segunda-feira, 23 de junho de 2014

4 Poemas Mortos de Pessoa escritos por outra pessoa

Hoje o blog comemora 3 anos de existência e resistência! Entre dias nublados e noites claras, o blog Diários de Solidões Coletivas prossegue sua trajetória de sobrevivência lírica, solitária e ao mesmo tempo coletiva. E, como é de costume, pedi, ontem, no facebook, sugestões sobre qual artista eu homenagearia nesta postagem de aniversário.O artistamigo Nilo Canedo sugeriu Gabriel García Márquez, mas, como já há a série “Cem Poemetos de Solidão”, em homenagem ao fodástico escritor colombiano, cubro essa sugestão, publicando, após esta postagem, o 61.º poemeto da série. As outras sugestões vieram dos artistamigos Diogo Aguiar e Sérgio Almeida (mais conhecido como Jardim): o primeiro me pediu, em tom de brincadeira, uma homenagem a ele mesmo, afinal hoje ele faz aniversário junto com o blog, já o segundo me sugeriu um tributo poético ao mais que fodástico poeta português Fernando Pessoa, que recentemente fez aniversário (faria 126 anos em 13 de Junho).
Diogo Aguiar
Fernando Pessoa
De posse destas últimas 2 sugestões citadas, resolvi topar o duplo desafio: homenagear, ao mesmo tempo, o poetamigo brasileiro Diogo Aguiar, de Nova Iguaçu/RJ, e o poeta português Fernando Pessoa, do qual sou discípulo apaixonado. Pra quem não conhece Diogo Aguiar, ele é autor de um fodástico livro chamado “Poemas Mortos”, entre outras obras (participações em antologias, etc). O “Poemas Mortos” é marcante pelo seu lirismo múltiplo, dividido em 3 capítulos: O Dia, A Noite e As Trevas. “O termo “mortos” foi utilizado porque na maioria das vezes quando algo ou alguém morre, acaba sendo esquecido e somente é lembrado vez ou outra quando esbarramos com uma foto, um local marcante, etc. E tudo que morreu deixa, de certa forma, de fazer parte da nossa vida cotidiana.”, afirma o escritoramigo. Já Fernando Pessoa, poeta morto, mas jamais esquecido, é conhecido escrever sob múltiplas personalidades – heterónimos, como Ricardo Reis, Álvaro de Campos e Alberto Caeiro (esses três citados não são os únicos, mas os mais conhecidos) –,  cada personalidade inventada com um estilo poético bastante diferente da outra.
Para associar Fernando Pessoa a Diogo Aguiar no mesmo tributo poético, usei o formato do livro “Poemas mortos” de Diogo Aguiar, dividindo meu poema em 4 (o nome do livro e os 3 capítulos que a obra contém), cada poema contendo um estilo de cada heterônimo e do homônimo de Fernando Pessoa. Ou seja, usei a ideia do livro “Poemas Mortos”, de Diogo Aguiar, associada aos diversos estilos poéticos de Pessoa. Não sei que consegui ser eficaz  nessa ousadia lírica, mas eis o resultado final, para aprovação ou repulsa dos amigos leitores, aos quais agradeço de coração por tornarem esse blog poético tão popular, por manterem esse espaço virtual e literário tão vivo e por transformarem tão magnificamente a solidão lírica de cada um em uma solidão coletiva e tão nossa.
Arte Sempre  e, mais uma vez, obrigado por mais essa vitória artística!

4 Poemas Mortos de Pessoa escritos por outra pessoa

O Dia de Alberto Caeiro

O poema deve ser claro como o dia,
sem as sombras da metafísica,
pois a manhã mais bela é simples
e despida das nuvens de magia.
Quanto mais claro é o sol
e mais comum é o céu no qual ele irradia,
mais facilmente enxergamos
a beleza que nos ilumina.
Deveria ser sempre assim,
mas sempre existe um homem só,
nublado por sua melancolia...

A Noite de Ricardo Reis

Equilibra as tuas dores
e evita encheres mais ainda
a lua que já está cheia
porque o poema é noite pensada,
com a escuridão bem descrita,
apesar da alma dolorida.
Suspira para o céu em harmonia,
observa as estrelas em sintonia,
e, se por acaso não resistires,
podes até ver na noite
alguma lágrima perdida,
mas não a açoites
com a tua histeria,
pois a lua já está cheia
da tua queixa vazia.

As trevas de Álvaro de Campos

Há muitos que pensam muito, mesmo que pensar seja nada
diante das trevas nefastas das dores ignoradas,
mas não consigo, oh Deus que não creio, eu não consigo,
pois, pra mim, todo pensamento é refém de um louco balbucio,
quanto mais penso, tanto mais sinto e sentir é mais que o pensar
e sempre assim me desequilibro
e assim são os versos que trago comigo
e quanto mais penso-me liberto, escrevendo-os em delírio,
mais oprimido fico, pois os sentimentos que me escapam no pensar
são mais sentimentos que pensamentos,
logo trazem mais sofrimento que alívio
e todos que me lêem choram comigo por sentimentos cheios de pensamentos vazios
e eu sou todos que me choram mais eu chorando comigo
e mais os sentimentos cheios e mais os pensamentos vazios,
além do infinito em que me vejo tão morto-vivo.
Dei adeus à vida por toda minha vida, mas ela continua aqui viva e aflita
e assim fica a minha poesia sentida e ressentida de tanto pensar em agonia
e, de tanta agonia pensada, fica a razão perdida ao lado da emoção incontida
e eu perdido nesse tudo, pensando muito sobre o muito que penso
e que me escapa como sentimento
e assim sou os muitos que pensam e também os que não pensam em nada
e mais eu transbordando nesses todos como filho único de ninguém.
Por pensar demais, sinto muito e me perco em todos, mas sou eu mesmo...
Abraço os filósofos ateus e a sua melancólica lucidez
e beijo os alegres filhos Teus que ainda convivem dentro da caverna.
Mesmo que ambos os grupos eu não compreenda,
convive o fato de convivermos na mesma cela.
Caminhando pelas ruas de Lisboa, a cidade beija minha boca, mas meus lábios estão intactos...
Cumprimento o professor que me aponta a ausência de estrelas no céu
e parabenizo o padre tranquilo, o noivo nervoso e a noiva, cujo rosto é coberto por um véu,
quanto mais reconheço os outros, mais desconheço a mim mesmo,
mais uma vez, eu sou todos e, ao mesmo tempo, ninguém.
Embriagado por tanta louca lucidez, sobra-me apenas o poema e a sua absurda beleza:
caminhar desesperado pelo calmo e pelo obscuro, de mãos dadas com o mundo.
e me acostumar com o brilho escuro da falta de clareza.
Ah, Deus que não creio, quem me dera não pensar e não sentir e me deixar apenas ir,
mas as trevas já estão aqui e, por mais que as negue, sua falta de luz brilha em todos e em mim,
fazendo-se necessário apenas seguir, apesar de todos e apesar de mim.

Os poemas mortos de Fernando Pessoa

Finjo-me de morto pra que me sintas tão vivo,
pois sei que os vivos preferem os mortos fingidos.
Os sentimentos por um morto são mais compreensivos
que os imaginados para aquele que tem sobrevivido.
Meus poemas se fingem de mortos
pra comemorarem na tristeza do velório
a alegria de um infinito mais vivo.

Um comentário:

  1. Maravilhoso!!!! Parabéns pelos 3 anos de lutas e vitórias!!!!! Como vc diria, arte sempre!!!!!!!!!

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