Olá, caros leitores, bem vindos ao blog daqueles que guardam um sorriso solitário no canto dos lábios que versam sonhos coletivos. Bem vindos ao meu universo virtual poético, bem vindos ao mundo confuso e fictício ferido de imortal realidade. Bem vindos ao inóspito ambiente dos eus líricos em busca de identidade na multidão indiferente, bem vindos ao admirável verso novo.
Clipe do poema "Pior que as trevas", minha (sub)versão
poética para a canção "Beware of
Darkness", de George Harrison. Busquei, no vídeo, manter o clima noir, gótico do conteúdo da minha (sub)versão poética. Poema, concepção, filmagem, atuação, edição
e produção de minha autoria. O poema inspirador do clipe está disponível para leitura aqui no blog no seguinte link: http://diariosdesolidao.blogspot.com/2011/11/george-harrison-e-eu-pior-que-as-trevas.html
E mais um carnaval acaba, mais uma quarta-feira de cinzas.
E, nesse ano, a terça-feira também foi cinza: violência na apuração do desfile
de São Paulo, a Mocidade Alegre vence e os adversários, tristes, invadem o
local e quebram tudo. A Carnaviolência, a Carnainconsciência impera absoluta na
passarela; temos um número cada vez maior de aprendizes de hooligans
ignorantes, enquanto a corrupção dá mais sabor ao champagne dos nossos
desgovernantes alckmistas. E Michel Teló pega o mundo com cantadas de pedreiro,
e outro folião morre a pedradas, enquanto sambamos nossas inglórias gloriosas.
Hoje posto meu poema pós-carnaval, escrito na época de um dos milhões de
desgovernos do falecido prefeito Fernando Graça em Valença (o “carnaval da
esperança”, mais uma folia triste na cidade estagnada) e publicado em meu
quarto livro “O último adeus (ou o primeiro pra sempre)”, de 2004. E, depois do
carnaval, só nos revoltamos com os rumos incertos do nosso futebol, enquanto
outro autoaumento de salário é votado entre senadores e deputados, entre as
purpurinas da alienação. Pensamento cinza para quarta-feira de cinzas após as
cinzas de outro estranho carnaval: Nada é tão ruim que não possa piorar...
Depois do carnaval
(Pra não dizer que não falei de paixão
nacional)
O coração para de pular depois do carnaval
Induzidos pelo clorofórmio, os amores adormecem
E a chama da paixão nacional é poeira no ar
Depois das cinzas
O verde amarelo da camisa do folião embriagado
Encontra o sol depois do carnaval
E a ressaca está nos óculos escuros da mulata pálida
Nos pedidos dos clientes emergentes
Nas farmácias de plantão
A cabeça gira como uma baiana que não quer sair
Do palco da Sapucaí, ai, a dor é um arrastão da Timbalada
E aquela folia que teu beijo me deu
Desaparece como sorriso na boca do torcedor
Da escola perdedora (Teu conjunto não convenceu
Minha bateria perdeu ponto
E não houve evolução de nossas escolas). Acabou o desfile
Hoje, 21 de fevereiro, se comemora o Dia Internacional da
Língua Materna. A data comemorativa foi instituída pela UNESCO para dar
visibilidade à diversidade linguística e cultural da humanidade e promover a
sua salvaguarda, passa quase sempre, entre nós, despercebido. Em homenagem a
esse dia, dedico minha postagem à musa Saudade, palavra existente apenas na
Língua Portuguesa (isso mesmo: não há outra língua que possua uma palavra pra
traduzir a nossa “saudade”). O poema, publicado no meu quarto livro "O último adeus (ou o primeiro pra sempre)" é dividido em 4 partes: a primeira destaca
a geografia da Língua Portuguesa, os países que utilizam (ou utilizaram) o
idioma lusófono e questiona a imagem hegemônica dos 250 milhões de falantes
lusófonos, herdada do passado colonial, que os portugueses insistem em manter. A segunda
destaca a história da saudade, o surgimento desse sentimento lusófono a partir
das grandes navegações e viagens além-mar. A terceira e quarta partes fazem
referência à Literatura, aos escritores que embelezaram a saudade e a nossa
língua portuguesa (na terceira parte, cito a ‘muxima’, palavra de origem
angolana, que significa coração, vinda de uma de suas inúmeras línguas maternas
autóctones, usada em textos pelos escritores angolanos e ignorada pelos
ex-colonizadores portugueses). Neste dia de carnaval, desfilemos nossa saudade,
nossa língua, nossa identidade que não identifica (aproveito o carnaval e,
apesar de eu torcer pra Portela, deixo para os leitores um vídeo do samba
enredo de 2007 da Mangueira em homenagem à Língua Portuguesa):
Saudade dá Bandeira
I
Saudade é carteira de identidade que não identifica,
É alma colorida indefinida;
É caipirinha em Portugal,
São tambores de Angola no Apoteótico Carnaval.
