- Sorria e o mundo lhe sorrirá, Cândido.
Encantado com o sorriso faceiro
do filósofo que lhe dirigira a palavra, Cândido foi conhecer o mundo.
Entrou no ônibus. Não tinha
dinheiro para a passagem, mas precisava de um meio de transporte mais ágil que
os próprios pés. O Cobrador fez jus ao seu nome e lhe cobrou a passagem (muito
cara, por sinal, mas reclamar disso é tornar-se incômodo e tornar-se incômodo é
tornar-se inapropriado ao mundo e tornar-se inapropriado ao mundo é negar as
maravilhas que nele há). Cândido sorriu francamente para o Cobrador e lhe disse
que não trazia um tostão sequer no bolso. O Cobrador tentou ler em Cândido a
faceta de mais um malandro ou a proeza de um louco, mas surpreso com tão franco
sorriso, apenas pediu que o alegre rapaz saísse do ônibus.
Apesar do primeiro fracasso em
sua jornada, Cândido seguiu a viagem pelo mundo a pé e manteve o sorriso,
afinal tal fato não deveria lhe trazer pesar, não se pode lamentar pelo que não
teve, se não teve é porque não era pra ser seu, é um bem supérfluo, ainda havia
uma linda estrada pra se admirar na caminhada; que ideia louca essa de entrar
num ônibus sem pagar, ora! Assim Cândido amadureceu a filosofia iniciada: o
sorriso seria mantido, mas só seria perfeito se ele tivesse dinheiro.
Após muitos quilômetros
avançados, a fome apertando, Cândido sorriu para o seu estômago, mas descobriu
que alegrias não alimentam o corpo. Procurou uma árvore com frutos gratuitos
pela estrada, mas a natureza era rara na paisagem das queimadas. Bateu na porta
das poucas casas que via durante a caminhada; com o êxodo rural por empregos
nos centros da cidade eram cada vez mais raras as habitações naquela parte da
estrada. Sempre que era atendido, Cândido sorria e, em algumas casas, recebeu
até alguma comida para seguir sua jornada, mas alguns reclamavam que o dinheiro
deles mal dava para alimentarem suas famílias. Sorrindo, Cândido condenou o
negativismo destes e lhes recomendou que sorrissem como ele. Recebeu em troca
sorrisos desdentados e desgostosos de seus interlocutores, que, cabisbaixos,
apesar da alegria forçada, se despediam com recomendações de dias melhores em
sua caminhada. Cândido obsequiava e, constantemente sorrindo, lhes dizia que o
caminho já lhe era satisfatório, apesar dos obstáculos, mas o discurso sempre
se encerrava no vazio, pois o interlocutor já havia partido pra dentro de seu
lar.
Mesmo nesses altos e baixos da
jornada, Cândido mostrava-se feliz, pois, apesar das dificuldades, conseguia
seguia em frente.
Chegando à área urbana, tratou de procurar um emprego; tinha
os sapatos gastos, o corpo suado, a roupa um tanto amarrotada, o aspecto
miserável, mas mantinha o sorriso impávido no rosto. Nos poucos pontos comerciais
que ofereciam vaga, recebia em troca o sorriso, mas, devido ao aspecto horrível
e o mau cheiro que exalava, nenhum empregador ousou lhe conceder o emprego
desejado. Cândido também tentou buscar o mercado informal – lavar carros,
esmolar, roubar -, mas, após receber alguns sopapos dos trabalhadores do ramo,
reparou sorrindo que tais meios de sobrevivência já estavam sobrecarregados de
empregados.
Novamente faminto, manteve o
sorriso, mas reparou que as pessoas que passavam ou o julgavam louco ou o
desprezavam ou simplesmente não o notavam. Talvez o método tenha falhado;
buscou dentro de si todas as forças pra que seus lábios resistissem sorrindo e
tranqüilos diante daquelas provações. Tornou-se uma lenda urbana: o mendigo que
manteve o sorriso, mesmo desmaiado. Foi levado a um hospital público; quase
morto, foi reanimado. Ressuscitou com um sorriso incorruptível, o mais feliz de
todos os homens.
De tanto sorrir, foi aceito entre os pedintes em
frente ao hospital. Cândido podia ter perdido a chance de conhecer o mundo, mas
agora estava inserido numa sociedade, no melhor dos mundos possíveis. Desejava
agradecer ao filósofo que o aconselhou, mas, mesmo que o procurasse na cidade,
não o encontraria: enriquecido pela venda do manual de sua revolucionária
teoria filosófica, o nobre sábio agora viaja pelo mundo, rindo à toa.
Pra quem acha o blog muito deprê, um conto que é só sorriso!
ResponderExcluirQue massa esse conto, Cara!
ResponderExcluirParabéns!