Alguns cineastas que marcaram meu retiro cinéfilo das férias
desse último janeiro foram os asiáticos Wong Kar-Wai (Hong Kong) e Hirokazu Koreeda (Japão). Assisti à parte (e
pretendo assistir a muitas outras mais) das obras deles – de estilos bem diferentes,
mas ao mesmo tempo extremamente poéticos, cada um em sua forma peculiar - graças
ao blog Sonata Première, pois seus filmes Cult são de difícil acesso / locação
(antes eu só havia assistido ao premiado “Beijo roubado”; através do blog, pude
conhecer “Amores expressos”, “Felizes juntos” – que prefiro chamar de “Happy
Together”, pois o título original faz referência à famosa canção do The Turtles
–, os três de Wong Kar-Wai e “Boneca inflável” – este de Hirokazu Koreeda). De
todos esses, apesar da maravilhosa fotografia e roteiro de “Felizes juntos”, o
que mais me marcou foi o fodástico “Boneca inflável”. O filme causa um
estranhamento no início, pois seu pacto ficcional (o ato de adentrarmos no
universo imaginário do filme) se dá no plano do realismo fantástico: uma boneca
inflável, objeto sexual de um homem solitário, toma vida e, durante as manhãs e
tardes de ausência de seu dono, passa a andar pela cidade, conhecendo a
atmosfera opaca do cotidiano humano. Caminhando com ela pelo vazio da cidade
moderna, nós, os espectadores, nos damos conta de nós mesmos e o quanto da
conhecida solidão nossa coletiva há no universo que a boneca vê; o
estranhamento passa e estamos absolutamente envolvidos na trágica trajetória da
boneca inflável. O filme e os universos dos cineastas asiáticos citados me
marcaram tanto que o fenômeno da criação poética aconteceu naturalmente: como
tudo que amo e absorvo, a obra se tornou uma inspiração para um novo poema.
Para a produção desse poema, me baseei na temática de amor e
desamor, comum nos filmes de Wong Kar-Wai, e de vazio, impresso na obra-prima
de Hirokazu Koreeda. Para isso, também retomei a personagem “Ela” (referência a
uma música fodástica da antiga banda valenciana “Província”) de um conto
fantástico meu chamado “Figuras de linguagem”, ainda não publicado no blog, mas
presente em meu sexto livro “Diários de solidão” (2010). Inverti os papéis do
filme – o boneco inflável é o eu lírico e “Ela”, a dona, que, após algum tempo
de uso, abandona o homem-objeto. Os capítulos são divididos por frases de
efeito ditas pelos personagens do filme “Boneca Inflável” ou impressões
deixadas nos olhos do espectador (como é o caso do título do capítulo I). O
poema traz várias referências pops nacionais (há citações de músicas da Legião
Urbana, Herva Doce, Engenheiros do Hawaii, Biquíni Cavadão e até de funk – o “Bonecão do
posto”), imitando a característica de inspiração pop dos cineastas Wong Kar-Wai e Hirokazu Koreeda (em “Felizes
juntos”, há a clara referência “Happy together”, do The Turtles; em “Amores
Expressos”, “Califórnia Dreams”, do Mamas And Papas, é tocada frequentemente;
em “Boneca Inflável”, há referência a poemas e a filmes – como a “Pequena
sereia”, procurada incessantemente por um pai na locadora onde a boneca
inflável passa a trabalhar). Meu poema
traz uma temática menos densa que a do fodástico filme homenageado, mas tenta
seguir uma constante do universo cinematográfico de Wong Kar-Wai e Hirokazu Koreeda: a fragilidade e sutilezas
das relações humanas.
Nos enchamos de ar e caminhemos pelos universos poéticos de Wong
Kar-Wai e Hirokazu Koreeda, amigos leitores!
Boneco inflável
Parte I
A beleza é feia
Ela me dizia
Que eu era lindo,
Mas esqueceu de me informar
Que éramos jovens demais.
Ainda é cedo,
Eu lhe diria,
Mas Ela não me ouviria.
Saiu sem dizer adeus;
Talvez por isso Ela ficou em mim...
Andando pela cidade
Mais tarde,
Percebi sozinho
Que a beleza era vazia...
Parte II
Mãos frias é igual a coração quente
As mãos dela estavam quentes
Sobre meu ombro decadente.
Talvez eu fosse a solução
Pros seus problemas,
Mas fui problema sem solução.
Minhas mãos frias sobre a mesa aquecida
Pelo toque de suas mãos ardentes
Na colocação das cartas sobre a mesa.
No jogo da despedida,
A disputa acabou e eu perdi por W.O.
Eu deveria lhe dizer adeus,
Mas não disse.
Meu coração quente só percebeu o inverno
Quando Ela abriu a porta
E deu a partida...
Parte III
Somos todos vazios
O boneco do posto vive maluco,
Vive doidão,
Cheio de ar, cheio de vida artificial,
Enquanto consumidores exibem
Seu universo rarefeito
Na entrada e saída
Da loja de conveniência.
Realidade incoveniente
Ver tanta gente indiferente
Passando pelo boneco dançarino
Sem esboçar nenhum sorriso.
Nesses feriados sem Ela,
Minha mente não descansa
E, refém de pensamentos absurdos,
Imagino que o boneco do posto
Tão maluco, tão doidão
É só mais um homem inseguro
Enganando a solidão.
Parte IV
Dói ganhar um coração
Eu, que não a amava,
Agora fumo, bebo conhaque
E nem é mais inverno!
Agora percebo que tenho coração,
Mas ele bate demais.
Onde está a ferida
Que me abre?
Preciso estancá-la
Pra perder a falta de ar,,,
Então beijo outra e mais outras,
Assim volto a respirar,
Mas todo beijo acaba,
Então volto a esvaziar.
Parte V
Nem tudo é tristeza no mundo que vi
Enquanto as calçadas serviam
De lenço pra chuva,
Vi uma garota tentando abraçar
As gotas que caíam.
A garota tinha pressa,
A garota tinha vida,
A garota não era Ela,
A garota que, de repente,
Sorriu pra mim,
Fazendo cócegas de sol
Em meu coração sereno.
A garota era um sonho
Que eu não via;
Acordei e vi que a chuva infinita
Não mais me caía:
Seja tristeza, seja alegria,
O pra sempre sempre acaba.
Então percebi que pessoas tristes
Também sorriem;
Todas as estações passaram
E agora eu passo por Ela
Triste sorrindo,
Enchendo meu pulmão de ar,
Em busca da garota dos sonhos,
Em busca de um novo pra sempre
Que também vai acabar
(Dói, eu sei;
Mas é só de vez em quando).
Olá Guri!
ResponderExcluirUaulll!!! Simplesmente fantastico
se baseio bem em um tema que lhe rendeu belos versos. Muito bom
Bjim
Boneca Inflável parece ser muito louco! A ideia é original, e acho que é bom a gente tentar se ver de outra perspectiva...
ResponderExcluirVou procurar assistir!