É Ilha da Madeira, Açores, Goa, Damão,
Singapura, Cabo Verde, DIU, Ceilão,
Moçambique, São Tomé e Príncipe,
Macau, Guiné-Bissau,
Java, Malaca, Mombaça, Zamzibar,
Timor Leste e uma Liberdade que não há,
Saudade é benefício e exploração,
Saudade é intimidade e intimação.
II
A navegadora chega e abraça a costa;
Depois parte e não volta.
Os olhos do encontrado se perdem na desordem do mar
Indo e vindo, sendo e não sendo, tendo e não tendo...
Saudade é aprender a amar o distante,
É se amarrar na linha do horizonte,
É encontrar o longe,
É se perder no mar.
III
Saudade é o Calvário esquecido de Varela,
É Florbela de Lácio lascivo,
É vivo Bandeira – libertinagem nas muximas,
É rima na língua de Camões.
É mensagem que dói e não se vê,
É quase que dói e não se sente,
É paulicéia desvairada descontente,
É canção do exílio que desatina sem doer.
IV
Mesmo se eu falasse a língua de Vinícius e Cecília,
Hoje Kurt Cobain faria 45 anos (agradeço ao Oba Shop por
lembrar dessa data) e, a pedidos de Juliana Guida Maia, faço minha homenagem ao
cantor, compositor e músico estadunidense, líder da banda Nirvana. Artista
fascinante e polêmico, Kurt Cobain foi encontrado morto em sua casa em Seattle,
vítima do que foi oficialmente considerado um suicídio por um tiro de
espingarda na cabeça. Em sua homenagem, in memoriam, dedico minha paráfrase (criação
poética baseada numa outra versão de um texto conhecido, porém com o mesmo
discurso poético) à canção “Come as you are”. Na minha versão, a letra torna-se
uma espécie de mantra pedindo o retorno do rebelde músico messias. Espero que
gostem e cantem, como se fossemos uma só voz, o retorno da rebeldia assassinada:
Retorne de onde você estiver
Retorne de onde você estiver, como você sempre foi
Como eles nunca quiseram que você fosse, como um menino aos
gritos
Como um menino aos gritos com armas de fogo que não matam
Retorne fora do seu tempo, desta vez sem pressa de ir embora
Mostre-nos outra opção na falta de escolha, nossos relógios
atrasados
Acorde antes do tiro silenciador, menino das armas de fogo
que às vezes matam
Retorne sem nenhuma lembrança da morte
Morte MORTE...
Retorne da lama de sangue ressecada
Com seus ouvidos ensurdecidos pelo estampido da bala
Como um menino com armas de brinquedo
Como uma canção gritada, como um tiro sem balas
Como um eterno riff de guitarra armada
Armada AMADA
E eu juro que ainda acredito nessa guitarra armada
Eu ainda acredito no novo grito dessa guitarra agora calada...
Guitarra guitarra guitarra (armada e calada)
E eu preciso que sole essa guitarra
Sim, eu preciso que você retorne, pois a guitarra está
desarmada
Sim, eu preciso que você me toque com o toque da sua guitarra
Há 32 anos, em Londres, morria Bon Scott, cantor
australiano, vocalista e compositor da banda hard rock AC/DC. Considerado, em
2006, pela revista Hit Parader, como o 5º melhor vocalista de heavy metal de
todos os tempos, Bon Scott tinha um histórico de porres homéricos, tanto que,
apesar de ainda não muito bem explicada, a sua morte foi conseqüência de uma
dessas suas tradicionais bebedeiras.
