Há dois dias atrás (28 de setembro), participei, a convite de Marcus Gomes, do 3.º Encontro de Educação Ambiental da Serra dos Órgãos, no Parque da Serra dos Órgãos, Sede Teresópolis/RJ,. O evento, muito bem organizado, trouxe novas propostas para os rumos da educação ambiental na cidade. Diversos palestrantes, vindos de diversos instituições - Ongs, escolas, universidade, etc -, divulgaram suas experiências e propostas. Como meu espaço naquele dia era pequeno [no dia seguinte, teria um tempo mais amplo, mas não pude ir = ( ], dei minha contribuição poética ao evento. Abaixo posto o vídeo de minha apresentação - declamei o poema "Ensaio sobre a cegueira das árvores", 1.º lugar no 4.º Concurso de Poesias de São Pedro da Serra, distrito de Nova Friburgo/RJ, já postado nesse blog (segue o link: http://diariosdesolidao.blogspot.com/2011/07/poema.html ). Espero que gostem, apoiem a sustentabilidade do nosso planeta e evitem a extinção da poesia nossa de cada dia:
Olá, caros leitores, bem vindos ao blog daqueles que guardam um sorriso solitário no canto dos lábios que versam sonhos coletivos. Bem vindos ao meu universo virtual poético, bem vindos ao mundo confuso e fictício ferido de imortal realidade. Bem vindos ao inóspito ambiente dos eus líricos em busca de identidade na multidão indiferente, bem vindos ao admirável verso novo.
sexta-feira, 30 de setembro de 2011
quinta-feira, 29 de setembro de 2011
Meu tributo a Legião Urbana: Recado pra Renato
Hoje, o Rock in Rio relembrou abortos elétricos, legiões
urbanas e trovadores solitários. Vários músicos, entre eles Dado Villa-Lobos,
Marcelo Bonfá, Herbert Vianna, Pitty, Rogério Flausino, Toni Platão, Dinho
Ouro-Preto e outros, acompanhados da orquestra Sinfônica, se reuniram na Cidade do Rock e prestaram de forma emocionante um tributo ao compositor Renato Russo,
ídolo maior – ao lado de Cazuza – da juventude do Rock 80 –e à banda Legião
Urbana, que marcou uma geração de brasileiros.
Diante de um dia tão especial,
resolvi também prestar minha homenagem ao eterno líder da banda Legião Urbana.
O poema abaixo foi composto logo após a morte do cantor (ele era portador do
vírus fatal HIV) a partir dos títulos de diversas composições de Renato Russo
(tentei mantê-las na ordem cronológica em que aparecem em disco para o público)
e foi publicado em meu quarto livro “O último adeus (ou O primeiro pra
sempre)”. Pra ser lido, ouvindo novamente o tributo a Renato Russo, junto com
toda a discografia da Legião Urbana:
Recado pra Renato
Nesses intervalos de tempo
Antes da dança e depois do primeiro movimento
Eu me lembro de sua eterna dúvida: Será? Não, não sei se é
Um teorema distorcido em minha mente
Ou soldados que batalham em meu inconsciente
Quando bebo uma coca-cola.
Depois do por enquanto, antes do tempo perdido
As fábricas não humanizam o trabalho
Os índios são atacados
Eduardo e Mônica estão separados
E Andréa Doria anda silenciosa...
Não temos todo o tempo do mundo, Renato
O país é este mais do mesmo que você não quis
As aulas de química trazem as mesmas teorias
Eu sei: a única diferença é que você não está aqui
Pra criticá-las
E quando o sol bater na janela do meu quarto
Como vou esconder o que todos os meninos e meninas já sabem?
Todos sabem, Renato, que o lobisomem juvenil partiu o
próprio coração
Para duas tribos, espalhando emoções para mais de sete
cidades
Contaminando pais e filhos, deixando como herança uma
geração
Que há tempos busca um espaço nas quatro estações.
Você lembra, Renato? O vento no litoral, antes da tempestade
Depois de Angra dos Reis... sua tristeza era sereníssima
Como um teatro de vampiros
Narrando o mundo tão complicado
Que nós vivemos, nem sempre largando tudo por amor.
E mesmo descobrindo o Brasil, jogando os barcos na fonte
Desenhando com giz a sua perfeição, foi duro perceber
Que os bons morrem jovens...
Tudo bem, Renato! Só por hoje eu não vou chorar...
Então tento esquecer
Que sua via-láctea perdeu-se pra sempre
Antes das seis, depois das primeiras flores do mal...
E hoje á noite não tem luar
Pois quem inventou o amor destruiu você...
Finjo que seu trem apenas mudou-se pra uma outra estação
Mentir pra mim seria fácil demais
Mas é impossível não perceber o equilíbrio distante
Em suas comédias românticas
E o silêncio de seu sagrado coração...
