sexta-feira, 19 de novembro de 2021

Outra crônica crônica prosa poética antipoética inédita de minha autoria: Declaração quartoplanista do poeta saudoso à musa negacionista que nega a fúria do mundo, mas não nega amor

Quadro de Vincent van Gogh - 
"Quarto em Arles (1ª versão)"
- outubro de 1888 - óleo sobre tela 
Após outro hiato de tempo (que já está se tornando contraditória tradição), eis eu aqui de volta ao blog. Há um tempo ando meio sem inspiração e meio que praticando autossabotagem pra este hobby lírico blogueiro, sumindo de redes sociais, procrastinando reflexões, adiando postagens, enfim, virtualmente desligando-me, invisibilizando-me. Diante de uma realidade complicada e cada vez mais opressiva, transferidora de impunidades e benesses aos torturadores cotidianos e de exigência de sacrifícios incomensuráveis e falta de perspectiva aos sobreviventes do caos diário, sinto sempre vontade de que um disco voador apareça e um ET me informe que veio me buscar pra voltarmos pra casa. Neste alheamento de tudo, pelo bem de uma mínima saúde mental, fica sempre na minha cabeça o desejo de retornar ao blog, mas o desejo fica na vontade – sinceramente, estou meio de saco cheio desse tudo tão nada, desse caos tão bem organizado pelos vilões de sempre. No esforço de vencer as barreiras, tento mais uma vez retornar, sempre batendo de frente com a realidade e com as ruínas de mim mesmo.
Hoje deixo uma crônica / prosa poética inédita minha, meio atual, meio no meu eterno passageiro tempo nunca (de Terra do Nunca, de adulto criança adulterada que cresce infantilmente, crescendo no sem querer crescer; se o tempo de Vinicius era o tempo quando, o meu – sempre liricamente contraculturado em relação aos contemporâneos – é sempre o tempo nunca). Espero que gostem. Por enquanto é só (eu coletivamente só).

Declaração quartoplanista do poeta saudoso à musa negacionista que nega a fúria do mundo, mas não nega amor

Faz mais de um ano que nos beijamos sem nossas máscaras. Na cama, preservo as marcas fantasmas do teu batom de escândalos em segredos. Em meu universo quadrado, na infinidade plana de meu quarto, eu guardo toda violência pacífica de nossas fantasias, enquanto círculos de ódio giravam selvagemente realistas em bolhas bárbaras das redomas separatistas da nova civilização animalesca bipartida, por todos os nossos lados, afrontando toda a fúria amorosa em nós, atacando por atacados, afrouxando todos os nossos agridoces nós.
Faz muito tempo desde quando negamos esta estranha negação coletiva de que uma parede disposta à esquerda, ao centro ou à direita precisa de suas opostas para formar o abrigo ideal. Ah, musa adversa, quantas contradições gostosas usufruímos em harmônico embate de diferentes posições; como não negar o negacionismo saudável das naturais oposições? Enquanto nos debatíamos em paz acalorada na superfície plana das quatro paredes harmonizadas, o mundo em guerra girava sua metralhadora de insensatez ingloriosa, provocando novas invisíveis doenças, cultivando o vírus da falta de ciência em compreender que um corpo precisa de seu igual oposto pra fazer a inércia se mexer.
E com isso o mundo parou, violado por anti-rosas estúpidas e inválidas semeadas por batalhas desnecessárias que nenhum ser são provocou. Faz um tempo que a loucura involuntária e bestificada nos separou.... Mas preservo as memórias das noites iluminadas, dos dias de trevas intimamente abençoadas, pois sei que todo rebanho de raiva passa, toda pandemia de violência uma hora acaba. Por mais que a firme utopia pareça inativa, há poesia em cada segundo de nossa vida adiada. Mantenho a casa resguardada, imunizada com tua presença espectral. Teu retorno revolucionário pro nosso lar quadrado, infindo, falsamente limitado, será a vacina mais duradoura, magicamente real: teu retorno amor (assim sem vírgula e sem pudor) é e sempre será a cura de todo mal.

Um comentário:

  1. Crônica poética vida - para os tempos de distâncias pandêmicas - que nos deixam cada vez mais sós, dentro de nós. Só que no tempo verbo, o vivido nunca é passado, pois é tangivelmente acessado nos instantes saudade. Belíssima crônica, como é tua poesia, sempre irretocável. Beijos, poeta.

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