Após a turnê de divulgação do álbum Highway to Hell pela
Europa, Bon resolveu passar uns dias em Londres, para rever amigos. Depois de
um grande porre, numa tour de bares, com um amigo seu, chamado Alistar Kinnear,
Bon ‘apagou’ de tanto beber. Na manhã seguinte, foi encontrado morto no banco
de trás do carro do amigo, que o havia deixado ali, pensando que Bon estava apenas
‘dormindo’.
O atestado de óbito informou que Bon Scott havia falecido em
decorrência de envenenamento alcoólico agudo e ‘death by misadventure’ (morte
por desventura, ou por desgraça). Nos jornais da época foi também noticiado que
o músico teria se sufocado com o próprio vômito e que a baixa temperatura da
madrugada e suas constantes crises de asma colaboraram para a tragédia daquela
fria manhã de 19 de fevereiro de 1980, um dos dias mais tristes do rock n’
roll.
Nestes dias de festividades extremas, inspiradas em nossas
folias carnavalescas, os 32 anos de morte de Bon Scott me levaram a reflexões
sobre os limites da diversão e os perigos de uma vida inteiramente festiva e
inconsequente. Com a morte de Bon Scott, os deuses (ou demônios) do rock’n roll
nos alertaram que nem tudo na arte é eterno sem moderação. As minhas reflexões,
influenciadas pela letra da música “Highway to Hell”, formam a
prosa-lamento-homenagem-elegia abaixo. Dedicado a Bon Scott e a todos que,
inconsequentemente, morreram cedo demais.
Visões após o highway to hell
(ou Carta de despedida pra Bon Scott)
Viver fácil às
vezes é muito difícil, Bon... Se estamos livres, a morte também passeia sobre
nossas cabeças sem nenhum carinho ou restrição. Se não quer perguntas, tome
esse drink de certeza: a morte sedenta, a lenta desgraça. Foi mal, Bon, você
morreu e nada podemos fazer por você...
Na autoestrada
do Inferno, eu vi seu carro sem freio passar, acelerando na curva em chamas
festivas, explodindo triste na batida vazia, a morte sorrindo ao seu lado, o
cheiro de lágrimas cinzas no ar. Carros descontrolados movidos a álcool às
vezes costumam engasgar e você bebeu demais, amigo Bon, e desta vez você passou
muito mal.
Um scotch pra
Scott e outro pra morte; seus amigos bebem a sensação sóbria da perda enquanto
seu corpo embriagado transita por estradas desertas. E agora, Bon, é esse
inferno de ausências; e agora, Bon, é esse o mal da inconsequência.
A terra
prometida é uma via de mentiras e buscar riquezas jogando poquer com seus
próprios demônios é pedir pra ser roubado por seu próprio espelho. A morte
vomita cartas marcadas sobre sua mesa de jogos suicidas e você paga com a vida;
a dama fatal beija suas mãos vazias, tira sua respiração, diminui sua
temperatura e agora é um pobre diabo asmático falido pela própria jogatina.
Na autoestrada do Inferno, eu vi você perder o
controle de seu carro de motor envenenado, deixando seu corpo em cacos,
garrafas de sangue, a morte bebendo você. No rádio intacto, um som fúnebre de
hard rock silenciado toca seus lábios fúnebres pela última vez. A festa foi
boa, Bon, mas terminou muito mal pra você...
Mais uma vez, compartilho minhas solidões poéticas com o poeta curitibano Paulo Ras. Aproveitando as festividades carnavalescas, Paulo Ras traz sua visão lírica e ácida (com doces doses de festiva ironia anti-festiva) para esse evento tradicional de folia e alienação. Dedicado aos que não são muito fãs desse período de euforia popular. Aos que gostam, vale a leitura de uma opinião oposta liricamente bem escrita (lembrando que o blog abraça toda a diversidade de poemas e opiniões, prós e contras, e, seguindo essa harmonia contraditória, meu blog samba parado nos paradoxos em movimento):
Sábado de sol anunciando mais um carnaval, posto outro poema
carnavalesco. Esse é tão antigo quanto o anterior (“Carnacarência”), escrito
entre 1996 e 1998, “Samba da mulata branca” foi uma homenagem às loiras
oxigenadas que iniciavam suas invasões às rodas de samba na década de 1990,
devido a explosão do novo pagode (e consequente resgate de antigos hits do
samba) nas redes de rádio e TV. Foi montado inspirado em diversos sambas
enredos, canções de Zeca Pagodinho e Martinho da Vila, e na minha fascinação adolescente
pelo movimento místico-sensual-mestiço das novas musas do eterno carnaval.
