no filme; o professor de Cinema Clemente, em uma pós-graduação que nós iniciamos, nos dizia que todo filme tem uma possível “redenção”, mas nesse filme não há! Ele te apresenta uma atmosfera de fantasia e amor, ora narrado por Otto, ora por Ana, e, depois de tantos desencontros, nós esperamos o encontro, mostrado na capa e ele não acontece!!! Nossos olhos brilham e depois retornam à escuridão; uma trágica história de amor acaba conosco.
Mas eu disse que o filme “engenhosamente” te engana, pois, ao rever seu início, que contém diversas cenas do final, percebo que a tragédia estava anunciada, porém o tom ameno e poético do filme nos distrai e, depois, nos destrói. É como construir o mais lindo castelo de areia, afastado do mar para que este não o desmanche, e, terminada a obra, ver um estúpido coco cair da árvore e desmanchar todo seu trabalho e cuidado! Depois de um tempo, você constata que, no local onde você escolhera criar seu castelo de areia, é comum a queda de cocos. Você constata a desgraça, mas a dor da perda é inevitável. Vi minha namorada triste, extremamente revoltada e infeliz com o final do filme, afinal eu fui o mensageiro da crueldade, o cara que baixou e escolheu o filme (que é ótimo, mas putaquepariu, o final dele detona a gente!), me fez lamentar um pouco a minha existência naqueles minutos em que os créditos finais do filme rolam na tela de fundo preto.
Em homenagem a esse capítulo muito poético e meio desgraçado da vida, do amor, do maldito do destino, do infeliz fim dos amantes do círculo polar e do reflexo do trágico nos olhos de Juliana, dedico esse poema de amor e dor, inspirado no cruel final de filme que nós vimos e baseado no ritmo da canção “Refrão de Bolero”, dos Engenheiros do Hawaii, banda predileta de minha namorada:         

Triste fim dos amantes do círculo polar 
(Em vão, como a canção Refrão de Bolero)

Eu que escolhi sem pensar,
Agora te surpreendo roendo as unhas
Frágil espectadora de um filme sem compaixão.
Mas eu escolhi sem pensar,
Emoção em vão, como avião no tórrido inverno
Com as asas congeladas pelas neves de um inferno qualquer.
Uma tentativa frustrada de te mostrar
Um daqueles filmes de doces coincidências
Que de tanta choradeira de repente também nos fazem chorar
E acreditar que o amor é um barato
E que, antes dos créditos finais na tela de fundo preto,
Todo desespero se resolve com um beijo.

O fim de Ana
Confirma que os filmes às vezes são tão cretinos, Juliana,
E refletem os destinos mais trágicos e mais sacanas.
Ah, Juliana,
Ainda vejo teu olhar brilhante se apagar diante do triste fim de Ana...

Eu que escolhi sem pensar,
Agora me surpreendo tentando voltar atrás
Frágil espectador do fim de uma grande paixão.
Mas eu que escolhi sem pensar,
Confissão em vão, como na canção “Refrão de Bolero”,
Acreditava que algo tão sincero não pudesse morrer.
Um acidente no fim e tudo pode mudar,
Depois de tantas felizes coincidências
Ana morre, Otto está só diante da morte, adeus amantes do círculo polar
E nós na sala sem estar...

O fim de Ana
Informa o quanto o destino às vezes é cretino, Juliana,
O perigo sempre ronda quem se ama
E às vezes nos perdemos em meio a tantos dramas.
Ah, Juliana,
Ainda me vejo em teu olhar triste diante do fim da luz de Ana,
Antes dos créditos finais
De um filme que eu escolhi sem pensar...




segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Aos viúvos de Torquato Neto: Por favor, não acorde meu filho