Mesmo assim, ainda ouço suas palavras nas músicas de
acampamento
Vejo crianças brincarem de faroeste cabloco no quintal
Enquanto uma legião de anjos urbanos desce do céu
Pra dizer que é cedo pra esquecer
Você consegue ver, Renato?
Sei que não gosta quando eu digo isso
Mas ainda existe uma luz
Mesmo quando tudo parece estar perdido
Ainda existe um caminho!
Conto valenciano: Conto de partida
Hoje aconteceu tanta coisa errada comigo aqui em Teresópolis que, nesse dia em que se comemora o aniversário de Valença, a cidade que eu amo, a minha vontade seria de estar aí, distanciado de tantos problemas e um pouco livre desse meu eterno cansaço. O conto abaixo, publicado em "Eu e outras Províncias" reflete sobre essa impossibilidade... Um presente de aniversário de um poeta valenciano que não nasceu em Valença e que, quase sempre, só pode mandar beijos longínquos à Princesinha da Serra, cada vez mais desfocada na fotografia da distância...
Conto de partida
22:10. Novamente partirei para
outro lugar, para longe de ti. Meus olhos percorrem a Rodoviária na busca
nervosa de registrar cada pedaço teu. Tento guardar os mínimos detalhes, todas
as lembranças que posso levar comigo, ó Princesinha.
Mas não, não pretendo repetir o
ar bucólico que outros artistas encontraram em teu clima. Dar-te uma imagem
árcade seria retroceder-te, Princesinha da Serra. As luzes furiosas do teu
Cruzeiro, a velocidade alucinante das águas de tuas cachoeiras, o trânsito
contínuo de universitários em tuas avenidas, as portas dos teus comércios e
fábricas abrindo e fechando (às vezes apenas fechando, como esperança perdida,
apenas fechando...) sugerem atualidade, e não saudosismo e utopia, Princesinha!
Talvez desconfies de mim, de
minhas opiniões. Talvez me trates como um forasteiro, pois sempre tenho que
partir. Preciso ganhar dinheiro, ó cidadezinha desempregada. A vida está
difícil, preciso partir... mas ainda te amo. Não, não me confundas com um
namorado qualquer, desses que andam contigo abraçando-te por rotina. Meu amor anda
pelas poesias dos jardins da Casa Lea Pentagna, pela dramaticidade do teatro
Rosinha, pela serenidade das preguiças do Jardim de Baixo, pela musicalidade no
silêncio do coreto do Jardim de Cima, pela melancolia do Casarão em ruínas...
Meu amor é mais, Princesinha!
Muito além da atmosfera pacata de tuas musas beatas, meu coração ferve em tua
chama inquieta de juventude. Juventude que passeia em tuas ruas, noite após
noite, atrás de um sentimento perdido nos degraus da Catedral, de uma liberdade
esquecida na subida da Torre, de um final feliz no eterno Cine Glória.
22:15.
Tenho que partir (me partir). Mas não digo adeus – digo até breve, pois eu
voltarei. Mesmo que não entendas os rumos de meu coração, ainda te amo,
Princesinha, ainda te amo...
Rock in Rio: Por um mundo melhor? (Ainda não estamos preparados)
Desde seu surgimento, a marca
Rock in Rio nunca foi exclusiva do estilo musical rock e, com o tempo, nem
pertenceu somente ao Rio de Janeiro. Não compreender que o nome do festival é
uma marca, assim como Sempre Livre (que investe em festivais musicais e não
abre espaço apenas para bandas femininas) e Yamaha (que criou um evento para
revelar novos talentos musicais e nem por isso exigiu que todos os componentes
fossem motoqueiros), e que tal evento pode abrir espaço para talentos
distanciados ou alternativos ao estilo musical rock é compreender tudo ao pé da
letra, negar a arte multifacetária de nossa música invejada por muitos artistas
internacionais e desfazer do slogan básico do festival: a ideia de que devemos
lutar artisticamente por um mundo melhor.
