O agitado jogo de ontem entre Vasco x Flamengo, da última rodada do primeiro turno do Campeonato Brasileiro 2011, teve todas as emoções que um clássico destes merece: expulsões, reclamações, bola na trave, pressão de ambos os lados, defesas espetaculares, um empate em zero a zero que não ajudou nenhum dos dois times e, até após o jogo, a rivalidade foi mantida: nas entrevistas, cada jogador defendia seu ponto de vista, destacando lances de seu respectivo time e argumentando que a vitória deveria ser do clube que ele defendera ferrenhamente.
Porém foi um fato inusitado, fora dos campos, que mais mexeu com as minhas emoções de torcedor vascaíno: o técnico do meu time Ricardo Gomes passou mal durante a partida, vítima de um AVC. Segundo os médicos do Clube de Regatas do Vasco da Gama o técnico hoje de madrugada passou por cirurgia bem sucedida e continua em estado grave, porém estável.
Mas o acontecimento me relembrou duas situações que passei em minha vida, as quais retornam a minha mente sempre de forma angustiante. A primeira ocorreu na época em que morava com meus avós – foram mais de 4 anos de convívio, enquanto eu terminava a faculdade e trabalhava como operário numa fábrica de papel, foi tempo bastante para admirar para sempre aqueles que me amavam e me consideravam mais que neto - e meu avô Fernando passou por problema parecido ao de Ricardo Gomes. Esse acontecimento em minha vida foi retratado em meu conto “O quarto vazio (ou O quarto e o vazio)”, publicado no livro "Diários de Solidão" e primeiro texto que posto hoje.
A segunda situação foi quando acompanhei a difícil rotina de minha namorada Juliana, de Zé Ricardo e de seus familiares diante do agravamento do estado enfermo de seu avô, que sempre foi visto entre seus netos mais como pai que como avô. As idas e vindas a hospitais, o esgotamento das forças do avô de Juliana, toda angústia por uma cura impossível me fez criar um poema – mais próximo de uma letra de música em homenagem ao músico Zé Ricardo – ainda inédito em livro chamado “UTI”, segundo texto que posto neste dia de sol ardente e traiçoeiro (nos dá a ilusão de que a vida é eterna, mas ela não é...).
Posto os dois textos, desejando que o técnico Ricardo Gomes vença o mais importante dos clássicos, que é a eterna luta do homem pela sua saúde, pela sua vida.
Vamos sempre torcer de coração pela vida e lutar pra que ela sempre vença os inimigos invisíveis, as terríveis doenças!
O quarto vazio (ou O quarto e o vazio)
Entro em teu quarto. Não estás, sei que não estás. Mesmo assim, te procuro. Tudo arrumado, cada coisa em seu lugar: a cama intacta, o rádio de pilha em silêncio, os discos velhos que não tocam, o aparelho de som que não funciona, a tevê desligada... Estranho – agora percebo – o rádio de pilha está em silêncio porque não se encontra aqui. Talvez levaste, talvez alguém o levou pra ti no hospital. Estou vendo demais: meu coração desarrumado cria ilusões em meus olhos.
É... nem tudo está em seu lugar. Há um vazio. Em todo espaço físico que passo, há um vazio por dentro. Talvez, por isso, Álvaro de Campos escrevia poesias com versos tão longos: para preencher os vazios. Estranha reflexão que trago nessas horas mortas – estranho, eu me sinto estranho.
Hoje, na faculdade, uma professora rejeitou um artigo meu. Pediu-me uma dissertação; trouxe-lhe um argumento ardoroso, um manifesto agressivo, quase rebelde. Deu-me um sorriso, elogiou minhas colocações, mas explicou-me que a política do jornal acadêmico é atacar os problemas sem ferir os donos (ou políticos?, me perguntei enquanto ela falava) do problema. Me senti um estranho (estranho como esta palavra me persegue), dei um sorriso e parti. Senti saudades dos parentes da roça: eles sabiam dar nomes aos bois.
Mas isso, nada disso eu te contaria (ainda mais agora). Te falaria do meu sucesso, do meu futuro acadêmico. Repetiria tudo que quisesses ouvir, tudo que gostarias que eu fosse... se estivesses aqui. Se estivesses aqui, quereria saber como estás, com vai teu coração. Nada: o quarto vazio. Meu sentimento distante busca uma cama de hospital. Estou enfermo: uma doença estranha entranha em mim, uma dor de vazio. Mas isso, nada disso eu te contaria. Te falaria que estou bem só pra não te preocupar.
UTI
De novo esse corredor
É o retorno do nosso amor
Pra velha cama de hospital
O teto cedendo
Meus passos lentos
Pelas salas, silêncios
Sempre a gritar!
Eles passam correndo
Cego de medo, eu vejo
Você morrendo
Bem devagar...
De novo esse corredor
É o retorno do nosso amor
Pra velha cama de hospital
E eu te espero lá fora
Em frente à praça
Perto do chafariz sem água
Contando as horas
Esperando a tua chegada
E o fim do meu sorriso sem graça
Mas nada!...
Apenas facas
Bisturis
As farpas
E ninguém aqui...
Eu te espero partir!
De novo esse corredor
É o retorno do nosso amor
Pra velha cama de hospital
(E a noite sem luar
Dorme em minha tarde sem sol
Você não vai voltar
Adeus, folia de reis, é o fim do carnaval)
De novo esse corredor
É o retorno do nosso amor
Pra velha cama de hospital
Todos, em algum momento passa por este estranhamento com a possibilidade de não mais existir; Do silêncio que os objetos estranhamente gritam em nosso intimo, denunciando a ausencia de alguém.
ResponderExcluir