Suspeitas de que o poeta chileno Pablo Neruda foi assassinado pelos protetores da Ditadura de Pinochet; Papa Bento XVI renunciando ao trono do Vaticano, foliões passando mal e saindo hospitalizados durante desfiles da Marquês de Sapucaí, a permanência do império do funk e do sertanejo universitário nas paradas populares, conflitos infinitos entre nações, corrupção contínua, aumento de violência nas cidades, crise econômica na Europa, o presidente estadunidense Barack Obama cada vez mais canalha e parecido com os seus antecessores, alienação crescente, ignorância quase totalitária... Tempos estranhos, amigos leitores. Me vejo nesse contexto, enquanto preparo meus poemas e textos de escritoramigos e fodásticos artistas dos quais sou fã, meu repertório para o próximo Sarau Solidões Coletivas In Bar 11: “Depois das cinzas, a fênix mutante ressurge – Tributo ao rock e ao movimento contracultural da década de 1970”, que será realizado no sábado após o carnaval, no dia 16/02, às 19h, no Mineiru’s Restaurante, no Jardim de Cima, Centro de Valença/RJ. Tudo isso somado a fatos angustiantes e recentes: o luto pelo músico Adriano Gonçalves, a pressão de um novo ano e novos desafios, começos de governos e desgovernos municipais, etc. Com tudo isso na cabeça, estava pesquisando sobre o artista Torquato Neto (1944-1972), a pedido de Juliana Guida Maia, que desejava declamar alguns poemas e composições dele, porém sabia que grande parte da obra deste fodástico mestre da contracultura brasileira das décadas de 1960 e 1970 pertencia à primeira década citada.
Resolvi estudar (Juliana e eu sempre fazemos isso, a cada tema lançado para o sarau) um pouco sobre a obra e a vida de Torquato Neto nos seus últimos anos de ‘supervivência’ (o artista era intenso demais e muito envolvido com questões artísticas e políticas da e à frente de sua época para dizermos que ele simplesmente viveu – havia chama demais nele para um simples mortal). Após um período de exílio devido ao AI-5 e demais mecanismos de censura e de repressão da Ditadura Militar, Torquato retornou ao Brasil, no início dos anos 1970, e começou a se isolar, sentindo-se alienado tanto pelo regime militar quanto pela "patrulha ideológica" de esquerda. Passou por uma série de internações para tratar do alcoolismo e rompeu diversas amizades. É dessa fase a letra de canção “O Nome do Mistério”, de sua autoria:

Eu poderia dizer,
que agora é tarde e o nosso amor é outro
que o nosso tempo agora
é o fim de tudo
e só nos resta alguns papéis
para rasgar

Eu poderia dizer,
que agora é tarde e o nosso amor é morto
que o nosso amor agora
é o fim do mundo
e não sobra nada mais
para esperar

Eu poderia dizer, mas eu não digo
sobre o mistério atrás de tudo isso
sobre o segredo, meu amor, que eu guardo
e que você vai ter que descobrir;
Eu poderia dizer, mas eu não digo
o nome do mistério, o nome disso
e vou por mim aqui silencifrado
de volta ao lar, meu bem, querendo ir

Toquato Neto (1970)