Todos têm o direito de gostar ou
não de um determinado ritmo, artista ou estilo musical, mas o ato de
vaiar um show que é executado corretamente (e, muitas vezes, de forma
impecável) seguindo as suas características é reabrir velhas cicatrizes de
intolerância, que só servem para estagnar uma manifestação artística que pode
nos dar autenticidade e identidade. Confesso não gostar de determinadas
manifestações artísticas e, quando me deparo com tais amostras – caso elas se
apresentem de acordo com o que se propõem -, escolho o silêncio; se não gosto,
viro as costas e vou embora. Vaiar, gritar, xingar demonstra desrespeito com o
gosto do próximo e falta de habilidade em olhar-se para o espelho – todos nós,
humanos, temos o ridículo dentro de nós (fica ao lado de nossos erros mais
graves, que lamentamos existirem, mas persistem em nós) e, se há alguma razão
para estarmos vivos, ela está no fato de aprendermos com nossa ridicularidade,
construirmos bom senso (noção de nossos atos patéticos) e nos tornarmos seres
mais toleráveis para a convivência em sociedade. Se tal espetáculo não lhe atrai por
que arrastar seu corpo cansado e desengonçado para frente do palco e vaiar em
coro com a unanimidade cega e burra? Cometer tal ação é de tamanha tolice e
falta de lógica quanto pagar ingresso para assistir ao jogo de um time
adversário para ficar vaiando – evidencia falta do que fazer e incompreensão da
própria estupidez. Além do mais, queria relembrar que os políticos mensaleiros
continuam sendo absolvidos no STF e não vi/nem ouvi ninguém indo pra Brasília
vaiar nossa justiça falida; notícias de merenda estragada em Campo Grande /MS e um
silêncio gritante daqueles que deviam vaiar, revoltar-se – vaiar Claudia Leite,
NX Zero ou banda Gloria demonstra rebeldia sem causa e gasto inútil de energia,
que deveria ser poupada para uso em protestos autênticos contra as injustiças
sociais (você que xingou e vaiou a Claudia Leite, já foi a Brasília xingar
aquele político baiano corrupto que faz festa de axé com o nosso patrimônio
público?).
Estamos esquecendo do princípio fundamental de todo e
qualquer evento artístico que se preze. Lutamos por um mundo melhor, mais
justo, mais tolerante, menos alienado e menos ‘bestificado’ com nossa república
corrupta. Antes de vaiar uma obra de arte, seja ela qual for, observe-se melhor no seu espelho, veja o quanto o seu quadro artístico interior é primitivo e
defeituoso e refaça a sua pintura rústica no silêncio reflexivo. Quando conseguir
aperfeiçoar a si mesmo, verá o quanto é raro e difícil ser um artista
autocrítico para pintar/cantar/escrever/tocar o seu próprio eu. Para os que
vaiaram, sugiro que reproduzam o barulho em seus próprios ouvidos e repensem um
mundo melhor sem esses estúpidos gritos.
quarta-feira, 28 de setembro de 2011
Poema valenciano: "Amor e Arte, Arte-Ofício"
Apesar de barrado das festividades do aniversário de Valença
(amanhã a cidade que eu amo fará 188 anos), mantenho minhas homenagens a minha
principal musa inspiradora.
Posto hoje o poema “Amor e Arte, Arte-Ofício”,
escrito em homenagem a dois grandes grupos teatrais de Valença e publicado em
meu quinto e mais valenciano livro “Eu e outras Províncias”:
Amor e Arte, Arte-Ofício
Não venho aqui pra mentir
Apenas pra dizer a verdade de outra forma
da real-idade das Divinas Mentiras
d’antes, Dantes de sobrenomes sem lirismo
Os versos beatos desta minha cidade
ainda rimam com a aristocracia do café
fé na tradição, no moinho emperrado
no silêncio triste dos ex-escravos
Eu venho recontar a história através da vitória dos
derrotados
mostrar as costas marcadas que resistiram às suas chibatadas
desconcertar as engrenagens de sua máquina falida
Venho ressuscitar a crise do café
e ascender a manifestação dos oprimidos
Meu coração é negro, democrático, coroado
vermelho, moleque, maluco, faceiro
Não quero ser dono da verdade
apenas torná-la domínio público
nos lábios dos mestres amadores
dos amantes populares
- Que cada um leve sua verdade pra casa
sem precisar escondê-la debaixo do travesseiro
Venho trazer o mudo ao palco do mundo
nos teatros de pequenas rosas
(a vida é bela e cheia de espinhos)
Trazer o mundo pras ruas, as ruas pro mundo
surpreendendo o distraído, distraindo o atento
com um atentado de emoções novas
Renovar a rotina monótona
mostrar que além do dó, existe o só, o sol, o sei lá
sem ré - é preciso seguir em frente
Não sou músico, mas busco ritmo
Este é meu amor, minha arte, meu ofício
Não venho aqui pra fingir
apenas pra representar uma realidade
que vale a crença
Valença a pena
a-
creditar!
terça-feira, 27 de setembro de 2011
Conto de ancião boêmio e solitário: "In extremis"
Como hoje, dia 27, comemoramos também o Dia do Ancião, posto
o meu miniconto dedicado a todos anciões boêmios e solitários.
O conto “In
extremis” tem seu título inspirado em um dos melhores poemas de Olavo Bilac e
foi publicado no meu sexto livro “Diários de Solidão”. Dedicado a Charles Bukowski e a todos os grandes anciões boêmios da literatura do mundo:
In extremis
- Eu te
amo, Ana - diz a voz enrugada do ex-boêmio.
E a lápide
lhe responde: “Aqui jaz Maria, a prostituta de vários nomes”.
