sábado, 1 de outubro de 2011

Poema violentado (apesar do lindo sábado)


O asfalto inexistente da estrada de
Santa Rita, em Teresópolis/RJ

Antes de postar o poema inédito que lerão mais abaixo pensei muitas vezes... Sei que é final de semana, houve uma tarde de sábado quente, rock in rio em dia por um mundo melhor, noite que promete, a banda Pelo Telephone fará outra grande apresentação em Valença/RJ, sei que hoje é final de semana e eu deveria manter o equilíbrio de luz nessa postagem. Mas meus eus líricos, como o da canção “Meu reino”, de Biquíni Cavadão, são “uma soma de tudo que vejo” e o que andei vendo estava debaixo da peneira do sol. Releio  obras de A-Lex Gomez, visitei Santa Rita, bairro de Teresópolis atingido pela chuva e – mesmo antes da tragédia – ainda sofrendo o descaso e esquecimentos de governos e governos (tanto faz se dizem que estão “cuidando bem das pessoas” ou “governando com amor”; são todos propagandas enganosas), corte de plano de saúde dos servidores públicos municipais de Teresópolis, falta de merenda nas escolas municipais de Valença solucionada com a extensão de feriados e recessos, corte de cotas de xerox nas escolas públicas de Teresópolis, vejo nas estradas de Teresópolis e Valença morros marcados pelas chamas furiosas dos homens sem noção, lembro que Valença é governada por um prefeito distante, mais que sujeito oculto, ele é sujeito inexistente, e, pra agredir mais a minha vista, vi uma moça ser agredida por um (im)possível e covarde marido.
O poema abaixo que vocês possivelmente lerão foi escrito após ter visto isso tudo – construí para o texto um eu lírico feminino pra denunciar a violência contra a mulher que permanece impune mesmo com a lei Maria da Penha (mas também pode ser visto como um eu lírico feminino representando uma serra diante do retorno de seu incendiário inquilino ou uma cidade rejeitando a volta de um prefeito covarde – se a carapuça servir, a falta de respeito ecológico e a impunidade política, tão absoluta quanto a falta de condenação devida a homens que espancam mulheres, infelizmente continuar). Quem quiser sair apenas e viver o resto da vida sem refletir no caos oculto pelas festas, por favor, pare por aqui e não leia esse poema (não posso condenar os eus líricos que se libertam de meu corpo, por isso, deixo que o leitor os condene e, consequentemente, me condene; mas lembro que, antes de divulgar a sentença, o leitor deve vestir a pele dos eus líricos lidos e se perguntar – será que eu também não sentiria isso?):

Borboleta largada 
(Espancada por seus beijos)

Pra que você voltou?

Depois de tantas metamorfoses,
sonhando com o despertar da borboleta
novamente me vejo lagarta
largada em seus braços.

Pra quem você voltou?

Tive outros homens
tão iguais e tão diferentes de você
como máscaras amorosas
escondendo rostos bárbaros
barbados de traição.
Seus amigos comemoram sua volta:
“O boêmio voltou!”
Mas, na minha casa, a morosidade
da caneca estilhaçada
na lixeira que você não esvazia
me lembra que falta café,
falta fé na amorosidade
de suas mãos grosseiras.

Por que você voltou?

Minhas costas marcadas
descansavam na cama de bela adormecida
até que seu beijo agressivo
novamente violentou meus lábios
e me acordou.

Por que você não morre?

Um comentário:

  1. Lindo poema. É uma pena realmente nossos olhos terem de ver tanta coisa grosseira, tanta coisa errada, tanto descaso... que a violência de suas palavras poéticas se una a muitas outras violências poéticas que existem por aí... quem sabe as pessoas se sintam espancadas em suas consciências...

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