quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

O quarto poema pandêmico: De onde vêm os quintanares que ouves nos tempos de pandemia

Hoje, no penúltimo dia deste estranho 2021 (as lágrimas celestes insistem em relembrar os momentos turbulentos pelo qual passamos), deixo mais um dos poemas que classifiquei como pandêmicos. Escrito no meio de outubro do ano passado, o poema abaixo foi uma tentativa (meio vã, pois a pandemia se estende[u]) de trazer um ar lírico mais esperançoso, e, ao mesmo tempo, fazer uma homenagem ao universo lírico maravilhoso do Mestre Poeta-Maior Mario Quintana (ele sempre me enche de perspectivas líricas positivas em momentos conturbados, por isso sempre apelo aos seus anjos, personas e personagens, quase como uma súplica/ode/oração ao filho mais sublime de Alegrete).
Pouca coisa mudou pra melhor nos tempos logo após eu escrever o poema, mas, seja como for, fica a promessa de esperança, a súplica ao anjo ‘quintanar’ Malaquias (eu lírico do poema hoje postado) por dias melhores. Que, após a dança macabra, venha a contradança do Amor.

De onde vêm os quintanares que ouves nos tempos de pandemia

Quando vi, entre as casas, o mal surgir
Com as vestes vorazes da pandemia,
Bem que eu quis dar as asas aos humanos,
Assim como eles a mim dão-me os ombros,
Mas as nuvens, meus amores ideais,
E os pássaros, assessores alados,
Com os homens, bem menos rancorosos,
Não me deixavam fingir falsa paz:
“Olha o menininho doente ali,
Tão novinho já vai ter que partir;
Olha a Tia Tula, toda perdida,
Aflita, orando mil Aves Marias;
Olha como chora aquele Fulano
Desempregado e só como Sicrano;
Olha naquela rua, quanto assombro,
Em Cataventos, só passeia escombro;
Olha como o vírus maligno vai
Arrastando os filhos de nosso Pai!”
E, diante de tanta ladainha,
Acolhi os pedidos contrariado.
Sem grandes saberes de medicina,
Mas, pela natureza, arrebatado,
Tornei-me o vento que sopra a esperança,
Que, mascarado, no alheio ouvido canta:
“Tudo vai passar, adulta criança,
Basta te cuidares, ter segurança,
Pois o mal que, hoje, contigo dança
É mau dançarino, uma hora cansa;
Em casa ou a alguns metros de distância,
O Amor te espera para a contradança”.
Carlos Brunno Silva Barbosa



quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

Ode embriagada a Teresópolis: O Grito de Dependência do Bardo Afilhado Às Margens do Rio Paquequer

Após o término do ano letivo, fiz o que quase sempre costumo fazer, seja em anos bons ou ruins: fiquei um tempo a mais em Teresópolis/RJ, outrora, muito inicialmente, vista por mim como a cidade onde trabalho, logo depois e até hoje elevada à cidade lírica afetiva que reside em minhas paqueras e em minha alma de poeta. Nesses tempos posteriores à temporada de trabalho, faço tudo o que mais amo fazer nesta maravilhosa cidade serrana problemática: passear à margem de sua plataforma conservadora (sim, Teresópolis é dessas que posam discursos de manutenção dos costumes dos tempos de Dona Teresa e atalhos para o que há de mais retrógado, mas também possui muitos pontos de fuga do senso comum, uma vanguarda oprimida, mas magnífica, universos singulares encontráveis em curvas e desvios de sua estrada aparentemente imutável), participar de protestos (sem desmerecer nenhuma causa, mas quem nunca em Teresópolis? – a cidade é tão escandalizadora em tradicional opressividade que protestar torna-se uma necessidade básica na cidade, outrora dos Festivais, hoje da monarquia das injustiças sociais), curtir magníficos eventos culturais (sim, o legado de Cidade dos Festivais deixa nela uma aura permanente de efervescência artística continuamente renovada) e provocar sua energia boemia contidamente incontida.
Nessas trocas de sentimentos contraditórios e loucuras lúcidas com a cidade, de vez em quando me escapa um poema meio ode embriagada, meio doido lúcido (já justificando o conteúdo embriagado do escrito lírico, mesclado com versos metrificados). Publicado na Antologia Bardos Teresopolitanos (Editora Uniclap), organizado por Alessandro Lopes Silva e Artur Esteves, “O Grito de Dependência do Bardo Afilhado Às Margens do Rio Paquequer”, que compartilho hoje, com vocês, amigos leitores, é um desses casos de odes embriagadas que escrevi à musa Teresópolis/RJ, que banca a santinha de legado monarquista, mas que, no fundo, no fundo, é uma república despudorada, berço de doces pecados amargos e de únicas emoções várias.

O Grito de Dependência do Bardo Afilhado Às Margens do Rio Paquequer

Às margens do rio Paquequer, eu brado
meu silencioso deslumbramento
pelo serrano e poético espaço
no qual vivo, em doido voo terreno.
Talvez este brusco amor declarado,
este urro mudo de pertencimento,
sendo eu um filho teu sem nascimento,
tenha fundamentos embriagados:
dos doces venenos negociados
no Parque Regadas venho regado.
Seja como for, me abrigo em teus ventos;
seja como for, hoje sou teu bardo,
pelo aroma de Ceci arrebatado,
pela bravura de Peri domado,
pelas Casas de Vidocq abrigado.
E, nestes versos loucos, me declaro
Teu novo dependente mais sedento:
Cidade de Teresa, dá-me alento
Para me esquivar dos sufocamentos.
- Mátria de minha arte e contentamento,
Dá-me infinito neste encerramento.

Carlos Brunno Silva Barbosa



domingo, 19 de dezembro de 2021

A SuperAgente Lírica Duda Ventura está de volta para salvar a melancólica alegria poética sublime perdida de nossa gente cansada dos dias nublados e sem poesia

