Ontem, assistindo ao inusitado
filme “Scott Pilgrim contra o mundo”, tive algumas impressões tristes (que já
tive em observações a DVDs anteriores, mas desta vez com acusações mais graves)
às famigeradas tarjas de classificação indicativa de faixa etária para filmes.
Já havia assistido ao trailer do
filme e, apesar de se tratar de um ‘blockbuster’ (ou seja, filme de entretenimento
puro, sem grandes preocupações com temas densos e/ou interesse em ser cultuado
como grande obra cinematográfica intelectual), sua linguagem inusitada,
mesclando cinema, quadrinhos e videogame, me atraíra. Nesse momento de extrema
seriedade e práticas entediantes no trabalho de professor (corrigir provas,
calcular médias, consertar diários, entre outros castigos da profissão),
precisava de um filme sem grandes apelos filosóficos e bom divertimento. Além
disso, gosto sempre de assistir a filmes voltados ao público teen – nós,
professores, sempre encontramos, nas boas obras cinematográficas do gênero,
material para trabalharmos na sala de aula.
“Scott Pilgrim contra o mundo” cumpre seu objetivo de entretenimento;
apesar de às vezes soar meio bobo e a velocidade da narrativa entontecer o
telespectador, sua abordagem misturando as linguagens do cinema, quadrinhos e
videogames inova os filmes do gênero. Além disso, Scott Pilgrim é um herói
diferente; ele não luta pelo mundo, e sim contra o mundo, enfrentando os sete
ex-namorados malignos de Ramona Flowers, a garota dos seus sonhos; seu objetivo
heróico é vencê-los e conseguir, assim, viver em paz com sua amada (outra
crítica que tenho ao filme é o fato de essa relação amorosa ter sido explorada
de forma mais superficial que no trailer – Scott Pilgrim se mostra apaixonado,
mas não com a intensidade que eu esperava quando assisti ao trailer do filme).
Críticas negativas à parte, o filme me conquistou pelos aspectos inusitados.
Aconselho a quem tiver de posse do DVD do filme que assistam, nos “Extras”, a
galeria de fotos que compara fragmentos da história em quadrinhos no qual o
filme é baseado com cenas do filme – a versão cinematográfica revisita as cenas
dos quadrinhos de forma quase literal, em resumo, uma adaptação fodástica dos
quadrinhos, se analisarmos apenas esse quesito.
Feitas todas as observações a
“Scott Pilgrim contra o mundo”, só uma coisa não se encaixava às dimensões
inusitadas do filme: a assustadora tarja indicativa de “Não recomendado para
menores de 18 anos” para um filme cujo protagonista, o super Scott Pilgrim, um
jovem de 23 anos, rejeita bebidas alcoólicas (ele só bebe Coca Zero) e condena
os fumantes (ele condena a conduta de Ramona Flowers, quando esta fuma, numa
das cenas excluídas do filme – ou seja, quem assistir apenas à versão editada
nem verá a musa de Scott Pilgrim fazendo uso desta droga lícita). A tarja que
recriminava menores de 18 anos a assistirem ao filme me informava que a obra cinematográfica continha “violência” (isso é evidente e inquestionável, tratando-se de um filme
de super-herói) e “consumo de drogas envolvendo adolescentes”. Peraí!!!
Adolescentes? A maioria dos personagens possui mais de 20 anos – com a rara
exceção da ex-namorada colegial de Scott, de 17 anos, mas que, em nenhuma cena,
demonstra estar alcoolizada ou coisa do tipo. Como assim “consumo de drogas
envolvendo adolescentes”?
Como um filme daqueles poderia ter a classificação indicativa de 18 anos, sem uma cena de nudez e nenhum palavrão (uma das personagens que xinga tem suas falas cortadas por aqueles ‘piiiiis’, sons que interrompem os palavrões que ela fala)?
Como um filme daqueles poderia ter a classificação indicativa de 18 anos, sem uma cena de nudez e nenhum palavrão (uma das personagens que xinga tem suas falas cortadas por aqueles ‘piiiiis’, sons que interrompem os palavrões que ela fala)?
Como assim classificação
indicativa 18 anos para “Scott Pilgrim contra o mundo”? Por quê? Não sei, só o
louco que deu tal classificação indicativa ao filme poderá justificar-se, não
sem se pegar em extrema contradição com a obra mal classificada. Não sei, não
posso dizer ao certo, mas desconfio – e, desde já, informo que não concordo –
do porquê. No enredo da história, Scott nos apresenta de forma quase completamente
natural um de seus jovens e melhores amigos, o seu “colega maneiro gay” Wallace
Wells. Como Scott divide uma espécie de quitinete com o rapaz, vemos Wallace
desfilar, exibir, namorar, acordar e dormir com diversos outros rapazes. Entre
os feitos de Wallace no filme, está o fato de ele seduzir o namorado da irmã de
Scott, que flagra os dois se beijando na boca. Além disso, entre os sete
ex-namorados malignos de Ramona Flowers que Scott precisava enfrentar, está a
lésbica e furiosa Roxy. Aos discípulos de homofóbicos de Marco Feliciano, só isso
poderia justificar a famigerada classificação indicativa de 18 anos para esse
filme teen, sem grandes pretensões. Se foi com base nisso que classificaram a
faixa etária do público apto a assistir a “Scott Pilgrim contra o mundo”, a
única coisa que posso constatar é: mais um episódio vergonhoso de nossa
sociedade hipócrita que tentar manter tabus tombados e mal resolvidos.
Não é a primeira vez que vejo filmes com
classificações indicativas que julguei extremamente equivocadas. Nunca entendi,
por exemplo, por que a maioria dos filmes de guerra trazem a classificação
indicativa para jovens acima de 16 anos, se os adolescentes já têm contato com
tais assuntos nas aulas de História a partir dos 6.ºs e 7.ºs anos de escolaridade
e, caso evitem o ambiente escolar, verão as mesmas guerras nos canais de tevê
aberta– ou algo que se pareça com o que convencionamos chamar de guerra, como
as ações de ‘pacificação’ da PM nas favelas do Rio de Janeiro Olímpico. Seja
como for, a classificação indicativa de faixa etária de “Scott Pilgrim contra o
mundo” me assustou, muito mais do que me assustaria qualquer filme de terror
com classificação indicativa para maiores de 18 anos. Medo terrível dos
preconceitos doentios que nossa sociedade hipócrita fabrica. Temo por nossos
jovens tratados como crianças sem autonomia, castas e assexuadas pelos
mecanismos pedagógicos pós-modernos de repressão.
Poi sé né!
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