Espero que gostem:
Hoje deixo aos leitores um poema pré-carnavalesco, publicado
em meu terceiro livro “Note or note ser” (2001) e cheio daquele nosso velho
sentimento moderno de todo mês de folia: a ‘carnacarência’ (Por sinal, o carnaval
é uma época significativa pra minhas primeiras celebrações da carne, afinal, foi num período
desses que tive minha iniciação sexual – e olha que jamais fui muito fã desse
momento festivo).
Inspirado na leitura do livro “Carnaval”, de Manuel Bandeira
(o seu “carnaval sem nenhuma alegria” da fase pré-modernista do poeta
pernambucano), o poema que posto às vésperas da folia, foi um dos primeiros
poemas meus publicado em jornais locais, escrito em 1995, numa época em que o
carnaval pra mim era um período de muita agitação e angústia pelos momentos
festivos acompanhando a solidão da multidão:
Lamento aos leitores que acompanham meu blog dia a dia uma
certa inconstância minha nas postagens do blog. Confesso que ando meio cansado:
cansado da urgência vampiresca dos tempos acelerados, cansado de tanto trabalho
(e olha que o ano está só começando), cansado dos pequenos desastres diários
(uma caneta perdida, no outro dia um pen drive, uma frase calada, um equívoco, um desapontamento, um
camundongo que me escapa, as fofocas com línguas de pólvora que meus ouvidos
escutam por não poderem se fechar e ignorar o mundo como é possível quando
usamos os nossos olhos, pequenos cortes que refletem a fragilidade da pele e
sentimentos derrotistas guardados num cofre sem código implodindo em mim),
cansado de mim cansado, cansado, CANSADO. “É só hoje e tudo passa”, diria
Renato Russo. Mas hoje estou cansado, mas sei que, mesmo cansado, preciso
continuar. O blog não vai acabar, o trabalho vai continuar, apesar de tudo
seguir um ritmo um tanto sereno e melancólico nesses meus dias de estranho
silêncio íntimo. Posto hoje um poema antigo, publicado em meu quarto livro "O último adeus (ou o primeiro pra sempre)" (2004), de uma época em que também me sentia
assim. Espero que gostem, espero que não me abandonem; o ânimo tirou férias,
mas ele volta, só lhes peço poética paciência (como na música de Lenine: Enquanto todo mundo / Espera a cura do mal / E a loucura
finge / Que isso tudo é normal / Eu finjo ter paciência... // O mundo vai
girando / Cada vez mais veloz / A gente espera do mundo / E o mundo espera de
nós / Um pouco mais de paciência...).
Hoje se comemora 90 anos do início da Semana de Arte Moderna,
em São Paulo,
Brasil. Liderada por Oswald de Andrade e Mario de Andrade, em 11 de fevereiro
de 1922, o evento decretou o início de uma grande revolução na arte brasileira:
a arte nacional não mais se submetia a mera imitação dos modelos estrangeiros –
passava a absorvê-los para criar uma arte nova (em consonância com o avanço
industrial de São Paulo), autêntica e mestiça como o Brasil. As regras e
modelos foram quebrados, a arte se renovava, sem prisões de rimas, formas
definidas, rumo a uma utópica liberdade total (a rejeição de alguns artistas
pela total extinção dos elementos tradicionais demonstrou certo exagero; a
carroça e o carro andavam – e andam – lado a lado no Brasil real).