Um vento
fantasma sopra no rosto do ex-jovem como um beijo perdido na esquina da
perdição.
Poema Mpbístico: "Eternamente Rosinha de Valença"
Eternamente Rosinha
no jardim de Valença.
Os tolos acharam-na menor,
uma flor comum do interior,
uma rosinha,
mas aprendeste a tua melodia sozinha,
ensinaste aos tolos que as rosas têm
as suas próprias melodias:
"Zum-zum", "Cangaceira", "Funarte",
"Guiomar Novaes", "People", "Arco da Velha",
"Bambino D'Ouro": por quantos jardins
as tuas pétalas tocaram
e para tantas e tantas pessoas
liberaste o canto, antes tão calado...
Stanislau Ponte Preta errou ao dizer
que tu, Rosinha, tocas por uma cidade inteira;
grande engano: tocas por um mundo inteiro, Rosinha!
Depois de ti, nenhum tolo - por mais tolo que seja -
negou a música das flores (das estrelas do jardim).
ROSINHA DE VALENÇA,
encontra as tuas águas no projeto meio-dia
que o cheiro de mato é bom
com um violão em primeiro plano
e não fiques triste com a discriminação
de tuas crenças - do teu sonho franco-brasileiro.
São os tolos, os urubus com inveja
da tua música, do teu prazer;
os mesmos tolos que terão que aceitar
que teu nome não está no passado
nem no presente, nem no futuro...
O teu nome está no sempre
segunda-feira, 26 de setembro de 2011
Solidões compartilhadas: "Meninas dos olhos", de A-Lex Gomez
Quem compartilha conosco hoje sua solidão é o renomado e talentoso escritor A-Lex Gomez, pseudônimo de Alexandre Coimbra. Elogiado por grandes escritores como Glauco Mattoso, A-lex traz uma escrita execrada pelas famílias de PIMBAS (pseudointelectuais metidos a besta e associados) (mal) ditas de 'boa' moral e 'bons' costumes. Penso que o fato de alguns considerá-los a fantástica escrita deste escritor como de mau gosto ou bizarra se deve a 2 razões:
1. A escrita de A-Lex Gomez é extremamente contemporânea e ao mesmo tempo quase à frente de seu tempo, o que dificulta a compreensão de sua obra para leitores de cabeças ultrapassadas;
2. O fato de A-Lex Gomez expor as mazelas de nossa sociedade contemporânea é outro aspecto que assusta leitores moralistas que temem terem suas máscaras desfeitas pelos escritos realistas e soturnos deste grande escritor.
Pelas 2 razões acima, somadas ao talento cristalino de A-Lex Gomez (ou Alexandre Coimbra, para os amigos), posto hoje um conto dele de rara qualidade no mundo literário atual. Tenho certeza que os sábios leitores desse blog saberão admirar o talento refinado desse soturno e ao mesmo tempo brilhante escritor:
Meninas dos olhos
Os adultos, circunspectos e concentrados nos seus próprios
assuntos evitavam olhar para a menina. Fumavam seus cigarros fumacentos.
Evitavam chegar perto dela para que os seus sissibilos não arranhassem seus
passivos ouvidinhos.
Quietinha, lá no canto da poltrona, havia duas horas, a
menina sussurrava os seus segredos com a sua boneca. Ela e a boneca. Velhinha,
a boneca, apenas tufos de cabelos ainda restavam na sua cabeça mole de
borracha. As pernas, que sempre se soltavam, reencaixadas às pressas e sem
paciência pela mãe, tinham os pés trocados, boneca-curupira: a perna esquerda
encaixada no lado direito e a direita no esquerdo. Encardido, puído, o mesmo
vestidinho que nunca fora trocado desde que a menina a herdara da irmazinha mais
velha. As bracinhos não tinham mais articulação, bracinhos inertes de boneca
velha. tinha sido daquelas bonecas que fecham os olhos quando postas na
horizontal. Sabe aquelas? Abertos, em pé, fechados deitada. Não, não era mais,
pois, quando deitada, somente um dos olhinhos verdes de vidro, o esquerdo, se
fechava, o outro permanecia aberto. Nem cílios o olho estragado tinha.
Boneca-aberração. A menina não via defeitos na boneca, sua única amiga e
confidente.Trocavam os mais íntimos segredos. Amigas, a menina e a boneca no
canto da poltrona, conversavam baixinho, uma sussurrando segredinhos no ouvido
da outra. A menina deitava e levantava a boneca. Com o movimento, o olho
defeituoso, verde, sem cílios, permanecia aberto. Ao término de cada história
contada a menina eufórica a erguia e a velha-boneca-caolha-dos-pés-invertidos
piscava torto o olhinho direito para a menina:
“Fica entre nós esse segredinho,einh?”
