Há pouco tempo, perdemos o fodástico escritor colombiano
Gabriel García Márquez. Agora perdemos o fodástico escritor brasileiro João Ubaldo Ribeiro, autor
de obras-primas como “Sargento Getúlio”, “Viva o Povo Brasileiro”, “O sorriso
do lagarto” e – sei que não é tão valorizado quanto os outros, mas é o que eu
mais amo - “Miséria e Grandeza do Amor de Benedita”. O que posso dizer? Luto, o
mais severo luto que a literatura universal já passou nos últimos tempos. Mas não
podemos parar, simplesmente parar, amigos escritores e amigos leitores,
precisamos continuar, manter viva a literatura a qual eles se dedicaram e
seguir reconstruindo os universos possíveis e impossíveis que esses fodásticos
escritores criaram. Por isso, meu tributo narrativo de hoje sai assim meio
triste, mas buscando manter vivo o sorriso de nosso povo, o sorriso aberto de
João Ubaldo Ribeiro.
O Luto Perpétuo mais Perpétuo de Itaparica
Deoquinha Jegue Ruço, prefeito de uma Itaparica que, a
partir de hoje só existe nos livros de romance, gênero textual doido que,
apesar do nome, não precisa ter romance no sentido prático do beijinho, abraço
e rala-rala (mas nos romances ambientados nessa Itaparica tem, porque aqui personagem macho acasala),
entrou no boteco e declarou:
- Hoje fica oficializado que estamos de luto perpétuo pelo
ilustríssimo escritor João Ubaldo Ribeiro.
- Era outro filho seu, senhor Deoquinha? – perguntou o
sacana dono do boteco, conhecedor dos inúmeros filhos bastardos do prefeito.
- Não, claro que não, homem! Sou lá tão velhaco pra ter
filho idoso?!? Minha jeba funciona bem desde nascido, mas eu bebê ainda não
fazia filho! O luto é perpétuo, porque o ilustríssimo escritor João Ubaldo é o
filho mais letrado de nossa ilha, autor de diversos romances em homenagem a
esses confins. Vocês, cambada de ‘ingnorantes’, deveriam estar chorando a maior
perda intelectual de nosso paraíso tropical!
- E ele escrevia sobre o que, seu Deoquinha? – perguntou o Sargento
Getúlio – Espero que não seja nada de subversivo, sabe como é, ficar
homenageando esses comunistas aí que gostam de comer criancinha, tu sabe, tem
que jogar pedra e não ficar mandando flores.
- Que isso, meu camarad... – Deoquinha hesitou, afinal tratar
o sargentão de camarada foi no mínimo uma atitude suspeita... Logo mudou o tom
pausado pra um mais enérgico pra não perder o fio da meada. – Quando essa
cidade de filhos benévolos, de bons cidadãos, formou filhos da puta (que não
sejam da pensão ali debaixo rs)? Seu João Ubaldo Ribeiro era escritor porreta e
cidadão íntegro! Não sei bem nada que ele escreveu, exceto umas poucas linhas que me foram lidas pela minha esposa Benedita.
- Dona Benedita é uma santa senhora, Senhor Deoquinha. Com
todo o respeito e humilde devoção à tua senhora, modelo de integridade da nossa
sucumbida Itabira, se esse anjo que é Dona Benedita não viu mal e ainda
abençoou a escrita do tal senhor João Ubaldo Ribeiro, ele merece receber as
honras de falecido do luto coletivo perpétuo mais perpétuo do universo. –
defendeu o jovem poeta e boêmio Ricardinho, o que gerou alguns risinhos sacanas
e disfarçados nos bêbados que se encontravam numa mesa do canto: segundo as más
línguas, o Ricardinho virava Ricardão quando ia visitar a ‘íntegra’ dona
Benedita, quando Deoquinha dava suas rotineiras ‘fugidinhas’. Deoquinha Jegue
Ruço, que é corneador voraz demais pra se reparar como corno manso, sempre
considerou intriga da oposição e consentiu com a defesa do rapaz:
- Pois é! O ilustríssimo escritor João Ubaldo Ribeiro é o
ser mais digno do luto perpétuo mais perpétuo dessa cidade. Quantas e quantas
vezes ele veio, nesses muitos anos, dar aulas de literatura pra minha querida
esposa. Benedita se via atribulada com tanto conhecimento, ficava horas e horas
com ele trancada na sala de leitura, segundo o escritor, “pra que as palavras
não escapassem fácil da estudiosa Dona Benedita”. Quanto conhecimento, quanta
literatura! Minha esposa aturava todo aquele conhecimento literário exorbitante
com a garra e sacrifício de uma santa senhora. Era tanto conhecimento que minha
dona saía até suada das aulas de tanto peso de literatura que ela tinha que
carregar! – novos sorrisos marotos se formavam na boca de alguns bêbados, mas
Deoquinha Jegue Ruço estava num transe de emoção tão grande que quase não via o
mundo à sua volta. – Parei, parei, amigos, que cabra macho como eu não se pode
pôr a chorar por outro homem, mesmo que este seja o ilustríssimo senhor João
Ubaldo Ribeiro. Mas que é triste demais a perda é, ah, se é! Minha santa mulher
já está com olheiras de tanto chorar e rezar pela alma daquele vistoso senhor!
- Trouxe uma foto do infeliz, senhor Deoquinha? Pra ver se a
gente se ‘alembra’ do coitado...
- Aqui está!
Logo vários o reconheceram; sabiam quem era o cabra, só
nunca o trataram pelo nome citado. Uns lembraram que o chamavam de professor –
outro, ao ouvir isso, exclamou naturalmente: “Ah, coitado!” Um outro, mais
malicioso, até sussurrou pro colega: “É o pai legítimo de dois filhos do seu
Deoquinha com a dona Benedita, olha só: cara de um, focinho do outro!”
Depois disso, nem Deoquinha, nem mais nenhum outro habitante
da Itaparica de João Ubaldo Ribeiro falaram mais nenhuma palavra. Estava
declarado o luto perpétuo mais perpétuo de Itaparica...
(Carlos Brunno S. Barbosa, em homenagem a João Ubaldo Ribeiro [ in memoriam])
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