Nesses momentos decisivos das Olimpíadas em que debatemos (e
nos debatemos) se o desempenho do Brasil é melhor ou pior que o dos anos
anteriores, posto um conto antigo meu, escrito após as Olimpíadas de Sidney
2000. Naquela fatídica olimpíada na Austrália, o Brasil conseguiu 12 medalhas,
porém não conquistou uma medalha de ouro sequer (foram 6 medalhas de prata e 6
de bronze).
Lembro-me que a última participação significativa de um atleta
brasileiro naquela Olimpíada foi no hipismo: Rodrigo Pessoa, com seu cavalo Baloubet
du Rouet, era a última esperança de medalha de ouro para o Brasil. Passando
pelos bares, vi cenas inusitadas: brasileiros acompanhavam a prova individual
de Hipismo como se fosse um jogo de final de Copa do Mundo; ninguém acreditava,
ou melhor, não queria acreditar que a delegação brasileira voltaria das
Olimpíadas de Sidney sem nenhuma medalha de ouro. Além do mais, Rodrigo Pessoa
há tempos brilhava no hipismo e o favoritismo do atleta era evidente.
Escrito nos anos 2000, o conto "A queda de Baloubet" foi publicado em meu sexto livro "Diários de Solidão" (2010) |
Mas
ninguém contava com a rebeldia do cavalo francês de Rodrigo Pessoa: Baloubet du
Rouet rejeitou pular diversos obstáculos, em resumo, amarelou feio. Lembro como
as pessoas desligavam os televisores, com ares de derrota, como se, mais uma
vez, a seleção brasileira de futebol não tivesse confirmado seu favoritismo
(lembremos que a Olimpíada de Sidney ocorre 2 anos após a estranha e apática
derrota do favorito Brasil para a surpreendente França de Zidane na Copa do Mundo de 1998, na França). Mas não
havia Copa, havia sim uma Olimpíada, uma olimpíada sem o brilho do ouro para
nós, brasileiros (mais uma vez fomos traídos e derrotados pelos franceses –
lembrando que o cavalo de Pessoa tinha origem francesa).
Agora recebo a notícia
de que a Seleção Olímpica Masculina de Futebol do Brasil chega a mais uma final
e pode se consagrar campeã olímpica pela primeira vez, enquanto os cavaleiros
brasileiros, em sua maioria, veem seus cavalos tropeçando em obstáculos e se
distanciando cada vez mais de uma esperança de medalha. Como diria Camões,
mudam-se os tempos, mudam-se as vontades.
12 anos depois da Olimpíada de Sidney, o mundo dá uma volta olímpica no
destino de nossos atletas e nas esperanças dos torcedores brasileiros.
A queda de Baloubet
Os olhos do
menino sul-americano observam apaixonados a beleza onipotente do equino
olímpico que traz nas patas francesas a esperança verde-amarela de subir no
lugar mais alto do pódio.
O galope
firme do cavalo e do coração... Cada obstáculo é um risco, cada risco é uma
taquicardia diferente. Enquanto sonha acordado, o menino não conta mais
ovelhas, e sim cavalos... cavalos pulando obstáculos (na verdade, um só cavalo
pulando milhões de obstáculos).
A barriga
do menino implora por comida, porém ele pretende suportar esse último obstáculo
- precisa alimentar os sonhos mesmo com o estômago vazio.
... Mas o
unicórnio sem chifre do menino tomba na terra estrangeira, arrancando as asas
dos olhos amadurecidamente infantis. De volta ao chão: um século passando em
poucos milésimos, uma vida sem conhecer o sabor da vitória (será doce, salgada
ou azeda como limão?). O Olimpo é dos deuses; aos mortais, resta a ilusão do
ouro que não brilha, da esmeralda que é turmalina (o gosto da vitória deve ser
bom... deve ser bom... é bom pra quem ganhou... não sei...).
Então o
dono do bar desliga a tevê e algo escurece no coração do menino. A barriga
ronca novamente - precisa alimentar-se pra voltar a sonhar:
- Vai graxa
aí, tio?
Na terra
estrangeira, o cavalo se levanta.
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