-Conta! Conta outro segredo! – disse a menina baixinho no
ouvido da boneca.
E ouvia, com riqueza de detalhes, os segredinhos queria
ouvir. A boneca sabia de muitos segredinhos. Contava tudo que a menina não
sabia. Tirava o ouvidinho da boca da boneca, cabeça pra cima e gargalhava.
Baixinho, pra não atrapalhar o sussurro dos adultos. Não continha seu fascínio
pelos segredinhos. Levantava o queixo rindo. Rindo à beça da novo segredinho da
boneca. E erguia e deitava a boneca. E uma história atrás da outra. Abraçava
abraço apertado apertadinho na boneca. Amassava até a cabeça da boneca o abraço
abração da menina, tamanha a pressão do “Upaaa!”. O olho direito dava meio
salto pra fora da órbita, mas a cabeça voltava ao normal. E a boneca piscava
pra menina:
“Fica entre nós esse segredinho,einh?”
As duas sozinhas, no canto da poltrona.
“Amigas, amigas, amigas pra seeeempre! Né?”
Uma piscada torta como resposta.
Havia uma consternação entre os adultos. Às sombras,
desviavam o olhar da menina na poltrona. Dor de adulto ver a menina assim,
sentada há tanto tempo, sem saber de nada. Mas não havia pra onde olhar. A
névoa espessa dos cigarros e charutos e cachimbos não escondia a menina. Doía
ver a menina sozinha na poltrona, lá no canto, conversando com aquela boneca
velha. Doía ver no meio da sala o caixãozinho. O caixãozinho da irmã mais velha
da menina. Aquela tarde tortuosa pros adultos que em grupos, roupas pretas,
fechavam-se em círculos uns olhando para os outros evitando olhar para mãe.
Semisserravam seus olhos e sentiam a garganta seca só de olhar o olhar da mãe,
semblante sombrio.
Os adultos curvados com seus ternos pretos pareciam corvos.
Cegos de de ver a dor.
A mãe sentada ao lado do caixãozinho miando a dor de mãe. Os
adultos curvados em grupos olhavam só para si mesmos e seus cigarros
fumacentos. Medo de ver a dor doída. Medo-dó. Dó de ver os olhos abertos da
menina morta. Medo de ver a mãe olhando com os olhos mais tristes do mundo a
menina morta de olhos abertos no caixão.
Os corvos tinham mais receio de olhar para a menina na
poltrona com a boneca do que para a mãe ou para a irmãzinha de olhos
esbugalhados no caixãozinho. Medo grande. Grasnavam assim assado, sem querer
saber da cena sinistra.
Viram que a menina, isolada na poltrona com a sua boneca
caolha, ainda não sabia da irmã morta no caixão.
O flash do fotógrafo despertou alguns corvos. O clarão
iluminou toda a sala. Todos olharam para o caixão com a menina morta de olhos
abertos. Menos a menina com a boneca.
A mãe levantou-se da beira do caixão e dirigiu-se para o
fotógrafo, seca:
-Tirou a foto?
Hábito do lugar tirar foto de criança morta no caixãozinho.
Hábito do lugar: as fotos de crianças mortas sempre de olhinhos abertos. Pra
todos verem depois o anjinho-morto na foto, com os olhos abertos. Anjo morto,
como que vivo. A menininha deitada no caixãozinho, bracinhos cruzados, lacinho
na cabeça, vestidinho branco, flores secas, olhos abertos.
A mãe esperava só por isso. Pela foto. Levantou-se, foi em
direção à poltrona, unhas no braço esquerdo da menina que segurava a boneca no
direito.
-Vamos!
Os corvos olharam, por cima dos ombros curvados, a menina
agarrada com a boneca, suplicando pra mãe:
-Deixa, mãe! Deixa a boneca contar só mais um segredo!
A mãe puxou a menina pelo braço atravessando a sala e os
corvos viram as lágrimas caírem das grandes pupilas brancas da menina agarrada
com a boneca. Ao saírem, a mão esquerda da menina teteava os corvos, enquanto
balançando na mão direita, a boneca deu uma piscadela sacana para a menina de
olhos estufados no caixãozinho.
*
[ fevereiro de 2004]
domingo, 25 de setembro de 2011
EXPOMUSIC 2011: Por um mundo musicalmente melhor
Imagine um
universo em que seus passos fossem guiados por música, um lugar que abraçasse
todos os ritmos, cores e estilos sem conflito, um mundo onde os diálogos
ríspidos fossem trocados (ou melhor, tocados) por notas musicais de paz... E se
eu dissesse a você que esse ambiente existiu na minha realidade e não só em
meus sonhos, você acreditaria? Pois existiu, por um momento respirei a sinfonia
de um mundo musical e melhor. Quando o Pinheiro, eufórico com o evento, me
convidou para participar da excursão da Expomusic 2011, em São Paulo /SP, fui guiado
pelas palavras do amigo, mas descrente de que haveria um paraíso musical assim
como ele descrevia. Ontem, dia 24 de setembro, quando entrei no Expo Center
Norte para visitar a 28.ª Feira Internacional da Música, conhecida como
Expomusic 2011, meu ceticismo se perdeu – a partir daquele momento eu era todo
euforia em acordes musicais: havia música lá fora, havia música lá dentro,
havia música na cabeça de cada visitante, expositor e músico, havia música em
mim.
