Hoje a solidão poética é escrita a quatro mãos: o poetamigo Carlos Orfeu e eu produzimos a ode abaixo em homenagem à cachaça e à vida lírico-boêmia, a partir de um bate-papo no chat do facebook. É uma ode meio de repentistas, uma ode de ódio destilado, um poema sóbrio embriagado, um poema cheio de cinzas no meio das trevas coloridas. Pra que entendam melhor a construção do poema-diálogo, coloquei as estrofes criadas por Carlos Orfeu em branco e as minhas em azul.
Mais abaixo, os leitores têm a oportunidade de ver o mesmo poema escrito a quatro mãos, declamado em dueto: o vídeo mostra Carlos Orfeu e eu apresentando o inédito poema no "Identidade Cultural & Movimento Culturista - Tema Cachaça" do dia 30 de junho de 2012. Organizado por Janaína da Cunha, o evento acontece todo último sábado de cada mês, no Bistrô Café do Bom, Cachaça da Boa, na Rua da Carioca, no Rio de Janeiro/RJ, e, na última edição, tive a oportunidade de fazer um dueto lírico teatral experimental com o poetamigo de São Gonçalo/RJ Carlos Orfeu. a garrafa usada durante a presentação possui pinturas do artista plástico Welington de Sousa. Como diria Baudelaire, embriaguem-se, leitores, embriaguem-se de vinho e versos (no nosso caso, de cachaça e poema escrito a quatro mãos):
Ode ao ódio
destilado (ou Os cinzas no bar das trevas coloridas)
- Tempos estranhos e os caminhos
distantes,
Prisão de grades invisíveis e
tubos de conexão...
- Por isso bebemos
lúcidos, amigo Orfeu, essa água amarga,
Essa embriaguez
destilada de loucura sem solução...
- É, camarada, sinto este gole
entupindo nossas reflexões,
Abrindo a porta de nossas
indignações,
Derramando cada saliva cáustica de
água-ardente,
Deixando a nossa lira nestas horas
com asas de ave fênix.
- Estamos sem Eurídice,
Orfeu, meu camarada,
Cortaram-lhe as asas
E a nós, alcoólatras do
nada, resta-nos a viola embriagada.
- Com a viola de nossas cordas
vocais,
Precisamos colher as asas de
Eurídice...
- Sim, por isso a
melodia angustiada
Um amor perdido,
Uma aguardente
E milhões de canções
desesperadas.
- Canções embriagadas oferecidas
ao vento que invade o boteco,
Inspiradas entre o ardido e o
fedido,
Do colega ao lado chorando vômitos,
Enquanto eu e você brindamos
feridos
- Os versos que nos
restam são cachaças
Que acalentam os frios
dessa manhã mal madrugada
Bebamos, amigo, por
nossas línguas cortadas
Que as feridas
cicatrizem com a substância que embriaga.
- Bebamos!Bebamos! Um brinde à
miséria de todos os dias,
Um brinde ao amor perdido nas
drogas,
Um brinde às crianças sem escola,
Um brinde a toda nossa sagrada
desgraça,
Um brinde de fúria a toda dor que
temos que engolir muitas vezes calados.
- Uma ode molhada de
ódios destilados,
Um porre das águas
ardentes de nossas lágrimas versificadas,
- Um porre sem remédios que amenizam,
um porre sem cura.
- Ah, lá vem o dono do
bar, com outra garrafa!...
- Com um sorriso, feliz por estarmos
consumindo
Com aquela cara de vascaíno tipico
português dono de bar
- Seu time ferido, seu
sorriso deprimido,
Em todo bar, a mesma
falta de luz,
O mesmo excesso de
escassez ...
- O mesmo banheiro sujo, com nomes
e telefones querendo programas desconhecidos,
A mesma sujeira que se estende
para as ruas, planaltos, igrejas, etc...
- E estamos sujos
também, amigo, em puro estado de embriaguez,
Numa luta sem trégua,
vendo tudo que nos cega,
Eis nossos versos
bêbados no guardanapo
- Em bic azul ou preta, nem sei
mais,
Eita, cachaça de nossa desgraça,
escorrendo nas goelas!
