Como diria Raul Seixas, "tem dias que a gente se sente
um pouco, talvez, menos gente". O tempo
nos castiga com seus ponteiros velozes, a vida nos açoita com suas realidades
cada vez mais atrozes e menos esperançosas; ao invés de massagens para o corpo
constantemente ferido e para a alma cansada, o que recebemos é uma overdose de
rotina cada vez mais fatigante, e, às vezes, não podemos nem gritar nossas
dores, pois o mundo, além de surdo ao sofrimento alheio, também é cego e cruel
para descontroles e mudanças bruscas de comportamento. E tudo nos oferece a
saída mais fácil: os incomodados que se mudem do plano astral atual. Sentir
isso na vida adulta já é desesperador e quase completamente aniquilador;
imagine, então, na adolescência e juventude, quando o corpo está se formando e
implorando pra se desenvolver em
paz. Me lembro disso sempre que alguém escolhe esse caminho
ou que parte naturalmente e alguém sempre declara o famoso dito “partiu dessa
pra melhor”. Fui um desses adolescentes que já pensou em se mudar para o outro
lado da vida, já sonhei em partir e nunca mais voltar. Não há nada de fictício
quando digo que a poesia, a arte salvou minha vida – por mais dolorido que seja
o fardo lírico que carregamos, aceitá-lo e desenvolvê-lo é sofrido, mas
reconfortante. E foi o que eu fiz; por mais dolorido que seja resistir, sempre
há um poema, um conto, um sonho que ainda não escrevi, por isso é sempre
preciso sobreviver.
E é o que eu faço: sobreviver pra poder escrever,
reescrever e ler o que outros escrevem e também ler o que um outro eu de meu
passado escreveu.
Hoje trago um velho poema juvenil meu, resultado dessa
eterna luta entre desistir e resistir. O poema tem lá suas ingenuidades, claras
referências a outros poemas e influências (dá pra perceber citações da canção
“Boas Novas”, de Cazuza {“Eu vi a cara da morte e ela estava viva”], leituras
sobre mitos e religiões diversas, etc), todo poema adolescente tem seu lado
oculto em demasia, arriscando a falta de rumo, um verso quebrado, outro
arrastado, às vezes um excesso de sereno, mas fez parte de mim um dia e, seja
lá em qual dia esse eu me pertenceu, ele permanece aqui, dialogando com outros
eus meus; negá-lo seria negar a mim mesmo, o que eu fui, o que eu sou e o que
pretendo continuar a ser: um sobrevivente do reino do “Delirismo”, uma alma que
se alivia no livre arbítrio da resistência lírica.
Eis aqui o meu “O (quae) suicídio”, publicado em meu
primeiro livro “Fim do fim do mundo” (1997 – 1.ª edição esgotada), e que esse
escapismo permaneça pra sempre nesse quase, nessa incompletude, amigos
leitores, pois ainda há muitos poemas pra se escrever, falta muito pra eu
desistir de sobreviver!
O (quase) suicídio
Por ser um planeta solitário
Acabei sonhando com Ela
Enquanto o Tic-Tac do relógio
Me dizia: "Está na hora de dormir"
E com a faca resolvi me libertar
De forma prática
Da carne que eu não quis
Eu me livrei de mim...
Tic-Tac...
A minha alma vagou
Caiu ao invés de voar
O céu de NIRVANA não era o céu
De nuvens que sempre
Me obrigaram a aceitar
Assim como o avião não é a asa
Que Ícaro sonhava.
Lá em cima era tudo deserto
Era só esperar
Mas enquanto eu caía
Uma Voz me ordenava: "Volte"
Um fantasma me segurou
A Morte me disse: "Viva...
Viva! Eu lhe digo quando for
A hora... Por enquanto... Viva!"
Trimm... O despertador me diz:
"Está na hora de acordar!"
A cama
Os olhos perplexos
As quatro paredes
O meu corpo inteiro
Eu voltei a respirar...
Trimm...
- Foi tudo um sonho
Ou o fim de um desejo ruim?
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