Acima do bem
e do mal, o movimento modernista brasileiro repensou a arte nacional e buscou
dar a ela uma identidade, uma autenticidade que a cultura do Brasil carecia
para ser realmente representada na poesia, prosa, música e artes plásticas. Sempre
fui fã desse movimento (os leitores, possivelmente, já reparam que tenho preferência
pelo verso livre, apesar de não abandonar outras formas tradicionais, como o
soneto, etc), chegando até a tatuar em minhas costas o desenho que o genial
artista plástico Di Cavalcanti fez para o cartaz da Semana Moderna de 1922.
90 anos depois, dedico o poema abaixo (modernista ao extremo: sem pontuação, em versos livres e quase feito numa escrita automática),
publicado em meu quarto livro “O último adeus (ou O primeiro pra sempre)”, de
2004, em homenagem a esse movimento que tanto inspirou meus versos e meus
delírios lírico-antropofágicos (quem conhece o modernismo, sabe do que falo; quem não sabe, vale a pena estudar um pouco dessa grande fase da arte brasileira):
Solidão moderna
A solidão alcançou a madrugada
pra pedir-lhe um segundo de companhia
mas a madrugada fez-se dia
e o sol queimou a esperança da menina vazia
O grande astro revelou a criança-calçada
na notícia-cobertor
o homem bebida nas mãos da saideira
que nunca acaba
Envergonhada, a solidão pediu licença
e escondeu-se
no homem-estatística da fila desemprego
no quarto escuro do desassossego do poeta
Então fez-se noite no mundo dos sonhos
e a solidão brilhou como estrela vadia
não existe mais métrica, não existe mais rima
a poesia moderna acompanha a rotina selvagem
Declamação do poema "Solidão moderna"
no Sarau Solidões Coletivas in Roça, em Valença/RJ
Confesso que nunca fui muito fã de Wando, porém não posso
negar a presença de seus brega hits em minha vida (entre eles, o brega hit
máximo “Fogo e paixão”, cantado pelos meus alunos do 9.º Ano de 2010, em tom de
brincadeira com o professor de Ciências Thiago, que sempre cantava hits bregas
para os alunos nos dias de prova). Meu pai, em suas idas e vindas com minha mãe
(atualmente estão definitivamente separados, após mil e uma reconciliações),
uma vez, quando quis reconquistá-la deu-lhe um LP do cantor Wando (aquele com o
cantor segurando uma maçã) e pronto: mais uma vez o casal se reconciliava.
Mamãe sempre amou as músicas desse cantor, tanto que me fez de ouvinte passivo
(ativo é só o Wando; diante desse artista conquistador, todo mundo é meio
passivo rs) do LP, que ela colocava no aparelho de disco inúmeras vezes. Hoje
os LPs foram substituídos por CDs, sem o mesmo sentimento musical de outrora,
sem medo de arranhar algumas faixas na antiga e frágil agulha do tempo. Hoje,
ou pra ser mais exato, desde o dia 08 de fevereiro deste ano, Wando não está
mais entre nós também, mas seu romantismo fica na eternidade de nossos bregas
corações (pode ser roqueiro, funkeiro, o que for, no fundo, no fundo, todo
mundo tem uma breguice dentro de si!). Ah, outro fato que me provocava fascínio
era o efeito da presença de palco de Wando: as mulheres alucinavam, atiravam
calcinhas – se pudessem jogavam também o coração e o resto do corpo para o
artista. Por isso, hoje, ao invés de um minuto de silêncio (quem preenche silêncios
com músicas não pode ser silenciado com nenhum minuto de silêncio), posto um
poema meu antigo e voyeur, cujo eu lírico era um viciado investigador de moças
que distraidamente deixam suas calcinhas aparecerem:
No bar
Desconhecida, descuidada
deixas meus ariscos olhos ciscarem
teus mistérios mais íntimos
Sentada na outra mesa, de frente pra mim
me encara tua calcinha branca
pálida como a morte (do pudor)
como uma peça ultra-romântica de sedução
Meus olhos viajam pelo teu interior, deliram
astronautas em busca de vida num planeta misterioso
Olhos trêmulos no primeiro momento
sólidos no segundo tempo
ricos nos terceiros pensamentos
Mas a inspiração parte... meus ébrios olhos observam
a despedida de tuas pernas, o segredo entre tuas pernas
Não, não quero mais uma dose... desejo duas:
uma pra mim, outra pra solidão que cai sobre meus olhos.