Estamos com a nódoa em nossas
roupas, como diz Bandeira em algum poema.
- Bandeira morreu e
estamos morrendo também...
- É,caro amigo poeta, estamos
morrendo em vida,
A pior morte é viver e por dentro estar
morto.
- A morte tá dando
Bandeira em nós, amigo Orfeu...
- Mas buscamos renascer das cinzas
sempre,
Pois temos nossa inquietação,
Buscamos voar para longe de nossas
gaiolas...
- A bebida já dá tremedeira de tanto desatino,
amigo poeta...
- Estamos suando, delirando,
E o bêbado ao lado pedindo algumas
humildes moedas
Para tomar mais uma dose de cana.
- Mais um gole, voemos,
amigo, voemos pra longe...
E eis que o dono do bar
nos dispara sua voz cansada
Ele quer fechar o bar.
- Mais um gole, as paredes cantam,
as mesas cantam,
As garrafas dançam alguma canção
antiga
Cantada pelo costumeiro cantor dos
bares com seu velho violão.
- É hora de nossa
retirada... Não podemos adiar...
- Vamos pedir uma saideira, pois
hoje é sexta,
Vamos pedir uma música ao cantor,
Algo que como sempre ele dirá que
não ensaiou.
- Bebemos demais, amigo
Orfeu, o músico já partiu,
A música acabou,
O que ouves é o
silêncio que ficou.
- O que faremos agora?
O músico acabou, a música partiu,
O bêbado no fundo do boteco que
dormiu.
- A Eurídice que não
voou, nem voltou
- É, meu amigo, ela nos deixou...
- O jeito é partir,
amigo... Fingir que o sonho acabou
E voltar amanhã, pedir
outra dose, continuar...
- Apertar a mãos dos que ficaram e
dar um sorriso descolorido
- Contra as trevas
coloridas que acinzentam nossa cara aborrecida
Pelos sorrisos cheios
de lágrimas;
Voemos, amigo, pra fora
do bar.
- É, voltaremos amanhã com o mesmo
dono do bar,
Os mesmos fiéis bêbados nos seus
cristianismos da cachaça
E nós com as mesmas inquietações
que não mudam,
Com a mesma vontade de seguir
descalços buscando transformações,
Voemos e não dissolvemos no ar
- Sim, amigo, partimos,
embriagados e feridos...
- Partimos para outros dias
estranhos e distantes caminhos...
- Mas inteiros seguimos;
Seja como for, a poesia
vai continuar
- Com nossas almas erguidas e
nossas armas azuis, pretas ou vermelhas
Ditas nas linhas do horizonte
infinito
- Até logo, amigo,
Até logo, dono do bar,
Até logo,
Porque adeus não há!
- Até logo é garantia de amanhã,
O adeus deixamos para os
moribundos e os inocentes,
Os que buscaram e sentiram nos
lábios o beijo da meretriz de preto.
- Sim, adeus, monstros
coloridos,
Partimos cinzentos, mas
plenos;
Até logo, Orfeu!
- Partimos, mas antes nos abracemos,
apertemos as mãos;
Até logo, caro amigo Carlos Brunno,
Amanhã é outro dia de nossa
desgraça engarrafada e vendida para consumirmos
- Sim, amanhã voltamos
mais uma vez pela Eurídice que se perdeu
E beberemos por tudo
que não aconteceu;
Até logo, amigo Orfeu,
Até logo sem adeus!
Maravilha , maravilha simplesmente maravilha e obrigado pela inclusão da minha humilde arte no grande trabalho de vocês !!! abraço poeta do amigo " welington de Sousa "
ResponderExcluirMuito show!
ResponderExcluirProf e Orfeu, que dupla!!!
Bjoks
Ficou maravilhoso,é o grande poder da arte
ResponderExcluirunir,duas almas nas mesmas linhas.
E que estas mesmas linhas em diferentes folhas virgens,seja desvirginadas pelos nossos dedos
e contruiremos novos versos unidos.
Um forte abração grande amigo,e grande poeta
"A arte é longa á vida é breve"