Desde seu surgimento, a marca
Rock in Rio nunca foi exclusiva do estilo musical rock e, com o tempo, nem
pertenceu somente ao Rio de Janeiro. Não compreender que o nome do festival é
uma marca, assim como Sempre Livre (que investe em festivais musicais e não
abre espaço apenas para bandas femininas) e Yamaha (que criou um evento para
revelar novos talentos musicais e nem por isso exigiu que todos os componentes
fossem motoqueiros), e que tal evento pode abrir espaço para talentos
distanciados ou alternativos ao estilo musical rock é compreender tudo ao pé da
letra, negar a arte multifacetária de nossa música invejada por muitos artistas
internacionais e desfazer do slogan básico do festival: a ideia de que devemos
lutar artisticamente por um mundo melhor.
Todos têm o direito de gostar ou
não de um determinado ritmo, artista ou estilo musical, mas o ato de
vaiar um show que é executado corretamente (e, muitas vezes, de forma
impecável) seguindo as suas características é reabrir velhas cicatrizes de
intolerância, que só servem para estagnar uma manifestação artística que pode
nos dar autenticidade e identidade. Confesso não gostar de determinadas
manifestações artísticas e, quando me deparo com tais amostras – caso elas se
apresentem de acordo com o que se propõem -, escolho o silêncio; se não gosto,
viro as costas e vou embora. Vaiar, gritar, xingar demonstra desrespeito com o
gosto do próximo e falta de habilidade em olhar-se para o espelho – todos nós,
humanos, temos o ridículo dentro de nós (fica ao lado de nossos erros mais
graves, que lamentamos existirem, mas persistem em nós) e, se há alguma razão
para estarmos vivos, ela está no fato de aprendermos com nossa ridicularidade,
construirmos bom senso (noção de nossos atos patéticos) e nos tornarmos seres
mais toleráveis para a convivência em sociedade. Se tal espetáculo não lhe atrai por
que arrastar seu corpo cansado e desengonçado para frente do palco e vaiar em
coro com a unanimidade cega e burra? Cometer tal ação é de tamanha tolice e
falta de lógica quanto pagar ingresso para assistir ao jogo de um time
adversário para ficar vaiando – evidencia falta do que fazer e incompreensão da
própria estupidez. Além do mais, queria relembrar que os políticos mensaleiros
continuam sendo absolvidos no STF e não vi/nem ouvi ninguém indo pra Brasília
vaiar nossa justiça falida; notícias de merenda estragada em Campo Grande /MS e um
silêncio gritante daqueles que deviam vaiar, revoltar-se – vaiar Claudia Leite,
NX Zero ou banda Gloria demonstra rebeldia sem causa e gasto inútil de energia,
que deveria ser poupada para uso em protestos autênticos contra as injustiças
sociais (você que xingou e vaiou a Claudia Leite, já foi a Brasília xingar
aquele político baiano corrupto que faz festa de axé com o nosso patrimônio
público?).
Estamos esquecendo do princípio fundamental de todo e
qualquer evento artístico que se preze. Lutamos por um mundo melhor, mais
justo, mais tolerante, menos alienado e menos ‘bestificado’ com nossa república
corrupta. Antes de vaiar uma obra de arte, seja ela qual for, observe-se melhor no seu espelho, veja o quanto o seu quadro artístico interior é primitivo e
defeituoso e refaça a sua pintura rústica no silêncio reflexivo. Quando conseguir
aperfeiçoar a si mesmo, verá o quanto é raro e difícil ser um artista
autocrítico para pintar/cantar/escrever/tocar o seu próprio eu. Para os que
vaiaram, sugiro que reproduzam o barulho em seus próprios ouvidos e repensem um
mundo melhor sem esses estúpidos gritos.
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