Volta às aulas é sinônimo de retorno ao local de trabalho de
cultivo de sonhos e, consequentemente, momento de rever Teresópolis/RJ e, no
trajeto Valença/Rio de Janeiro/Teresópolis, reencontro-me com a Serra dos
Órgãos, espaço natural que arrebatou meu coração à primeira vista “soberba”
(quem conhece a cidade serrana sabe o significado desse pequeno jogo de
palavras. Pra quem não conhece, explico: há um mirante no bairro Soberbo,
chamado “Vista Soberba”. O poema abaixo, inscrito e classificado em 3.º Lugar no
2.º Concurso do Espaço Cultural de São Pedro da Serra, tema “Serra”, em Nova Friburgo, é o
resultado de delírios poéticos diante da paisagem das minhas idas e vindas a
Teresópolis. Inicialmente sem inspiração, acabei tentado a escrever, após ler
os poemas de meus alunos sobre a serra (eles ganharam o primeiro, segundo e
terceiro lugares na categoria juvenil do mesmo concurso). Quem me ajudou nessa
empreitada poética, na época, foi a professora de Inglês Franca de Assis, que
me indicou a canção “Meu amor se mudou pra lua”, de Paula Toller, que, segundo
ela, a composição sempre lhe lembrava a subida para a Serra dos Órgãos, o
contato com a natureza e o ar belissimamente bucólico da estrada. Ouvindo a
música, contagiado com os poemas de meus alunos e relembrando cada olhar que
dou a cada passagem pelas belas paisagens das serras de Teresópolis, fiz o
poema abaixo:
Subindo a serra
Primeira marcha:
Meus olhos penteiam teus cabelos
- matos em desalinho que tateio
com a ilusão
como um menino que rabisca
horizontes infinitos em trilhas sem saída.
Segunda marcha:
Meu rosto abraça tuas frontes invisíveis
- estranhas formas rochosas que conheço
através do inconsciente
como um velho que recorda
infâncias inventadas no mirante da memória.
Terceira marcha:
Meu corpo idealiza teus ombros
- vários morros que fotografo
com a imaginação
como um louco que relata
imagens fantásticas nas montanhas do vazio.
Freio:
Quantos loucos velhos meninos
brincam nessa ciranda geográfica?
Ponto morto:
Estaciono meus órgãos
no parque em paisagens da realidade.
Gás:
Minhas orelhas conversam com teus ventos
- sussurros místicos que me prometem
novas vidas nas serras imaginárias
depois do expediente.
****
Aproveito para indicar o link da descrição lírica da viagem do grande escritor e músico Marcos Carcará de Delfim Moreira até o Parque Nacional da Serra dos Órgãos: http://carcaradaestrada.blogspot.com/2011/12/delfim-moreira-rio-de-janeiro-e-parque.html. Vale a pena ler, imaginar e ouvir (além de escrever magistralmente, Marcos ainda tocou um blues em referência à região serrana):
Na década
de 1980, surgiu uma banda americana chamada “Information Society” (“Sociedade
Informada”, se traduzirmos ao pé da letra o nome do grupo), cujo estilo, misto
de synthpop, techno e freestyle, pregava um ritmo futurista para o nosso
universo pop-eletrônico e rico em novidades tecnológicas. Diante de um contexto
tão apaixonado pelas máquinas (o período marca a evolução do computador) e por
novas linguagens (a virtual, por exemplo, começava a engatinhar), as músicas
eletrônicas da banda tornaram-se mundialmente conhecidas pelos frequentadores
das discotecas dos anos 1980. Um
dos grandes sucessos da banda foi a canção “What's On Your Mind (Pure Energy)”
- em português: “O que está na sua mente (Pura energia)” – cuja letra trazia o
seguinte fragmento: “Here I am in silence / Looking round without a clue / I
find myself along again / All alone with you... / I can see behind your eyes / The
things that I don't know / If you hide away from me / How can our love grow? “
(traduzindo mais ou menos para o português: “Aqui estou em silêncio / Olhando
em volta sem uma pista / Eu me acho novamente / Só com você / Eu posso ver
atrás de seus olhos / As coisas que eu não sei / Se você esconde longe de mim /
Como nosso amor pode crescer?”. Os versos, apesar de aparentemente apresentarem
apenas citações de um complicado amor, nos revela algo mais da geração de 1980:
a sensação de estar perdido e a busca por informações que estão muito além do
que os olhos veem.