“Oi, Carlos. Acho que você me inspirou esses dias que te vi. Fazia dois longos anos que não escrevia nada e hoje consegui escrever um pouco. Espero que você goste’: esta foi a mensagem da outrora poetaluna premiada, hoje em dia poetamiga teresopolitana de ouro, Duda Ventura, que, mesmo nos nublados dos dias, trouxe iluminações poéticas magníficas de volta a minha vida. Andava meio desanimado, com o peso de um fim de ano letivo meio desgastado e bastante desgastante (cabe destacar que não pelos artistalunos que continuam brilhando – verão em futuras postagens, amigos leitores - contra quaisquer intempéries dos tempos, mas por lamentações de encerrar um ciclo conturbado com as turmas com as quais estive presencialmente por pouco tempo [aquela sensação de que houve um trabalho bom, alguns tropeços que não me perdoo por tropeçar [sim, me cobro pra karaio e nem me venham com aconselhamentos de mudança de postura, vou continuar me cobrando pra karaio], um ano de conquistas na maioria legais nas produções textuais, mas, que, pelo potencial espetacular deles, deixa a impressão de que podíamos ir muito mais além, entendem?], estava um bagaço física e emocionalmente quando recebi a mensagem de Duda Ventura e os poemas, uau, que poemas (ela me mandou o mais recente e o último que ela escreveu antes da longa pausa [segundo ela destacou em mensagem posterior, mesmo com a separação temporal, advindos da mesma fonte de inspiração]), me fizeram esquecer, durante os instantes da leitura e fascinação, os (agora gloriosos) fracassos diários, e todo cansaço e desânimo transformou-se em inspiração e fascinação. Sim, a arte salva, ex-artistalunos, artistalunos e artistalunas, artistalunes, artistamigos, artistamigas, artistamigues salvam; como idealizou Bukowski, o ideal seria ter um poeta em cada esquina pra sobrevivermos ao caos cotidiano de nossa existência, da falta de sentido na vida tão mal sentida. Seja em qual momento for, mas principalmente em contextos opressivos como os nossos, precisamos de poesia (parodiando o refrão de Cazuza, “Poesia, eu quero uma dúzia por dia pra viver, pra viver, sobre-viver”]. Por tudo isso, hoje compartilho minhas solidões poéticas com a mais-que-fodástica super-ultra-mega-magnífica poetamiga teresopolitana Duda Ventura.
O primeiro poema (segundo que eu li nas mensagens, mas, por ordem cronológica, o mais antigo e o último de Duda Ventura, antes da longa pausa), “Recusa”, traz o eu lírico devastado em negação a uma ruptura amorosa anunciada, é melancólico, dolorido, mas apaixonado, intenso, sublime: é formidável como uma dura recusa traz consigo um conjunto de tristes afirmações e saudosas (e macias – quem ler o poema, entenderá) confirmações. O segundo poema, sem título (por isso cabe nomeá-lo pelo primeiro verso – bastante revelador da pausa poética – “Sem você eu não consigo escrever”), é um poema sobre perdas e amores contidos nas incontidas memórias resgatadas. Destaco o sublime jogo de palavras entre “agente” e “a gente”, cujas grafias são constantemente confundidas (assim como o passado ade encontros e o presente de ausências se confundem no coração do eu lírico).
Deixo os dois maravilhosos poemas para vocês contemplarem e, como eu, se fascinarem com a a mais-que-fodástica super-ultra-mega-magnífica poetamiga teresopolitana Duda Ventura (não estou exagerando – leiam e confirmem). Diferente de quando compartilho meus poemas, não direi “Espero que gostem”, pois tenho certeza de que irão amar, adorar! #fãclubedudaventura #obrigadodeusesdapoesiaportrazeremdudaventuradevolta


Recusa

Eu me recuso a pensar em você.
Recuso pensar em como seu lábio é macio
Como as minhas mãos passam em seu cabelo quando estamos nos beijando
Quando estamos fazendo amor. o quanto eu adoro te ver se enchendo de prazer
Às vezes eu espanto os pensamentos para que eu não me lembre de como era bom repousar minha cabeça em seu peito
Choro todas as vezes que lembro das nossas brincadeiras
Eu me recuso a pensar que está perto de acabar e que eu não seria mais o seu lar.

Duda Ventura

Quadro "Arrufos" (1887),´óleo sobre tela, de Belmiro de Almeida



Sem você eu não consigo escrever
O que antes era um mar de amor intenso hoje me engole como uma areia movediça
Eu parei de ler, de escrever e até de comer
As minhas paixões foram embora junto contigo

Você era meu abrigo diante das minhas tempestades
Até hoje a sensação que aquele dia me proporcionou me invade

Aquela sensação de ter o que eu nunca pensei que terei
De sentir o que eu pensei que nunca sentiria

Ando nostálgica pensando na gente
E dói mais ainda pensar no "a gente"
Esse "agente" que era tão junto e às vezes bagunçado
Está cada vez mais afastado

Sei que nosso a gente nunca mais vai voltar
Porém não consigo parar de imaginar
Junto com aquela sensação onde o nosso a gente ia nos levar

Duda Ventura






terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Relembrando meu terceiro poema pandêmico: Dançando letal e liricamente com a vizinhança na Ciranda da pandemia