            Em julho de 1971, Torquato escreveu para o artista Hélio Oiticica: "O chato, Hélio, aqui, é que ninguém mais tem opinião sobre coisa alguma.” Na carta ele afirmava que a época era marcada pela “poesia sem poesia, papo furado, ninguém está em jogo, uma droga. Tudo parado, odeio."
            No auge de seu desespero, Torquato encerrou sua vida terrena: se matou , em 10 de novembro de 1972, um dia depois de seu 28º aniversário.
            E, mais uma vez – dessa vez, num processo de pesquisa – o suicídio ronda a existência desse blogueiro que vos escreve, amigos leitores, mais uma vítima induzida no cemitério de minha cabeça. Encontro a nota suicida de Torquato Neto: "FICO. Não consigo acompanhar a marcha do progresso de minha mulher ou sou uma grande múmia que só pensa em múmias mesmo vivas e lindas feito a minha mulher na sua louca disparada para o progresso. Tenho saudades como os cariocas do tempo em que eu me sentia e achava que era um guia de cegos. Depois começaram a ver e enquanto me contorcia de dores o cacho de banana caía. De modo que FICO sossegado por aqui mesmo enquanto dure. Ana é uma SANTA de véu e grinalda com um palhaço empacotado ao lado. Não acredito em amor de múmias e é por isso que eu FICO e vou ficando por causa de este amor. Pra mim chega! Vocês aí, peço o favor de não sacudirem demais o Thiago. Ele pode acordar". Thiago era o filho de Torquato, de dois anos de idade. Os períodos finais da carta ficam girando em minha cabeça e, durante o banho, diante de tudo que vivemos e não vivemos, me veio um poema novo pensando em Torquato, pensando no filho de Torquato, pensando em nós, viúvos de Torquato Neto.
            Foi assim que surgiu, numa avalanche só, os versos abaixo do meu novo poema, batizado de “Por favor, não acorde meu filho”. Terminado o processo de criação quase automático, amplamente desesperado, comecei a chorar, talvez por Torquato Neto, talvez pelo Thiago com seus 2 anos de idade no começo de suas ilusões perdidas, talvez por mim, talvez por todos nós. Parece loucura, mas, após escrever, eu chorei. Não lágrimas de prazer por mais uma obra, mas sim soluços de necessidade, sensação daquilo que a banda Capital Inicial já chamou em uma canção de “Leve desespero”. Adianto aos amigos leitores que não tenho filhos. Para produzir o texto, pensei em meus filhos poemas, em meus filhos seus olhos, amigos leitores, dos quais eu me comprometi a cuidar desde quando decidi fazer da minha escrita uma arte, desde quando decidi expor-me nesse blog para vocês. Ao contrário da nota suicida de Torquato Neto, meu poema é um bilhete de vida, uma tentativa do suicida em voltar atrás da sua decisão de dis-solução e sobreviver, por mais um dia, por mim, por ti, por Torquato Neto, pela herança da contracultura brasileira da década de 1970, por todo o mundo, por todos nós.
Arte sempre!   

Por favor, não acorde meu filho

Trovões das novas trevas, por favor, não acordem meu filho...
Há descobertas de poetas envenenados, enterrados vivos,
Há ditadores deslumbrados com a moda artística do homicídio coletivo,
Há dominadores assassinos admitidos na Academia de Letras dos mortos-vivos,
Há o nascimento de uma nova revolução alienada composta por foliões lascivos;
Trovões da Era Cibernética da Nova Idade Média, por favor, não acordem meu filho!
Deixem-no sonhar com as flores astrais,
Deixem-no acreditar que a verdadeira Era de Aquário ainda pode chegar.

Estetas das novas trevas, por favor, não acordem meu filho...
Há uma reforma de cotas, castas e crenças na face simpática do novo Absolutismo,
Há lamentações beatas pela partida tardia de mais um padre da Bíblia do Nazismo,
Há serpentes insanas no Éden dos crentes na Religiosidade do Grito Opressivo,
Há o medo rondando todas as portas, terroristas ianques rindo do mundo se destruindo;
Estetas da Benção Benéfica do Novo Individualismo, por favor, não acordem meu filho!
Deixem-no sonhar com os velhos mutantes,
Deixem-no acreditar que a Era dos Amores sem Preconceitos ainda surgirá edificante.

Dia de amanhã, tão cinza em teu colorido, por favor, não acorde meu filho...
Não permita que ele me veja mais uma vez com meus ombros caídos,
Prestes a mais uma tentativa desesperada de suicídio,
A História cada vez amanhece mais feia, mas continua linda nos olhos de meu menino;
Dia de amanhã tão desamanhecido, por favor, não acorde meu filho!
Deixe-o sonhar com o elo perdido,
Deixe-o acreditar que o arco-íris ainda vai fascinar seu horizonte infinito.

Seja o que for, por favor, não acorde meu filho
E me deixe acordar ao lado dele, quase esperançoso, ainda vivo... 

Meu filho-poema selecionado na Copa do Mundo das Contradições: CarnaQatar

Dia de estreia da teoricamente favorita Seleção Brasileira Masculina de Futebol na Copa do Mundo 2022, no Qatar, e um Brasil, ainda fragiliz...