E, nesse
momento, amigo leitor, você deve estar se perguntando: por que esse blogueiro
metido a besta está falando de uma banda que as novas gerações desconhecem e
cujas músicas atualmente só são tocadas em flashbacks e festas ploc? O que se
passa na mente de Carlos Brunno S. Barbosa para, nesse lindo sábado quente e
festivo, resolver falar desse tal de “Information Society”, cujo sucesso hoje é
tão obscuro quanto o do blogueiro que vos escreve? Eu poderia simplesmente
colocar uma foto da banda no facebook com os seguintes dizeres: “Quem lembra
dessa banda e sente saudade, compartilha!” e pronto! Terei mil
compartilhamentos, serei contemporâneo aos meus tempos e todo questionamento
seria esvaziado. Mas não; eu não sou tão contemporâneo assim: resgato o
“Information Society” para compartilharmos questionamentos da nossa atualidade
e não saudades de outrora.
A queda de
sucessos e o consequente esquecimento da banda “Information Society” começam em
1993 e permanecem assim até os dias atuais (eles fazem vários retornos sem
grandes alardes – mais revivals que novidades ou ressurreição do sucesso).
Coincidentemente, a nossa “sociedade informada” recebe golpes frequentes com a
globalização e a fragmentação da informação e, em plena era do conhecimento,
nunca fomos tão ignorantes e partidários – as moedas não têm dois lados nas
fotos compartilhadas em redes sociais virtuais -, ao invés de mais conscientes
e conhecedores do universo à nossa volta.
Resumindo (pois sei que poucos
leitores atuais suportam textos longos e informativos demais): vejo as notícias
sobre a violência contra o Movimento Sem-teto em Pinheirinho, São José dos Campos/SP, e um jornal defende, o
outro ataca e os demais ignoram – ninguém (a não ser que acompanhe de algum
lado ou acompanhe blogs – recomendo o do meu amigo e escritor Omar. Aí vai o
link: http://terraypraxis.wordpress.com/) sabe a proporção real e trágica do problema. Então relembro da polêmica
sobre a instalação da Usina Hidrelétrica em Belo Monte, no Estado
do Pará: o Movimento Gota D’Água, cheio de atores da Rede Globo (o que já
provoca desconfiança), ataca o projeto fazendo uso de informações imprecisas,
enquanto engenheiros defendem a continuidade do projeto, menosprezando o
impacto ambiental; a Globo fica indiretamente do lado dos ambientalistas, a
Veja dá primeira página para os partidários da usina e, mais uma vez, uma rede
de mentiras e meias verdades se espalha pela internet como certezas sem nenhuma
restrição (assim como pessoas “reais” e “fakes” se relacionam em redes sociais
virtuais, como se todos fossem autênticos). Há pouco tempo, houve o escândalo e
a agressão mútua entre Rita Lee e a Polícia Militar do Estado de Sergipe: mais
vídeos fragmentados, cada um mostrando o exagero de um lado, mais um monte de
opiniões autoritárias, mais cenas fragmentadas do acontecimento nas emissoras
de TV e poucos ‘perdem’ tempo de procurar assistir a todo o episódio (até
porque teriam de entrar em diversos links – como quebra-cabeças, cada um
faltando uma peça - para conseguir a versão completa do ocorrido).
Então o que
fazemos? Fácil, buscamos o meio mais fácil: falamos o que está em nossa mente
(respondendo roboticamente ao popular “No que está pensando?”, pergunta básica
que o facebook nos faz quando vamos atualizar nossos “status”), emitimos
opiniões a partir de meias verdades e pronto: questionamos tudo pela metade,
compartilhamos nossa meia conclusão do fato, nos mostramos grandes cidadãos e “block”:
foda-se a complexidade de tudo! Ah, já tuitavam alguns artistas para os seus
seguidores: “O que está havendo comigo? Sempre vim aqui pra falar de coisas alegres.”