Cena do filme "O sétimo selo" (1957),
de Ingmar Bergman,
na qual os personagem dançam
com a Morte
Da série poemas pandêmicos, trago meu terceiro escrito poético, "Ciranda da pandemia", completamente afetado pela pandemia e feito durante o período de isolamento em 2020 (lembrando que não estou contando os microcontos, fábulas, contos, etc).
Escrito no início de setembro de 2020, um pouco antes de eu mesmo passar por sintomas da Covid-19, "Ciranda da pandemia" me surgiu enquanto eu cumpria meu ritual de bebedeira solitária em meu quintal, sentado na cadeira de balanço herdada de vovó, de frente pra praça Emília Jannuzzi, em Valença/RJ. Tal posição em que me encontrava, lembrando que o bairro é composto por ruas em ladeiras e a casa de mamãe, onde passei grande parte da quarentena, fica no meio de um destes aclives, me permitia uma vista panorâmica do bairro. Naquele momento, refletia sobre todos os causos ouvidos por vizinhos e amigos e/ou assistidos em mídias e/ou vivenciados por meus olhos ainda espantados (ao mesmo tempo que fascinados - numa expressão inédita criada pela artistamiga Alayde, 'absurdado') com a espécie animal paradoxal que chamamos, nem sempre racionalizando, de humanos (mais tarde, menos um mês depois, sairia também o poema [já publicado aqui no blog – caso não tenha lido, segue o link: https://diariosdesolidao.blogspot.com/2021/01/a-revolta-natural-do-alto-das-arvores.html  ] “Do alto das árvores líricas da praça Emília Jannuzzi, a maritaca assiste e canta aos homens, durante a pandemia”, com outra perspectiva [obrigado, queridas maritacas do São José das Palmeiras], mas com o mesmo gatilho de partida).
Em “Ciranda da pandemia”, como o próprio nome sugere, resolvi desfilar uma ciranda de personagens, como se fossem vizinhos do poeta que os observa (e que também faz parte deste letal giro solitário coletivo), cada um agindo e/ou sendo acionado a seu modo diante da quarentena. Tentei a ideia de ciranda na formatação dos versos e das estrofes, estabelecendo estrofes com orações similares (os modos de agir de cada um são diferentes, mas os períodos nos quais são transmitidos repetem a fórmula sujeito com núcleo e adjuntos adnominais/complementos nominais [ativo nas primeiras estrofes, passivo e influenciado por agentes da passiva nas seguintes, e assim sucessivamente, variando como uma grande roda de corpos enlaçados, avizinhados, mesmo que distanciados] no primeiro verso, elementos descritivos do personagem no segundo [quando sujeito ativo; quando passivo o foco do segundo verso vai pro agente da passiva e como este influencia sua ‘vítima’], verbos, em quase todos os casos, transitivos diretos e indiretos [mais enlaçamento, mais ideia de ciranda] que expressam comunicação [exceto alguns, como, o do último personagem da ciranda, o poeta, cuja ação de comunicação está implícita ao se explicitar o poema, a mensagem] de algo a algo/alguém nos versos seguintes, culminando quase sempre em um último verso com oração subordinada [adjetiva, nas duas primeiras; substantiva, nas duas seguintes, até o rompimento nas duas estrofes finais, que trazem coordenadas, que são mais diretas, potencializando clímax e desfecho, como se fosse uma narrativa/cantoria em ciranda]). Para isso, pensei/me deixei influenciar em canções como “O dia em que a Terra parou”, de Raul Seixas, e “A banda”, de Chico Buarque de Holanda, entre outras (sim, mesmo escrevendo meio bêbado, por incrível que pareça, às vezes [ok, raras, mas não tão poucas vezes] o álcool me traz inspirações muito melhores que a sobriedade. O poema saiu meio que de um fôlego só, como se já o estivesse (e talvez realmente estivesse) todo na minha cabeça.
Inicialmente, mostrei o poema para alguns artistamigos de confiança, como Rosangela Castro, que, comparando os demais poemas que escrevi no período, apostava que “Ciranda da pandemia” logo ganharia destaque em algum certame literário. Como Rosangela, também tenho um carinho especial e um clandestino orgulho sinceramente nada modesto de ter escrito este poema, mas, de todos, foi o mais rejeitado/que mais saiu incógnito em concursos literários (mas, poema louco tanto bate em concursos até que ganha louvor por sua loucura, “Ciranda da pandemia” finalmente, quase um ano depois de tê-lo escrito, foi um dos selecionados para publicação em e-book [juntamente com “Isolamento coletivo ideal” e o microconto “11.441/07”, já publicados aqui em postagens anteriores do blog, e sim, depois de muitas sovas carinhosas em certames literários {fico dolorido, mas jamais contesto o resultado do júri, até porque somos um país gigante em talentos, mas não posso negar, é claro, uma certa dor de cotovelo por um filho-poema meu ser tantas vezes renegado}, finalmente emplaquei 3 selecionados em uma mesma pacífica e sempre lírica disputa literária, há pouco, neste terceiro trimestre de 2021], no concurso “Literatura de circunstâncias”, organizado pela Editora da Universidade Federal de Roraima).

Então, amigos leitores, entremos na roda e dancemos os olhos, nesta passada, mas ainda recente (e, infelizmente, ainda às vezes terrificafantasticamente atual) “Ciranda da pandemia”. Espero que gostem. Boa leitura e Arte Sempre!




Ciranda da pandemia

O viajante infectado,
de sorriso aberto, gestos largos,
comunicava a quem via
a negação de um vírus
que ele próprio transmitia.

A esposa trancada,
quase muda, sempre silenciada,
não sabia a quem mais temia
se o risco do contágio ou o marido
que sempre a agredia.

O trabalhador, esgotado,
pelo home slave office domesticado
confessava no privado
a quem on line podia
que quanto mais sobrevivia, mais inexistia.

A beata, assustada,
pelo temor a Deus ainda resguardada
jurava no grupo das famílias
a quem on line a lia
que o Juízo Final lhe penetrava na alma dia após dia.

O informal desempregado,
de gestos contidos, sorriso machucado,
mendigava a quem aparecia
o pedido de uma vida mais aguerrida
como a do trabalhador esgotado
ou a do viajante infectado
que sempre lhe sorria.

A pessoa amada,
quase perdida, distanciada,
prometia a quem não conhecia
o sonho de uma vida mais bonita,
melhor que a da esposa trancada,
melhor que a da beata assustada,
mas a distância permanecia.

O poeta mascarado,
de sorriso vendado, fingidor descarado,
da varanda, no alto, a todos assistia,
mas, despido de medicina, seus doentes assistir não podia,
enquanto velhos vazios vestiam extravagâncias nas casas vizinhas,
escandalizando e viralizando mais que a moderna pandemia.



quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

Solidões compartilhadas: Visitando, com os olhos fascinados, a lírica Fazenda Manacá de Gustavo

