Uma das leituras que mais me encantaram nos últimos tempos
foi ler grande parte das “Obras completas” de poemas do espanhol Federico
García Lorca. Seus poemas, cheios de ternura e melancolia, atmosferas de sonhos, elementos
de sua terra natal (a cidade espanhola Granada), ritmo encantador e traços populares, trazem
quase sempre um diálogo do eu lírico com elementos da natureza, refletindo seus
sentimentos. Difícil desassociar a personalidade de Lorca das vítimas fatais do
preconceito: por ser homossexual, poeta popular e homem da esquerda, atributos
detestados pelos fascistas do General Franco, o poeta espanhol foi fuzilado em
1936, tornando-se uma das mais famosas vítimas da guerra civil espanhola.
A leitura aprofundada de seus poemas modificou e acrescentou
algum brilho novo em meu olhar. Um exercício poético que costumo fazer, desde
que comecei a lecionar em escolas mais próximas do campo, é olhar fixamente a
paisagem rural, antes de entrar na escola; fico sempre buscando algo novo na
bucólica imagem à minha frente (quando não encontro, sei que nenhum poema virá
naquele dia). E foi assim, numa manhã muito fria do final do inverno, no início
de setembro, no período em que os poemas de Garcia Lorca estavam mais intensos
em minha memória de leituras recentes (trabalhava alguns poemas dele com os
alunos do nono ano da E. M. Alcino Francisco da Silva, em Volta do Pião,
distrito rural de Teresópolis/RJ), que me veio uma elegia para Garcia Lorca.
Sim. Foi nesse momento que minha escrita encontrou as palavras adormecidas de
Lorca...
Uma elegia pra aquecer o frio dentro de nós e pra manter
vivo um dos poetas espanhóis mais fodásticos de todos os tempos:
Elegia pra Garcia Lorca
(No mirante da poesia, olhando a paisagem de toda manhã fria
em Volta do Pião)
Frio que te quero quente...
Desde a primeira vez
que descobri a manha dolente
na visão das manhãs
de tua terra sempre presente,
desde a primeira vez
que eu te vi
deitado no invisível
do horizonte observado,
desde a primeira vez
deste novo sempre
que eu paro diante de ti,
paisagem nova
na imagem inalterável
do firmamento que deita
em meus olhos bem aventurados.
Frio que te quero quente...
É o orvalho que despeja
tempestades suaves
em minha boca seca
todas as manhãs,
é o vento diário que me beija
a face ainda cansada
pela disputa com a noite insone
em outro sonho passado
e não realizado,
é a tua boca que adoça
os meus lábios amargos
com os cantos febris
da natureza que faleceu em ti,
é a beleza de uma canção antiga
que permanece inédita
no rosto dos velhos morros
tão vivos em movimentos mortos
e brilhantes apesar da atmosfera opaca,
é essa paisagem preguiçosa
que agita de poesia os meus olhos,
é essa vista ferida
de imortalidade intacta
que te mantém vivo
em minhas fúnebres palavras.
Frio que te quero quente...
Um vento novo sacode
aquela velha árvore,
enquanto outra nuvem esconde
o sol que arde em volúpia
por trás da frígida paisagem.
É nesse universo de duelos serenos
que tua voz inaudível
acompanha o ar invisível
e me conta os segredos
dos cantos mais sublimes
compostos por violentos silêncios,
é nesse cemitério vivo
que descanso minha visão
todas as manhãs, vendo-te partir
tão pleno,
como brisa de lirismo que desliza
na superfície adormecida
de um furacão...
E meus olhos choram sorrisos
a cada despedida,
acordados pela tristeza rara
de te ver, mesmo distante,
tão belo e tão eterno
todas as manhãs.
Frio que te quero quente...
Todas as manhãs cinzas serão verdes de Garcia,
enquanto teceres em meus olhos os dias,
enquanto houver dia,
poesia,
a-
manhã!
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