(tuitada 1) “Eu prefiro ser feliz a ter razão” (tuitada 2).
Esclarecendo os fatos: mesmo que
a banda “Information Society” resista, a obscuridade continua, a “sociedade
informada” deixou de ser popular. Vivemos agora numa sociedade de informantes,
tudo que se informa é apenas metade/quase nada do que realmente há pra ser
informado. A era do conhecimento já era. Bem vindos à nova era: a era da
opinião, onde a razão não importa; importante é emitir seu palpite feliz para
os infelizes que se tornam notícia (imagino o eu lírico da canção “What's On
Your Mind (Pure Energy)”, atualmente eletrocutado pela pura energia de tolices
que seu interlocutor libera quando este inconsequentemente lhe declara tudo o
que está pensando sem moderação). E assim nos matamos ao inquestionável sucesso
das indiretas diretas do eu lírico da canção “Ai, se eu te pego” de Michel Teló,
ícone maior da exposição clara de ideias sem moderação. Adeus, Information
Society. Fomos pegos pelo excesso de claridade das novas trevas.
Pela terceira vez (já viramos sócios do blog rs), compartilho minhas solidões poéticas com o grande poetamigo curitibano Paulo Ras. Desta vez, o eu lírico dele, com claras influências do poeta gaúcho Mario Quintana, confessa sua natureza poética e complicada para a natureza alada e simples do beija flor:
Em Recife, no dia 2 de fevereiro
de 1997, Francisco de Assis França, mais conhecido pela alcunha de Chico
Science, cantor e compositor olindense, líder da banda Chico Science &
Nação Zumbi e um dos principais colaboradores do movimento manguebeat em meados
da década de 1990, teve sua carreira precocemente encerrada por um acidente de
carro numa das vias que ligam Olinda e Recife. Seus dois álbuns, “Da lama ao
caos” e “Afrociberdelia” foram incluídos na lista dos 100 melhores discos da
música brasileira da revista Rolling Stone, elaborada a partir de uma votação
com 60 jornalistas, produtores e estudiosos de música brasileira. Um triste
detalhe da morte de Chico Science é o fato de que a tragédia poderia ter sido
evitada: havia falhas no cinto de segurança do carro que o artista dirigia e
que poderia ter lhe poupado a vida (a família de Chico Science recebeu
indenização de cerca de 10 milhões de reais da montadora Fiat, responsabilizada
pela morte do cantor e compositor no acidente que lhe tirou a vida). Até hoje
esse revolucionário músico influencia o cenário musical nacional. Entre elas,
podemos citar as conterrâneas Mundo Livre S/A, Bonsucesso Samba Clube, as mais
recentes Cordel do Fogo Encantado, Mombojó e Otto, além de Sepultura (mais
especificamente o álbum Roots), Cássia Eller (intérprete de músicas como Corpo
de Lama e Quando a Maré Encher), Fernanda Abreu (álbum Raio X) e Arnaldo Antunes
(álbum O Silêncio) e da antiga parceira e ainda em atividade: Nação Zumbi. Em
homenagem a Chico Science e à eternidade do movimento manguebeat do qual ele
brilhantemente fez parte, dedico o lamento lírico manguebeat de hoje:
Lamento praieiro
A cerveja antes do almoço hoje me traz agonia.
Antes eu pensava melhor...
Hoje a cevada maltada só produz dor
Em mais uma loura melancolia gelada...
É triste beber esse maracatu chorado
Nas vias congestionadas do nosso mangue estagnado.
Os urubus rondam as estradas da Manguetown
E rememoram as vítimas da rodovia do mal
Ô Chico Science, eu nunca vi tamanha desgraça
Os carros aceleram, os cintos falham, a velocidade ameaça,
Um beat seco nos cala, um motor falha, morte no ar,
Um acidente à frente e você não está mais no mesmo lugar.
Da lama ao caos, do caos aos ouvidos,
O ritmo da morte não faz sentido...
Mas em algum nordeste, num cordel ferido,
Os zumbis do mangue ainda eternizam o seu coração partido!