Quadro "Manacá" (1927),  de
Tarsila do Amaral, Óleo sobre tela.
Se ontem comemoramos o retorno do blog e os retornos megapoéticos de Genaldo Lial, hoje retomamos uma outra tradição lírico-bloguística: apresentar estreias poeticamente magníficas, trazer a este espaço lírico jovens e hipertalentosos poetas. Sim, hoje compartilho minhas solidões líricas com um novo (e já premiadíssimo e formidável) poeta. Seu nome é Gustavo (ainda me falta seu sobrenome lírico, mas eu não podia mais adiar aos olhos dos amigos leitores a fascinante arte deste rapaz), aluno do CEMP, representa Sapucaia/RJ, pra ser mais exato, a área da Fazenda Manacá (que nunca nem vi, mas, graças ao poema dele, já passei a amar).
Meu primeiro contato com a premiada e sublime poética de Gustavo se deu com a Professoramiga Olheira-Lírica Simone Cruz (ela é danada pra achar jovens talentos e captar poesia onde, a olhos comuns, aparenta só haver desolação e barbárie). Simone mostrou-me o poema “Fazenda Manacá”, que “ganhou um concurso de poesia”, sabendo que eu “ia gostar e valorizar”. Dito e feito: o poema, feito com esmero, lembrou-me o ritmo de Fagundes Varela (mais destacadamente “A flor do maracujá”, de autoria deste excelentíssimo poeta romântico do século XIX), o que já me encheu de admiração pelo primor técnico e musicalidade natural e ao mesmo tempo domada com rigor (ou seja, naturalizada – o leitor lê como algo natural, mas traz rimas muito bem pensadas, sublimemente planejadas e estudadas). A evocação apaixonada de Gustavo pela Fazenda Manacá me levou a colocar este lugar àqueles outros que meus olhos leitores sempre buscam poeticamente: a Itabira de Drummond, o(s) Recife(s) de Bandeira e de João Cabral de Melo Neto, a Andaluzia de García Lorca, a Goiás antiga de Cora Coralina, entre tantos outros lugares líricos-afetivos que ao Lê-los tão liricamente bem escritos tanto quero conhecer – sim, agora também visito, em sonhos de poesia, a Fazenda Manacá (como no refrão da canção “Goiatuba”, do Biquíni Cavadão, “Eu amo mesmo sem saber/ Sem ter notícia alguma de vocês/Invento a vida nos lugares/Que acho que nunca vou conhecer”). O poema de Gustavo me reanimou este velho encanto. Logo falei (naquele estilo súplica meio exigência) pra Simone Cruz: “Eu quero publicar esse poeta, eu quero publicar esse poema no blog!” Então ela me passou as coordenadas: “Ele é aluno lá de Sapucaia da Késsia, professora de Português lá em Sapucaia e aqui no Alcino. Fala com ela.” Opa, tão perto, tão acessível e eu ainda tão extático (não conhecia bem a Késsia, há pouco tempo na escola; a rotina frenética do retorno das aulas presencais impedindo momentos de respiro para falar com ela; o sentimento meu meio protagonista do conto “Felicidade clandestina”, de Clarice Lispector, quando a personagem finalmente tem em mãos o livro desejado). Demorei, esperava o momento certo pra perguntar e propor uma postagem com o poema de Gustavo, e cada vez mais sufoco, sufoco no trabalho, ah, falei de supetão e, meio afoito, mas tentando um elogio controlado (quem conhece minha personalidade exacerbada diante da arte sabe que fiz um esforço sobrenatural pra ser comedido e não assustar com meu fã-natismo fascinado por grandes obras artísticas) ao trabalho dela e de Gustavo e pedi pra ela que conversasse com o rapaz para que me permitisse que publicasse o poema “Fazenda Manacá”.
E conseguimos! E cá estamos, amigos leitores, com o premiado poema “Fazenda Manacá”, de Gustavo (mesmo sem o sobrenome dele, eu não podia mais adiar a publicação, entendem?), de Sapucaia/RJ, Gustavo da Fazenda Manacá (ou Fazenda Manacá de Gustavo? – essa dúvida me assalta tanto quanto “Marília de Dirceu” ou “Dirceu de Marília”, de Tomás Antônio Gonzaga). Leiamos e vivamos em eternos fugazes instantes admirando as belezas profundamente líricas e magníficas da Fazenda Manacá!

Fazenda Manacá

Manacá, meu Manacá
Lugar de tranquilidade
Não há barulho de carros
Diferente da cidade.

Manacá, meu Manacá
Um lugar de harmonia
Não tem praia, nem baladas
É sossego todo dia.

Meu querido Manacá,
Um lugar de alegria
Meu avô acorda cedo
E tira o leite todo dia.

Nossas vacas são bem mansas
Leite fresco ela nos dá
Como eu amo essa fazenda,
A fazenda Manacá.

Moro aqui há muito tempo
Sem querer ir para a cidade
Mas se um dia eu partir
Sentirei muita saudade.

Um lugar muito tranquilo
Um lugar de muita paz
Quem morar no Manacá
Não se esquecerá jamais.
Premiado poema de Gustavo, do 8.º A, da Fazenda Manacá, de Sapucaia/RJ.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

O retorno do blog, o retorno das Solidões Compartilhadas e os retornos líricos de Genaldo Lial (ou A volta dos que não foram; pois a poesia nunca vai; sempre fica, mesmo adormecida, infinita)

Depois de algum tempo de costumeiro sumiço em fases de trabalhos (ou desânimos) intensos, o blog faz seu retorno em dose dupla. Por quê? Porque a palavra “retorno” está duplicado: é o retorno do blog e o retorno da seção “Solidões Compartilhadas” e traz um velho conhecido do blog: o supertalentoso mais-que-fodástico superatletativistamigo medalha de ouro (nos esportes e nas artes) Genaldo Lial.
Natural de Campina Grande/PB, morador de Mesquita/RJ (segundo muitos, a sucursal do inferno nos períodos de caloroso verão), professoramigo de Educação Física na Escola Municipal Alcino Francisco da Silva, na região rural de Teresópolis/RJ, cidadão do mundo (já rodou tanto pelos nossos países vizinhos sul-americanos que tem um livro de viagens, , sobre suas andanças de moto pela região latina – a fascinante obra ainda está sem previsão de lançamento, mas pronto para encantar os admiradores da magnífica literatura de viagem), apesar de todos os seus feitos, toda sua vitoriosa trajetória e sua escrita profunda e de energia infinita, Genaldo passou pelo drama que atinge todos nós, escritores e redatores, em algum momento de nossas vidas: a falta de inspiração para a construção de novos poemas.
Mas o período de crise lírica criativa passou e Genaldo premia nossos olhos leitores com dois poemas novos que variam sobre o mesmo tema e reforçam o resgate do lirismo temporariamente perdido. Os poemas foram adequadamente batizados de “O retorno” e “O retorno 2”, pois simbolizam o nosso contexto, o retorno (dos encontros presenciais, do se derramar em poesia, do reencontro com a escrita poética, outrora perdida, agora novamente vista, revista e cada vez mais intensa e apaixonada pela vida).
Que nossos olhos reencontrem também as delícias do saborear poético, a partor da leitura dos mais-que-fodásticos poemas de retorno de Genaldo Lial.

O RETORNO

Voltando a escrever de fato
Após longo e penoso tempo
Com a escrita eu fui ingrato
Peço redenção neste momento exato

Não publiquem o que escrevo
Pois tropeço nas palavras tortas
E como um bêbado me atrevo
A versar sobre o que me importa

Se pequei peço perdão
Ao verso mais eloquente
Que me surge como um clarão
Assim tão de repente

Me embriago nos fonemas
Dos versos bons e distintos
E consigo abordar os temas
Do jeito que os sinto

Genaldo Lial da Silva, 03 de novembro de 2021




O RETORNO 2

Parafraseando os poetas
E exalando poesia
Eu ignoro as metas
E vivo em extasia

Para compor uma parte
De seja lá o que for
Dê ao artista a arte
E à vida o amor

Com a necessária leveza
Do voo de um condor
Se contempla a beleza
Do sol ao se pôr

No silêncio da natureza viva
Sente-se um grande esplendor
Pois a alma fica expansiva
Como um puro aroma de flor

Genaldo Lial da Silva, 09 de novembro de 2021.