Logo ao entrar
me deparei com um ‘pocket show’ (acho engraçado esse termo – dá ideia errônea de
show pequeno; fato desmentido ao vermos a grandiosidade das apresentações) da
banda Hangar no estande da AMI Music. Eles lançavam o CD “Acoustic, but plugged
in!”; pelo próprio título do novo trabalho da banda, temos uma noção do show:
um acústico vibrante, agitado, um heavy metal sereno que nos dá vontade de
bater a cabeça em paz com o mundo. Achou paradoxal, leitor? Assim é a música, a
poesia, são artes formadas por ritmos violentos que acalmam. Os acústicos
plugados Eduardo Martinez (violão), Nando Mello (baixo) e Fábio Laguna
(teclados) sorriem; o baterista Aquiles mostra descontrole pacífico ao não
permitir que filmem a apresentação e ao lançar tanta vibração nas baquetas, em
solos fantásticos. O vocalista André Leite encerra o show com uma vibração
eufórica e serena e, ao autografar o CD, diz: “Deus o abençoe.” A banda ainda
faria mais outros espetaculares “big” pockets shows em outros estandes, tão
vibrantes quanto o primeiro.
Plugado, me
dirijo ao Music Hall, onde assisti a apresentação formidável de Arthur Maia,
Junior Vargas e convidados – uma mistura de Jazz, Bossa Nova, MPB numa
fantástica Jam Session. Baixo, bateria, piano e saxofone duelam harmonicamente.
“Jam Session é assim, amigo, é guerra, batalha o tempo todo”, brinca o baixista
Arthur Maia. Saio em paz, metralhado por boa música, com acordes de primeira
qualidade.
O tempo passa
lá fora e a eternidade dos acordes me toca: pockets shows de guitarra com
Rodrigo ‘alguma-coisa’ (foi mal, esqueci o sobrenome do cara; estava tão
extasiado com o som que perdi esse detalhe) no Palco Cifraclub, paro boquiaberto diante do solo de
bateria de Paulinho Sorriso no outro estande, outro solo de guitarra do outro
lado com Gustavo Guerra, uma banda formada só por garotas relembra, com sintonia pesada, “Ziggy
Stardust”, de David Bowie, outra banda com vocal feminino em outro estande
canta e encanta com novas canções, um DJ contagia a todos na outra ala, a banda
Caps Lock representa o Happy Rock numa apresentação semiacústica, lotação do
espaço me impede de assistir ao show do Vernom, do Living Colour; em
compensação, assisto à apresentação hipnótica da banda do guitarrista Maranhão
em vibrante lançamento do seu novo CD “In the Church”; mais um solo de guitarra
com Faiska, show reggae cativante da banda Planta e Raiz; solo de guitarra e
bossa nova se cruzam em outra esquina; alguém relembra o bom e velho blues na
outra ala; a banda Granada manda vibrações pop-positivas no outro palco,
“porque música é alegria e é assim que deve ser”, diz o vocalista.
Só sinto que
meus pés doem quando percebo que é hora de partir. O tempo passa lá fora, é
hora de ir... vou embora, mas levo muita coisa de lá, daqui... Parto para a
longa viagem de volta pra Valença completo e feliz. E passado e presente se
misturam (me desculpem as misturas dos tempos verbais, gramáticos leitores;
faço uso da licença poética da emoção do momento, licença amiga de meus
delírios insones) – ainda há notas passadas na guitarra dos meus sonhos
acústicos, ainda há uma jam session de amor e arte em mim!
Abaixo posto 2 vídeos com um pouco do que vi e, principalmente, ouvi na EXPOMUSIC 2011. Em respeito a artistas como Aquiles Priester, baterista do Hangar, e Faiska, os clipes que montei são exclusivos do blog e não foram colocados no youtube (ambos os artistas citados não desejavam que clipes clandestinos de suas performances fossem pro youtube; para mantê-los apenas aqui para caber no blog tive que subdividir o vídeo original em 2); o intuito dos vídeos é apenas mostrar a quem não pôde ou não quis ir à 28.ª Feira Internacional da Música uma pequena mostra do evento.
