29 de novembro de 2011... 10 anos sem George Harrison... Encerro a saga lírica georgeharrisoniana de meus eus líricos com promessas de continuidade, súplicas pela eternidade do músico que fazia a guitarra chorar suavemente... O que vier agora de mim e meus George Harrisons serão bônus tracks de um álbum que preza pelo não-fim. Dedico toda a saga e esse final aos sobreviventes das chuvas tristes de janeiro na região serrana, ao mestre Alexandre Fonseca (padrinho eterno desses meus delírios poéticos) e seu pupilo Ivan, que produziram uma excelente ode/elegia ao grande George Harrison (se você. leitor, quiser saber por que algumas coisas não devem passar, aí vai o link: http://algumcantoemseusorriso.blogspot.com/2011/11/silencio-na-guitarra-dos-beatles.html) e a todos que ainda sabem fazer uma guitarra suavemente chorar com demasiada alegria. George Harrison acertou nas melodias e John Lennon errou nas frases feitas: O sonho não acabou, amigos leitores, apenas mudou de tom e arranjos e permanece eterno nos rocks de nossos pensamentos, contra os ventos intolerantes da realidade frustrante, a favor do sol que, mesmo negado pelas nuvens do tenebroso hoje, ainda vem, está lá, "here comes the sun/and I say/ it's all right" :
No bar (parte 4)
- Sinto muito,
colega! Seu amigo partiu...
Após falar
isso, Gavin de Becker, o dono do bar, me dá um sorriso triste. Olho pra ele
ainda meio atônito: Como assim ele partiu? Mas ele nem disse adeus... Estaria
correndo dos cobradores de impostos? Precisou sair pra comprar um par de
sapatos marrons novos? Foi procurar um novo amor? Resolveu desesperadamente dar
uma volta no quarteirão pra descobrir o que é a vida? O sorriso triste de Gavin
de Becker me diz que a saída do homem que fazia a guitarra suavemente chorar
foi muito mais definitiva. Gavin de Becker já sabia que ele partiria, eu
percebo em seus olhos, mas, como vendedor de ilusões embriagantes, esse dono do
bar não quis me contar as verdades que doem e corroem como câncer em nossos
frágeis organismos. Já passa das 15h30, nem me lembro quanto tempo já passei
por aqui, eu estava bem e agora a tarde parece-me trágica a desfalecer nos meus
ombros caídos, como uma chuva violenta que arrasa casas felizes em janeiros
malditos. Mas, já estamos em novembro, e a chuva, apesar de ainda cair
modorrenta do lado de fora de meu abrigo boêmio, é apenas mais uma chuva
infeliz e inofensiva, garoa de lamentos sobre os meus ombros sobreviventes. Gavin
de Becker me dá um tapinha amigo nas costas, deixa um papel sobre minha mesa e
se afasta – certas dores devem ser vivenciadas apenas consigo mesmo; ele é o
dono do bar, sabe muito bem disso.
A tevê, no
canto esquerdo do bar, sussurra epitáfios da vida real (sem as melodias solares
de meu companheiro definitivamente ausente, só agora reparo o aparelho ligado).
No noticiário, ex-refugiados de Bangladesh entoam cânticos Hare Krishna pelos
amigos perdidos nas guerras sem sonhos do dia a dia. Mesmo descrente dos seus
hallelujahs, a cantoria me conforta e parece falar comigo. Um fantasma de meu
amigo parece cantar em meus ouvidos quando fecho meus olhos agora sozinhos:
“Não adies teus rumos, eu estou em paz”. Acordo de minha letargia e finalmente
abro o papel deixado por Gavin de Becker; pensei que fosse a conta, mas não é:
parece que meu amigo agora distante deixara todas as dívidas pagas antes de
partir. O papel que eu pensara ser de débito é apenas um crédito deixado pelo
estranho desconhecido que partiu sem dizer adeus: “Nenhuma das cordas da vida
dura, amigo...Por isso vou andando, tudo passa!!!”. Ah, uma corda de alegria
arrebenta em minha face e uma lágrima de constatação agora fere o meu rosto.
Gavin de Becker sabia, meu amigo sabia, todos sabiam o fim dessa história...
Por que me esconderam? Será que pensavam que eu sabia? Será que eu sabia? Então
por que eu me escondia? E, afinal de contas, por que eu continuo aqui?
Ameaço me levantar, sair daqui e nunca mais
voltar. Antes olho novamente o universo a minha volta e uma imagem omitida pelo
esquecimento reencontra a minha visão: a guitarra calada sobre a mesa agora me
pede que não a deixe sozinha. Ah, amiga, eu não sei tocá-la, posso
machucá-la... Lembro-me de um verso da última canção tocada pelo meu amigo
ausente: “Você pode levar um cavalo à água, mas você não pode fazê-lo beber”
Ah, amiga, posso machucá-la, mas não posso perdê-la... Meus dedos ensaiam uma
melodia em suas cordas e a guitarra parece aceitar a rusticidade de minhas mãos
inexperientes. Não custa tentar...
Não a toco tão
bem quanto meu amigo que partiu, mas é preciso continuar o concerto da vida.
Próximo de mim, Gavin de Becker abre a janela: a chuva acabou e um raio de sol
de esperança percorre todo o bar.
Texto extremamente bem inspirado ( todos seus textos são ótimos), mas esse está assombroso de tão lindo, inebriante,lírico, melódico. O tipo de texto de fazer inveja(rs), pois acho que todos os fãs de George e todo amante de textos em geral gostariam de ter a chance de escrever um texto assim tão belo. Entrou pro rol dos meus textos prediletos de Carlos Brunno. Emocionante.
ResponderExcluirQue lindo, Bruno. Emocionante e digno de homenagear a todos os amigos que partiram e nos deixaram saudades.
ResponderExcluirEncerramento (momentâneo)sublime. Encantador, Professor-Poeta! Parabéns!
ResponderExcluirExistem textos que o máximo elogio é o silêncio, mas infelizmente sou uma tagarela. Digo: que toque delicado estas palavras tem.
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