domingo, 21 de novembro de 2021

Poema felino para nossos dias gatunos de banal poesia: Gato Miró

Domingo de clima ameno, quase frio, dia teoricamente de descanso, tempo meio preguiçoso, folga de temas pesados nestes dias de apocalipses diários, hoje o tema da postagem miou na minha cabeça.
Sim, hoje falaremos de um dos musos selvagemente domésticos mais querido, o gato, sagrado no Egito Antigo e cantado em versos beats por William Burroughs (o poeta dedicou livros e poemas ao enigmático e lírico bichano). Há uns meses, em minha residência em Teresópolis/RJ, apareceu um gato aqui da vila que cismou comigo, miava da janela pedindo pra entrar. Depois, que lhe permiti a entrada, passou a vir constantemente (nem pede passagem pela janela mais, e sim agora pela porta). Hoje é um agregado frequente, por vezes mais dono (e mais exigente) da casa que eu. Não tinha nome até minha participação em um grupo focal chamado “Ensaios de fruição”, no qual se planejou uma reflexão e análise de um espetáculo em homenagem ao mais que fodástico poeta Miró de Muribeca. Quando aprendi que o poeta Miró costumava fazer invasões culturais (entrar em um espaço e declamar seus fodásticos poemas, com magníficas performances), resolvi batizar o gato de Miró Serrano, pois este gato Miró invadiu meu espaço e encheu-o de novo lirismo.
Mas o gato Miró, com o tempo e assiduidade nas visitas, revela outras características, talvez adquiridas de mim, principalmente em meus dias de folga: a propensão e devoção à preguiça, beirando a total folga – por exemplo, neste momento, digito o texto no notebook, recostado em minha cama, com certa dificuldade, pois Miró Serrano deita-se e ronrona sobre meu peito, sempre que me posiciono desta forma.
"Perdoa estes poetas-blogueiros de merda,
Deuses Quintanares Bandeirianos,
eles não sabem o que fazem",
declama postumamente Drummond.
Desfazendo um monte de conselhos de Drummond em “A procura da poesia” (por sinal, a maioria dos conselhos que ele dá nos versos iniciais, o próprio autor descumpriu ou descumpriria com o tempo – o metapoema citado é mais um aviso de ruptura com fases anteriores [na época, Drummond flertava com o niilismo lírico] que algo pra ser levado ao pé da letra. Mesmo assim, influenciou muitos Joões Cabrais de Melos Netos, e, pqp, não existe metapoema mais fodástico, principalmente do meio pro final, que essa “procura da poesia” drummondiana), trago um poema bem banal, uma ode ordinária ao gato Miró Serrano (neste instante, deitado na cama, sobre o lençol e meus pés – o tec tec do notebook e minha movimentação na ação de teclar, possivelmente, estavam atrapalhando sua devoção absoluta à lírica preguiça, sim, no homem, a preguiça é terrível e pecaminosa; no gato, é suave e poética –, permitindo-me melhor articulação para concluir esta digitação).
Ótimo finzinho de domingo e boa leitura, amigos leitores, amigos dos animais selvagemente domésticos.

Gato Miró

O gato Miró anuncia seu novo pedido de invasão.
Antes vinha pela janela, atravessando o telhado vizinho pra chegar na minha casa.
Hoje aparenta segurança para bater à minha porta principal.
Como um gato marginal pode trazer tantos poemas sem derramar palavra?
Ok, Miró, deixemos de reflexão e vamos seguir o roteiro louco que a peça da vida nos colocou.



sexta-feira, 19 de novembro de 2021

Outra crônica crônica prosa poética antipoética inédita de minha autoria: Declaração quartoplanista do poeta saudoso à musa negacionista que nega a fúria do mundo, mas não nega amor

Quadro de Vincent van Gogh - 
"Quarto em Arles (1ª versão)"
- outubro de 1888 - óleo sobre tela 
Após outro hiato de tempo (que já está se tornando contraditória tradição), eis eu aqui de volta ao blog. Há um tempo ando meio sem inspiração e meio que praticando autossabotagem pra este hobby lírico blogueiro, sumindo de redes sociais, procrastinando reflexões, adiando postagens, enfim, virtualmente desligando-me, invisibilizando-me. Diante de uma realidade complicada e cada vez mais opressiva, transferidora de impunidades e benesses aos torturadores cotidianos e de exigência de sacrifícios incomensuráveis e falta de perspectiva aos sobreviventes do caos diário, sinto sempre vontade de que um disco voador apareça e um ET me informe que veio me buscar pra voltarmos pra casa. Neste alheamento de tudo, pelo bem de uma mínima saúde mental, fica sempre na minha cabeça o desejo de retornar ao blog, mas o desejo fica na vontade – sinceramente, estou meio de saco cheio desse tudo tão nada, desse caos tão bem organizado pelos vilões de sempre. No esforço de vencer as barreiras, tento mais uma vez retornar, sempre batendo de frente com a realidade e com as ruínas de mim mesmo.
Hoje deixo uma crônica / prosa poética inédita minha, meio atual, meio no meu eterno passageiro tempo nunca (de Terra do Nunca, de adulto criança adulterada que cresce infantilmente, crescendo no sem querer crescer; se o tempo de Vinicius era o tempo quando, o meu – sempre liricamente contraculturado em relação aos contemporâneos – é sempre o tempo nunca). Espero que gostem. Por enquanto é só (eu coletivamente só).

Declaração quartoplanista do poeta saudoso à musa negacionista que nega a fúria do mundo, mas não nega amor

Faz mais de um ano que nos beijamos sem nossas máscaras. Na cama, preservo as marcas fantasmas do teu batom de escândalos em segredos. Em meu universo quadrado, na infinidade plana de meu quarto, eu guardo toda violência pacífica de nossas fantasias, enquanto círculos de ódio giravam selvagemente realistas em bolhas bárbaras das redomas separatistas da nova civilização animalesca bipartida, por todos os nossos lados, afrontando toda a fúria amorosa em nós, atacando por atacados, afrouxando todos os nossos agridoces nós.
Faz muito tempo desde quando negamos esta estranha negação coletiva de que uma parede disposta à esquerda, ao centro ou à direita precisa de suas opostas para formar o abrigo ideal. Ah, musa adversa, quantas contradições gostosas usufruímos em harmônico embate de diferentes posições; como não negar o negacionismo saudável das naturais oposições? Enquanto nos debatíamos em paz acalorada na superfície plana das quatro paredes harmonizadas, o mundo em guerra girava sua metralhadora de insensatez ingloriosa, provocando novas invisíveis doenças, cultivando o vírus da falta de ciência em compreender que um corpo precisa de seu igual oposto pra fazer a inércia se mexer.
E com isso o mundo parou, violado por anti-rosas estúpidas e inválidas semeadas por batalhas desnecessárias que nenhum ser são provocou. Faz um tempo que a loucura involuntária e bestificada nos separou.... Mas preservo as memórias das noites iluminadas, dos dias de trevas intimamente abençoadas, pois sei que todo rebanho de raiva passa, toda pandemia de violência uma hora acaba. Por mais que a firme utopia pareça inativa, há poesia em cada segundo de nossa vida adiada. Mantenho a casa resguardada, imunizada com tua presença espectral. Teu retorno revolucionário pro nosso lar quadrado, infindo, falsamente limitado, será a vacina mais duradoura, magicamente real: teu retorno amor (assim sem vírgula e sem pudor) é e sempre será a cura de todo mal.