Delírios poéticos acerca dos 20 anos de Nevermind
Ontem, fez 20
anos que o rock não chega ao estado máximo do Nirvana. Após certo tempo, diante
dos humanos bebês que continuavam se atirando tolamente em busca do
dinheiro-isca da cidade-armadilha Nevermind, o líder conhecedor do estado
máximo do nirvana-espetáculo decidiu atirar contra si mesmo, romper-se diante
do rompimento do mundo-sonho. Com medo de que lhe apagassem a chama, o jovem
menino drogado de mil histórias de falsos passados matou o adulto que ameaçava
tornar-se um bebê fisgado pelos dólares ordinários do reality-showbusiness-nevermind.
Hoje o Nevermind
ideal, que denuncia as armadilhas da nevermind-impura-humana, concebido pelo
mestre da distorção harmônica de Nirvana, é relembrado por todos os mortais
como uma saudade eterna, impossível de ser revista no
mundo-pop-de-trevas-coloridas da atualidade. Jovem drogado da maldição dos 27
anos, sua Nevermind continua intacta, a chama jamais será apagada!
sexta-feira, 23 de setembro de 2011
Poema Primaveril: Fotossíntese
Hoje, dia 23 de setembro, comemoramos o início da primavera
e o blog festeja 2 meses de vida e mais de 4.000 visualizações. Em homenagem a
tudo isso, posto “Fotossíntese”, poema sensual de despedida do rigoroso inverno
para a recepção das pétalas abertas da primavera, publicado originalmente no
meu quinto livro “Eu e outras Províncias” (2008):
Fotossíntese
A noite cai suavemente sobre os ombros do céu
enquanto uma estrela que se apagou
numa madrugada de agosto
reacende, ressuscita em teu olhar de setembro
iluminando meu peito com um brilho incomum
febril, misterioso...
O vento desliza vagarosamente sobre meus cabelos
como um assaltante sorrateiro
leva consigo minha ingenuidade
enquanto uma brisa encosta em tua face
compartilhando de tua transformação
gentil, voluntária...
A última neve cai efervescente sobre meus ombros
enquanto o inverno adormece
num jardim esquecido
respeitando a tua primavera que me desperta
com o desabrochar de um desejo
feliz, perigoso...
quinta-feira, 22 de setembro de 2011
Poema odontológico: A poesia e o dente
Hoje fui vencido por uma terrível
dor de dente, que me impediu de trabalhar de manhã (pela primeira vez, faltei
no turno da escola aonde dou aula) e quase me retirou das postagens do dia
presente (se estou aqui, agradeçam ao meu dentista Dr. Rafael). O incrível
nisso tudo é que sempre me julguei quase um super-homem, evitei muitas licenças
médicas, já trabalhei extremamente gripado, quase rouco, depressivo, mas,
quando a dor atinge meus dentes, sou o mais mísero dos mortais (se eu fosse Lex
Luthor, atiraria kriptonita nos dentes do Super-man; o mal venceria impune com
esse golpe, tenho certeza). Em homenagem a essa dor que mastiga meus dentes,
posto o poema “A poesia e o dente”, publicada em meu quinto livro “Eu e outras
províncias” (2008) e escrita há tempos atrás para minha namorada Juliana, que
já fora fragilizada pela mesma dor que senti; uma forma poética de refletir
sobre o fazer poético e as dores que nos afligem:
A poesia e o dente
Na poesia não cabe a dor de
dente,
O morder a carne com agonia,
A agulha invisível na gengiva.
Na poesia como na vida a dor de
dente é uma dor escondida,
Vive apenas nas entrelinhas,
Nas portas fechadas do
consultório do dentista
Que conhece a dor do homem
Mas não a compreende.
O poeta como o dentista apenas
anestesia o intraduzível.
quarta-feira, 21 de setembro de 2011
Poema especial: POEMARTISTAUTISTA
Hoje, dia 21 de setembro, comemora-se o Dia Nacional da Luta dos Deficientes e, apesar de alguns progressos vitoriosos nesta batalha, ainda enfrentamos diversos preconceitos e dificuldades para um avanço real pela defesa da pessoa considerada especial. O discurso político da inclusão dela na escola pública é divulgado com otimismo, porém o que se vê são governos despreparados para a real sociabilização do indivíduo especial na sala de aula - na rede municipal de Teresópolis/RJ, por exemplo, não há profissionais de libras para atenderem a todos os deficientes auditivos de todas as escolas e as salas de aula super-lotadas impedem um ensino diferenciado para alunos portadores de tais necessidades especiais; os anúncios veiculados por empresas em jornais para contratação de 'deficientes físicos' beira o sórdido - é claro o interesse nas vantagens legais e financeiras de tal vínculo empregatício; os patrões continuam explorando de todas as formas, mais interessados no lucro a qualquer custo que no bem estar do empregado, seja ele especial ou não; amigos do facebook denunciam o descaso de alguns com o CIMEE de Valença/RJ; o plano de metas da Secretaria Estadual de Educação quase ignora os alunos portadores de necessidades especiais e assim descaminha a humanidade. E por que reclamo? Por que denuncio? Porque vivemos em trevas coloridas; debaixo das notícias otimistas que a mídia divulga, há muita poeira má pra ser retirada e, no Dia Nacional da Luta dos Deficientes ou qualquer dia de existência nesse universo hipócrita humano, não podemos tapar o sol com a peneira. A luta continua, companheiros e ex-com panheiros!
