No
meio de um dia nublado e ainda meio chateado com um evento cultural com público
um tanto frustrante (depois de alguns sucessos na tour por outras cidades,
voltar à sua cidade lírica de origem e receber uma certa indiferença é meio
estranho, ou pior, muito estranho), finalmente uma notícia que trouxe um bocado
de luz e calor para um dia aparentemente melancólico. Recebi um e-mail com a
seguinte mensagem:
"Prezado
Carlos Brunno S. Barbosa (Pseudônimo: Joaquim Brás de Assis)
É
com imensa satisfação que comunicamos que sua Prosa: “Sobre (e sob) os Feitiços
de um Velho Bruxo”, categoria: de 19 a 39 anos, foi classificada em 1º lugar no
Concurso de Poesia e Prosa da Academia de Letras
de São João da Boa Vista – SP, Edição 2014.
Solicitamos
que nos envie novamente todos os seus dados para conferência.
A
premiação será dia 27 de setembro deste ano, às 20 horas em local a ser
definido.
Precisamos
de sua confirmação na participação da solenidade de entrega dos prêmios.
Parabéns!
Silvia
Ferrante – Coordenadora do Concurso 2014
Lucelena
Maia – Presidente da Academia de Letras de São João da Boa Vista – SP"
Yeah,
amigos leitores, mais uma filha-crônica-prosa-poética classificada! E, como é
de praxe, compartilho com vocês o texto premiado, inspirado na contemporaneidade
das obras de Machado de Assis. Essa crônica-prosa-poética me surgiu em 2008, no
centenário do escritor, depois de ouvir muitos acusarem que a obra de Machado
de Assis eram "ultrapassadas", "de outra realidade",
"chatas", etc. Parti em defesa desse mais-que-fodástico escritor
brasileiro, mestre de uma ironia e críticas únicas e atemporais. O escrito
permaneceu inédito até o momento (6 anos!), pois sempre acreditei que ele
merecia algum destaque em concursos literários. Concorri teimosamente com o
texto, até que, por alguma benção do Velho Bruxo do Cosme Velho, ele foi
premiado.
O
sonho recheado de loucura lúcida permanece vivo e vitorioso, amigos leitores!
Saudações Machadianas e Arte Sempre!
Sobre
(e sob) os feitiços de um velho bruxo
Perto de minha casa, há um homem
triste, fechado para o mundo como um Dom Casmurro. Dizem que desconfiava de sua
mulher, dizem que o filho, fruto do conturbado matrimônio, é a cara do melhor
amigo daquele triste homem. Talvez tudo se resolvesse com um exame de DNA,
talvez fosse apenas paranóia dele, talvez tu, amigo leitor, leias um e-mail em que esse ser casmurro revele
toda a vida dele, com uma visão muito íntima de todos os acontecimentos. Talvez
ele te convença, talvez desconfies dele. Mas uma coisa te assustará, prezado
leitor: o ciúme – tão defendido pelo homem triste – não te será desconhecido.
Na verdade, tu, estupefato leitor, te surpreenderás observando com olhos
desconfiados a tua senhora, deletarás o maldito e-mail, porém – ainda mais assustado – perceberás que os
sentimentos humanos não se apagam.
Sim, contemporâneo senhor,
atravessas o mundo com pés formatados no século XXI, mas os teus dramas
humanos, a essência de tua vida trai qualquer inovação tecnológica. Triste
ironia machadiana! Por mais informatizado que se declare o universo, o ser
humano ainda é primata em seu âmago.
E nesse momento de absoluta
perplexidade e autoconhecimento, lembrarás daquele defunto político, cuja
trajetória humana não acrescentou nada para a História dos mundos, apesar da
lápide que anuncia seu passamento indicar com todo pesar a falta que esse bom
homem nos faz. Recordarás de alguns discursos ínfimos e grandiloqüentes daquele
alto funcionário do Estado e perceberás que, há tempos, a nossa elite desfila
com a máscara pedante da hipocrisia. Tonto com as lembranças, tu, atrasado
leitor, te conscientizarás que existem mais Brás Cubas na terra do que a vã
filosofia celeste poderia imaginar.
Mesmo assim negarás esse espelho de
tua sociedade, porque também te verás refletido nele. Eis os vermes da
hipocrisia em ti, pudico leitor, eis um novo tema para um velho conto de
Machado de Assis e, finalmente, eis a literatura comprovando a lei de
Lavoisier: na natureza (se me permites, acrescentarei a palavra ‘humana’ no
nobre pensamento do renomado físico) nada se cria, tudo se transforma.
Vestimo-nos com novas roupas, novos nomes, porém nossos corpos ainda carregam
as mesmas indumentárias, as mesmas sensações. Se algo mudou de alguns séculos
para cá, foram as máscaras, pois as almas continuam as mesmas: humanas,
perigosamente humanas.
Ainda há amantes que procuram
cartomantes para fugir de seus fatídicos destinos, enfermeiros que maltratam
pacientes, professores que servem de agulhas para alunos-vestidos, pessoas que
amam, pessoas que traem, ainda há pessoas. Sinto informar-te, impaciente
leitor, mas ainda somos humanos. Os feitiços do velho Bruxo do Cosme Velho
ainda funcionam. Em vão deixarás as traças roerem os ‘antiquados’ livros de
Machado de Assis, pois os jornais, que lês enquanto tomas o magro café da
manhã, ressuscitarão as páginas perdidas da machadiana e triste, porém nossa,
realidade.
Por isso, invoco-te, provoco-te,
convoco-te, incauto leitor: se queres assumir a verdade secular em tua cama
transitória, se desejas retirar o cisco da cegueira de teus olhos pós-modernos,
olha para trás... Verás a estante empoeirada, os livros de Machado com suas
páginas amarelecidas pelo círculo vicioso do abandono e abrirás o mundo moderno
para eles. Então perceberás que os universos se comunicam, que certas denúncias
da mazela humana se eternizam, e que, finalmente, acordas pra vida real,
sonolento leitor!
Joaquim Brás de Assis (Pseudônimo usado por mim em homenagem a Machado de Assis)