domingo, 7 de novembro de 2021

Relembrando meu segundo poema pandêmico (perdido na esperança de um mundo melhor, no Mundo das Ideias de Platão, coitado): I s o l a m e n t o coletivo social

Da série “Poemas pandêmicos” ou “Poemas em tempos de pandemia”, trago meu segundo poema (o primeiro, “O último teorema de Fermat ([En]ferma{t})”, já foi postado no seguinte link: https://diariosdesolidao.blogspot.com/2021/10/relembrando-meu-primeiro-poema.html ), intitulado “I s o l a m e n t o coletivo ideal”. Escrito em setembro de 2020, quando o #Fiquemecasa já era considerado a solução preventiva mais eficaz contra a Covid-19, é um poema neoconcretista que reflete sobre a realização do Amor Ideal de Platão a partir das medidas preventivas de isolamento social impostas pela pandemia de coronavírus. Sim, selecionado, pela Ufscar, para o FESTIVAL CULTIVAR-TE, no tema O CUIDADO DE SI E DO OUTRO (pode ser encontrado no link: https://www.informasus.ufscar.br/isolamento-coletivo-ideal/ ), o poema acreditava que a realidade afetada pela pandemia poderia desenvolver uma tomada de consciência coletiva (sonho, visão ideal, extremamente ferida pelo negacionismo e pelo estímulo crescente a uma famigerada subversão da expressão “imunidade de rebanho” [que só é potencialmente significativa com vacinação efetiva da população, fato ainda impossível de ser realizado no ano passado, quando as vacinas ainda estavam em processo de elaboração e testes).
Deixo o poema no blog como registro histórico de como poderia ter sido e não foi, graças o antifilósofos de plantão (pobre Platão, viu na pandemia uma oportunidade de concretude de suas Ideias praticamente desperdiçada pelas armadilhas cavernosas do mundo físico imbecil dos homens).



sexta-feira, 29 de outubro de 2021

Homenagem ao Dia Nacional do Livro: Alguns poemas meus dedicados à Literatura, meu multiverso mais visitado e minha musa favorita

Imagem encontrada em:
https://filipemiguel.com/2018/10/29/dia-nacional-do-livro-brasil/
Ok, no Dia do Poeta, na semana passada, eu, como escritor blogueiro, dei bobeira (na verdade, procrastinei um pouco) e só realizei uma postagem em comemoração à data ontem com o magnífico poema de Mateus Machado. Mas hoje, dia 29 de outubro, Dia Nacional do Livro, não vou deixar passar. Livros são minha paixão, minha cesta básica de formação vital e meu vício inexorável. Ler livros é um ato de amor, de ofício e de bastante inspiração.
Por ser um leitor voraz, o livro foi, é e sempre será muso inspirador de diversos poemas meus. Em comemoração ao Dia Nacional do Livro, posto hoje algumas aldravias (poemas com seis palavras, colocadas uma em cada verso) inspiradas no tema “livro” e um poema sobre minhas viagens como leitor voraz, chamado “O viajante”, premiado pela Academia Volta-redondense de Letras no Prêmio Maria Maldonado de Literatura 2019, mas ainda inédito aqui no blog.
Comemoremos o Dia Nacional do Livro, prestigiando o infinito universo da literatura e curtindo aquela felicidade clandestina* que só a paixão pela leitura nos traz.

*Pra quem não sacou a referência, este é o nome de um magnífico conto de Clarice Lispector, na qual a narradora protagonista fala de sua paixão por livros e de seus percalços e impressões, quando criança, para conquistar a oportunidade de ter o livro “Reinações de Narizinho”, de Monteiro Lobato, a seu dispor.


Aldravias com o tema livro/literatura:

isolamento
social
sozinho
deus
me
livro

****  

livro
outrora
enrustido
agora
livra
ria

****

camélias
embriagam
meu
livro
depois
dumas

****

minha
barata
angustiada
vem
kafka
comigo

****

em
terras
quintanares
menino
cata
vento

****  


poema
de
estrela
muito
bandeira

****  

via
láctea
sem
foguete
transportes
bilac

****  

em
terra
de
borges
livro


O viajante

Mesmo embaçados pela neblina das noites outonais,
seus olhos beijam todas as passantes da Quai d’Anjou.

Mesmo molhados pelas chuvas no fim da tarde primaveril,
seus olhos avistam os longos céus acima de Nova Jersey.

Mesmo resfriados pelo orvalho das manhãs invernais,
seus olhos sorriem para os pedintes na Rua da Baixa.

Mesmo ressecados pelo sol do início da tarde veranil,
seus olhos planejam tempestades no Castelo de Moor.

As mesmas estações do ano no Hemisfério Sul,
os mesmos pontos de ônibus no município natal,
os mesmos olhos inquietos do passageiro que febrilmente lê,
porém cada virada de página é um outro mundo que vem,
cada livro é uma viagem diferente, é outro perto além.

Pintura de Willian Michael Harnett
Pintor irlandês (1848-1892)


quinta-feira, 28 de outubro de 2021

Solidões Compartilhadas: A luz lírica de Mateus Machado em "Dia Nublado"