Posto hoje o POEMARTISTAUTISTA, poema inédito escrito por mim, a pedido de Ellen, mãe de Lucas e eterna batalhadora em defesa dos direitos dos portadores de necessidades especiais. Espero que gostem e nos ajudem na luta (a primeira poeira má a se desfazer é a que suja nossos próprios olhos quando nos deparamos com o diferente, tão igual a nós):
POEMARTISTAUTISTA
Você não me entende não me
entende
Não entende não se entende
Julga-me um maluco
Um doente
Um lunático
Um extraterrestre na sua terra
Quando a única loucura que trago
é estar vivendo aqui
Neste mundo de mudos absurdos
(CPI, corrupção, violências,
esse é o mundo dos normais?)
Quando são seus olhos que estão
enfermos
(a doença está na sua forma de
ver, não na minha forma)
Quando quem busca a lua cheia de
delírios românticos
É você, e não eu
Quando todo mundo se vê como um
corpo estranho
Nesse mundo devasso mundo
Vou repetir repetir repetir
Sou auto, tenho minha própria
visão de mundo
Sou autista - talvez um olhar
mais otimista de todo esse absurdo
Sou o que sou soul autista
Estou aqui
Sou daqui
Na sua frente
Do seu lado
Não sou eu que o ignoro - é você
que não vê
Que eu posso ver tudo como bem
entender
Deixe-me em paz
Você não precisa me entender
Basta me aceitar sem me inventar
terça-feira, 20 de setembro de 2011
Clipoema: "Anjo Caído"
Descubro, pelo @RockAnos80 que sigo no Twitter, que no dia 20/09/1996 foi lançado o último álbum da Legião
Urbana com o Renato Russo ainda vivo, o excelente e melancólico CD "A Tempestade ou O Livro dos Dias". Coincidentemente ou inconscientemente (não sabia da proximidade da data) ontem postei no youtube a minha versão minimalista-expressionista-experimental-abstrata do
poema "Anjo caído", publicado em "O último adeus (ou O primeiro
pra sempre)", de Carlos Brunno S. Barbosa.
Produzido para esses novos
tempos de assassinatos sem motivos e grandes crises sociais, emocionais e
existenciais, uma revisitação a um poema extremamente inspirado na canção
"O livro dos dias", de Legião Urbana, composição do anjo caído Renato Russo. Abaixo o poema, em sua versão
original, como foi lida (retomei alguns versos dos originais que havia
erroneamente alterado no poema publicado em livro). Em comemoração póstuma, posto aqui também o vídeo e o poema (Urbana Legio Omnia Vincit, mesmo na derrota da morte, ela é imortal):
:
Anjo caído
Em algum planeta distante passeei durante meu sono
e respirei emoções que no meu mundo fugiam de mim
boca beijo desejo -- há séculos não percebia estas palavras
em meu dicionário desatualizado vocabulário ruim
mas o paraíso dos meus sonhos não é meu lar...
Sou anjo caído -- tenho obrigação de me levantar
no mundo dos homens dignos traficantes de imperfeição.
Se na ilusão existem grandes esperanças,
nesta terra a única palavra que ouço é não
e a mulher do meu paraíso transforma-se
em minha exata oposição...
Entre depressões e homicídios
me recordo de meus sonhos passados não realizados
distanciados agredindo meu sorriso
violado pelas armadilhas diárias
enquanto meu coração bate devagar
sem sentido sem sentir
o carinho de uma emoção completa concreta.
Amor é substantivo abstrato porque não me toca
e a vida existe porque consigo respirar
a fumaça dos carros do cigarro em meus lábios.
Sou descendente de Ícaro
- minhas asas caíram nos vícios terrestres
e meu corpo não sabe como voltar pro céu infinito... E-
terna em mim somente a fagulha de tristeza
que aos poucos perfura meu cão coração
e a raiva aventura-se por meu corpo: estou doente
carente de um remédio que não está nas farmácias
muito menos em tuas pequenas frases
cujas palavras só agravam minha enfermidade
neste mundo de pés-no-chão.
Aguardo que as ondas tragam de volta minha me-
tade, mas tu és a dona do mar e do mas.
Sem vontade minhas asas permanecem
mergulhadas na solidão destas águas salgadas
e sem asas eu sou nada
nada de mas, nada mais que um anjo caído
procurando na terra
sentimentos que só o céu me traz.
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