Uma barata chamada povo:
Brasil, país sede das Olimpíadas, da Copa do Mundo e da Injustiça Social
A maioria das pessoas, leitoras ou não, já ouviu falar da história do livro “A Metamorfose” (Die Verwandlung em alemão), obra prima de Franz Kafka, publicada pela primeira vez em 1915, popularizada como a ‘história do homem que vira uma barata’ e citada, de forma cômica, na canção “Uma barata chamada Kafka”, hit da banda Inimigos do Rei. Na obra kafkiana, Gregor Samsa é um reles trabalhador que amanhece transformado em um inseto repugnante com "dorso duro e inúmeras patas", aparência bem próxima a de uma barata. Devido a essa metamorfose, o protagonista passa a ser rejeitado e marginalizado por sua família e por seu patrão, enquanto sua irmã Grete também sofre mutações: torna-se mulher e o ente mais querido do seio familiar. A família de Gregor passa a alugar quartos na própria casa onde habitam e o parente metamorfoseado em inseto passa a ser uma ‘persona non grata’ no ambiente familiar.
Talvez alguns leitores estejam se perguntando por que relembro de uma história fantasiosa, escrita há quase cem anos atrás, em uma época tão distante da nossa. Pois bem, já respondo: ontem, mais uma vez, passei um tempo na rodoviária Novo Rio, da popular ‘cidade maravilhosa que abriga a tudo e a todos’, do Rio de Janeiro, cidade-sede das próximas olimpíadas e da copa do mundo de 2014, foco das melhorias que tornarão o nosso Brasil ‘um país melhor e mais justo’, segundo as propagandas veiculadas nas principais emissoras de tevê. Eu esperava o ônibus de 09:30h, com destino para Teresópolis, e, como ainda faltava meia hora para sua partida, circulei pelos arredores da rodoviária. Quando olhei para o lado de fora, tive uma surpresa previsível: vi que os mercadores ambulantes, que rotineiramente ficavam em frente à entrada da rodoviária, haviam mais uma vez desaparecido. Digo ‘mais uma vez’ porque esta surpresa não é inédita para mim, visitante frequente dessa rodoviária: este fenômeno forçado já ocorrera na época dos Jogos Panamericanos no Rio e, agora, se repete ‘coincidentemente’ no período de sorteios dos jogos das eliminatórias para vagas na Copa do Mundo do Rio 2014, quando delegações de todos os países vêm conhecer nosso Brasil ‘em crescente desenvolvimento’, conforme nos afirma outra propaganda veiculada nas mesmas principais emissoras de tevê.
O escritor judeu austríaco Stefan Zweig, exilado em terras brasileiras devido a dominação nazista no continente europeu, declarou em 1942 que o Brasil seria o país do futuro. Talvez inspirados nele, o governo brasileiro e os meios de comunicação nos revendem essa imagem ufanista para o mundo em 2011. Enquanto isso, meus olhos releem o universo sufocado de Kafka nas páginas da realidade brasileira, que abraça a economia estrangeira e desaparece com a plebe nativa.
Como Gregor Samsa, os vendedores ambulantes não são bem vindos nas paisagens paradisíacas da cidade irmã Rio Grete de Janeiro. Kafka deve estar dando um melancólico sorriso verde e amarelo em seu túmulo, pois sua obra é mais uma vez eternizada na cidade maravilhosa. “A Metamorfose”, do escritor tcheco, não apenas conta uma história fantástica sobre um homem transformado em inseto; a obra desvenda-nos as mazelas dos comportamentos humanos. Somos seres preocupados com as falsas aparências e manipuladores de um universo hipocritamente belo e grandioso. Não sou carioca, mas sinto culpa pelo meu silêncio, por isso, peço-lhes desculpas, Gregors Samsas do mercado ambulante, pelos seus desaparecimentos, enquanto a cidade copa mantém a sua propaganda enganosa de ser a mais maravilhosa. Imagino quantos empregos informais desaparecerão da frente da rodoviária, durante as olimpíadas e copas que virão.
Posso dizer "sem comentários"? Ridículo, mas é que me sinto tão mal diante da política e tb da inércia dos "súditos" deste país... As vozes dos poetas não podem se calar, não podem... Denúncia social não é o meu forte (acho) mas postarei um poema q fiz, meio louco rss, pensando no Brasil... "Descompromisso humano". Abraço!!
ResponderExcluirValeu, Elayne! Aguardo o seu poema!
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