Após breve pausa (acabei até deixando passar o Dia do Poeta – não esqueci não, mas estava em momento de muito trabalho e produção), volto às postagens no blog e hoje compartilho minhas solidões coletivas com o jovem e talentoso poeta teresopolitano Mateus Machado, ex-artistaluno da Escola Municipal Alcino Francisco da Silva, escola onde até os tempos atuais leciono.
Em conversas via WhatsApp, Mateus Machado me confessou a melancolia pela qual passava em dias nublados. Naquele momento do bate-papo, percebi a chance de me acertar com meu passado profissional (na época em que ele estudava, entre 2011 e 2013, [se não me falha a memória], Mateus participava dos vídeos do Luz, Câmera...Alcino!, escrevia contos, crônicas, mas evitava produções textuais de poema, segundo ele mesmo, por não se considerar capaz de escrever poemas – impressão negativa e equivocada que não consegui tirar dele no período e que sempre me ficou engasgada, pois ele se transferiu da escola antes que eu pudesse convencê-lo do lirismo represado dentro dele) e estimulei-o, durante a conversa on line, a escrever sobre as sensações que o dia nublado lhe trazia. E, sim, foi neste momento carente de luz solar, a inspiração poesia brilhou em Mateus Machado e o talentoso escritor gestou seu magnífico poema “Dia nublado”, que vocês lerão e terão, como eu, a oportunidade de também ficarem admirados com esta maravilhosa obra poética, logo abaixo.
A aceitação de Mateus Machado para o desafio poético também oportunizou a ressurreição do projeto Luz, Câmera...Alcino! Veteranos, que envolve produções de vídeos com queridos e mais-que-fodásticos ex-artistalunos, atuais super-artistamigos. Nunca, em muito tempo de vida e poesia, dias nublados foram tão iluminados!
Fiquemos com o fodástico poema “Dia Nublado”, do mais-que-fodástico poetamigo Mateus Machado, para iluminarmos nossa (já nem tão mais) obscura realidade.


Dia Nublado
Poema de Mateus Machado

Dia nublado assim fica um pouco triste
É bom pra quem talento e inspiração
Lembrar das pessoas e dos momentos bons e das boas recordações
Em tempos da pandemia tivemos que nos afastar um pouco da família e de amigos
Saudades das boas risadas e dos abraços aconchegantes.
Assim termina o que nunca se acaba – saudade infinita.

“Dia Nublado”, o vídeo
Caso não esteja visualizando (o Blogger tem dado uns tilts com postagens que contenham vídeos do Youtube quando visualizadas em dispositivos como aparelhos celulares), basta acessar o link: https://youtu.be/AYK2omoa76o

sábado, 16 de outubro de 2021

Relembrando meu primeiro poema pandêmico de 2020 em um sábado nublado de 2021: O último teorema de Fermat ([En]ferma{t})

Quadro "Dia Nublado",
de Jose Navarro Llorens
Dia nublado, ambiente melancólico, mais um sábado pandêmico pra refletir, buscar forças em si, em qualquer lugar (somos sobreviventes; parece pouco, mas, dado o contexto necro-ilógico, não é), recordar, retomar o presente e re-acordar os sonhos.
Hoje trago “O último teorema de Fermat ([En]ferma{t})”, o primeiro poema que escrevi no período da pandemia (data de maio/junho de 2020, quando a ansiedade e incerteza e solidão e reflexões de passados explodiam em melancolia escrita buscando a felicidade de um bom verso mesmo que triste – eterna necessidade de manter a chama viva, ainda que adoecida).
Em tempo: o poema do qual vos falo foi premiado com o 1.º lugar no Concurso Contemporânea de Literatura 2020, em Santos/SP, e, consequentemente, entrou na Coletânea Contemporânea 2020 (interessados em comprar o livro e ajudar na continuidade deste fodástico projeto de promoção cultural, recomendo que procurem o organizador e superartistativistamigo santista Maurilio Campos – por sinal, no vídeo dos premiados [que pode ser assistido no link https://fb.watch/8GD2dZJmTB/ vocês também conferem a versão em vídeo do poema que trago abaixo, numa interpretação maravilhosa feita por ele e reinterpretada em vídeo pelo Mestre da Mídia Lírica Jardel Pacheco] pelo e-mail maurilio.campos@hotmail.com ). Em tempo II: esta postagerm também celebra o mais-que-fodástico fato de que sou um dos 30 finalistas do Concurso Contemporânea de Literatura 202’ (consequentemente, meu poema concorrente deste ano também estará em antologia Contemporânea 2021, o que já é fodástico demais, independentemente do resultado final).
Fiquemos com “O último teorema de Fermat ([En]ferma{t})”, uma tentativa de calorosa leitura lírica para um sábado melancolicamente nublado (e ainda que triste, magnífico).


O último teorema de Fermat ([En]ferma{t})


A primeira variante é o contágio:
a febre dos lábios encontra apenas travesseiros gelados
- a morte ronda o colchão imenso
cheio de espaços.
O que não é, o que não deveria ser
agora é permanente
                  presente
                     doente!
Pandêmicas, as ausências se espalham,
contaminam toda casa.
E a nós, ilhas de um continente despedaçado,
resta o pertencimento ao mesmo arquipélago
aglomerado de naufrágios.
O que quase não foi é o que nunca vai ser.
A segunda variante é o isolamento,
o ato forçado de evitar ruas, praias e festas,
pois estás em todas elas.
Mesmo trancado pro mundo,
tua falta desfila em meus mais obscuros pensamentos
me intimando
      intimidando
        intumescendo a minha nova solidão...
Passadas as variantes mais graves,
chega-se à resolução irresoluta do novo normal:
distância calculada em proximidade casual,
sorrisos amarelos em coloridas máscaras
- Oi, tudo bem?
(No céu da boca, o sol da verdade se cobre em nuvens que o implodem)
Resposta superficial, até logo... tchau,
como gripe que passa, doença banal...



terça-feira, 12 de outubro de 2021

Homenagem às crianças: O poema que Tia Patricia me pediu sobre os Direitos das Crianças do Brasil


Hoje é Dia das Crianças e o poetamigo e eventual blogueiro que vos escreve traz um poema inédito e uma boa recordação. Em 2019, a professora Patricia Ignácio, na época do Pré II da Escola Municipal Alcino Francisco da Silva, com quem já havia realizado em parceria dois fodásticos projetos (um poema sobre a Primavera para o Pré II [que se encontra aqui no blog no link:
https://diariosdesolidao.blogspot.com/2018/09/de-volta-velha-infancia-no-equinocio-da.html ], e a participação teatral-iluminada do Pré II com os nonos anos na peça “Monólogos de Dor & O Circo Musical do Amor”[precisava muito dos pequenos para amenizar o clima dolorido da peça e trazer alguma esperança – também está aqui no blog no link: https://diariosdesolidao.blogspot.com/2019/07/lembrando-momentos-marcantes-do.html ]), pois bem, voltando, a Patrcia me propôs um novo pedido-desafio: escrever um poema em homenagem aos 10 princípios dos Direitos da Criança (no Brasil, amparados pela lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990, também chamada de Estatuto da Criança e do Adolescente [ECA]). Passei por um processo de crise criativa, mas a superei e consegui, um mês após o pedido, criar o poema (não foi dos meus mais inspirados – considero o da Prima Primavera muito melhor -, mas foi uma vitória conseguir escrevê-lo, pois 2019, como o ano anterior e os anos consecutivos a ele foram [e continuam sendo] bastante complicados).
Deixo aqui o resultado-poema da proposta-desafio de Patricia para a apreciação dos amigos leitores, sempre em agradecimento e oferenda pela insistência sublime em apoiar com todos os olhos líricos e coração este relapso blogueiro que prossegue com o blog em atualizações inconstantes, mas ainda apaixonadas como dos primórdios do blog - obrigado pelo apoio e magnífico DIa das Crianças a todos, todas e todes (não se engane: independentemente da idade, ainda trazemos a infância latente e radiante em nós).


Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez direitos vou contar pra vocês


Um, dois, três,
Nós vamos aprender
Com tia Patricia,
Comigo e com vocês
Todos os dez direitos
Que as crianças devem ter.

O primeiro direito
É fácil de entender,
Mas o adulto às vezes
Finge esquecer:
Toda criança tem direitos garantidos por lei,
Seja menino, menina ou o que quiser ser,
Brasileiro ou estrangeiro,
Branco, negro, amarelo, vermelho,
Moreno, cafuzo, mameluco, mulato ou pardo,
Católico, evangélico, judeu, islâmico,
Sem religião ou de religião oriental ou afro,
Filho de esquerda, de direita ou de centrão,
Toda criança tem vez,
Por isso xô preconceito,
Abaixo a discriminação!

O segundo direito
É mais fácil ainda,
Mas ainda tem adulto
Que pra lei faz birra:
Toda criança tem direito à proteção
Para se desenvolver bem
Em toda sua amplidão.
Por isso devemos defender:
Deixa o menor bem crescer
Pra ser um maior legal,
Com desenvolvimento bem natural.

O terceiro direito
Parece bobo,
Mas é certeiro
E reforça uma necessidade:
Toda criança tem direito a nome e nacionalidade.
Todo nascido ganha um nome bonito,
Pode ser curto ou comprido,
Simples ou difícil,
Por isso nada de “Ei, psiu, ei, você aí, psiu!”
Todo nome é lindo e merecido,
Que deve ser falado, cantado e celebrado
Em um país, em um Estado, em uma cidade.
Todo nascido tem nome e localidade.

Um, dois, três,
Quatro, cinco, seis,
Nós vamos aprender
Com tia Patricia,
Comigo e com vocês
Todos os dez direitos
Que as crianças devem ter.

O quarto direito
É complicado
E muito adulto esquecido
Precisa que ele seja lembrado:
Toda criança tem direito à alimentação, à recreação
E à assistência médica.
Por isso a arrecadação de impostos, a contribuição,
A colaboração de toda a nação.
Precisamos acreditar no bom trabalho, na boa ação,
No respeito maduro, na boa administração,
E é por isso que dizemos pra todo mundo:
Abaixo o político mentiroso e narigudo,
Abaixo a corrupção,
Queremos honra com o dinheiro público,
Queremos boa distribuição de recursos!

O quinto direito
À criança especial
Diz respeito
E é importante lembrar:
Toda criança portadora de necessidades especiais
Terá direito a tratamento, educação e cuidados especiais,
Lembrando que o diferente não é doente,
E sim, como todos nós, carente,
Mas carente de uma forma diferente.
Todo especial merece carinho especial,
Com respeito, ser diferente é normal.

O sexto direito
Fala da arte do afeto
Diz respeito
A sentimentos eternos:
Toda criança precisa de amor e compreensão,
Por isso façamos da troca de amor infinito
Uma grande revolução:
Abrace sua amiga e o seu amigo
Como se todos fossem seus irmãos,
Jamais negue afeto ou carinho
Às meninas e aos meninos desse mundão
Tão carente de emoção.

Um, dois, três,
Quatro, cinco, seis,
Sete, oito, nove
Até o dez nos comove.
Hoje nós vamos aprender
Com tia Patricia,
Comigo e com vocês
Todos os dez direitos
Que as crianças devem ter.

O sétimo direito
Fala de ensinamentos,
Da educação
Dos nossos pequenos:
Toda criança terá direito a receber educação,
Que será gratuita pelo menos no grau primário.
Por isso temos escolas em toda região
Pra garantir a matrícula da criancinha e do crianção,
Podemos chegar nela a pé, de carro, de carroça e de buzão,
Lá aprendermos o abecedário e a ser mais cidadão.
Por isso respeitemos o profissional da educação,
É na escola que aprendemos a ser uma grande nação.

O oitavo direito
Fala de saúde e prioridade,
Ajudar primeiro a criança
É nossa responsabilidade:
Toda criança estará, em qualquer circunstância,
Entre os primeiros a receber proteção e socorro.
Por isso, se o pequeno ou a pequena passa mal,
Ele ou ela é nossa preocupação única e principal.
Se a criança está em perigo,
O futuro bonito que ela constrói
Também está em risco.
Por isso corre, adulto herói,
Corre ao seu auxílio!

O nono direito
Está na nossa cara,
Mas tem adulto que avacalha;
Criança é criança – não trabalha!
A criança será protegida contra qualquer crueldade e exploração,
Por isso nada de trabalho escravo, trabalhinho pesado ou trabalhão,
Nem abandono, violência ou opressão.
Bico de criança é chupeta,
Bico de trabalho pra criança só dá treta
E o responsável irresponsável pode parar no camburão.
Pequenos estudam, brincam, fazem recreação;
Trabalho é coisa de adulto, não me venha com inversão!

Chegamos no décimo e último direito
Com muito carinho e muito respeito:
Toda criança terá proteção contra atos de discriminação.
Por isso aceitemos a todos sem diferenciação.
Com cada vez mais amor no coração,
Transformamos o afeto em revolução;
Abracemos sempre a outra e o outro com muita emoção!
Xô, preconceito, xô,
Chega de ódio e de horror,
Agora somos feitos só de paz e de amor!

Um, dois, três,
Quatro, cinco, seis,
Sete, oito, nove,
Dez direitos nos movem
E um futuro lindo eles constroem.
Acabamos de aprender
Com tia Patricia,
Comigo e com vocês
Todos os dez direitos
Que as crianças devem ter
E nem eu, nem tia Patricia, nem vocês
Jamais devemos nos esquecer
Os direitos que fazem a gente direito crescer.

Respeitem as normas, respeitem as leis,
Nós, crianças, somos os futuros de vocês!



Meu filho-poema selecionado na Copa do Mundo das Contradições: CarnaQatar

Dia de estreia da teoricamente favorita Seleção Brasileira Masculina de Futebol na Copa do Mundo 2022, no Qatar, e um Brasil, ainda fragiliz...