Quando soube que o filme “As
aventuras de Pi” estava passando no Cine Glória, de Valença/RJ, não sei por que
tive uma reação de ojeriza ao filme (talvez – talvez não: com certeza - pelo
fato de ter 11 indicações ao Oscar – muitas indicações de um festival de filmes
que prima pela politicagem, com raras exceções, apego a valores estadunidenses
de patrotismo cego e autorreferências de nação narcisista, me fez desconfiar do
mais novo sucesso de bilheterias. Em resumo: não vi esse novo filme do diretor
Ang Lee (ainda, pois, como vários outros filmes, pretendo me despir dessa
pré-conceituação e assisti-lo – o que não tira minha desconfiança a obras
‘dignas de Oscar’), assim como não li o livro que o gerou (ainda também, por
ainda não ter acessado a obra – fato que resolvo em breve), não é o que me
importa agora, nem é o assunto dessa crônica que inicio. O fato é que tive uma
ojeriza inicial ao filme e não sei explicá-la direito; algo me fazia
antipatizar com a obra e me fez, inconscientemente, ignorar as notícias sobre ela.
Moacyr Scliar, o fodástico escritor "meio desconhecido" |
Algum tempo depois, ouvindo distraidamente
uma conversa alheia (sim, não há moralidade nesse quesito de produção
literária: cronistas têm ouvidos de fuxiqueiros e buscam assuntos pras suas
crônicas muitas vezes através desse viés), soube que o livro “Life of Pi”, do
canadense Yann Martel, obra que gerou o filme, foi acusada de ser um plágio de
uma obra de um escritor brasileiro do Rio Grande do Sul “meio desconhecido”.
Fiquei tentando imaginar qual era esse escritor gaúcho “meio desconhecido”.
Mais tarde, numa investigação virtual, descubro que o escritor gaúcho “meio
desconhecido” era o fodástico MOACYR SCLIAR (!!!) e o livro, possível vítima do
plágio, era “Max e os felinos” (1981). Sim, MOACYR SCLIAR, vencedor de 3
Prêmios Jabuti de Literatura (1988, 1993 e 2009), 1 Prêmio APCA (1989) e 1
Premio Casa de Las Américas (1989), sétimo ocupante da cadeira 31 da Academia
Brasileira de Letras, autor de mais de 60 livros, em sua maioria muito
elogiados pela crítica nacional e internacional, com obras traduzidas em
diversas línguas – inclusive para o inglês, cuja possível tradução o escritor
Yann Martel deve ter lido para realizar seu premiado (o autor ganhou o Prêmio Boker) 'quase plágio' bem-sucedido (as desculpas
esfarrapadas do canadense só comprovam mais sua culpa e a falta de fineza ao
considerar ter melhorado a "ideia" de outros escritores).
Obra de Moacyr Scliar, traduzida para o inglês |
Mas não é o caso do plágio que me
ofende (o próprio Scliar não quis processar o pretensioso Yann), não é o fato de o filme concorrer ao
Oscar que me chama a atenção, não, nada disso é o assunto dessa crônica, isso é
só uma introdução pra explosão, a montagem para a dinamite que me detona: o que
me dói é o “meio desconhecido”, é a falta de conhecimento da maioria da
população brasileira para escritores nacionais fodásticos como Moacyr Scliar
(ah, ninguém tem a obrigação de saber tudo, né? Pois a mídia nacional e
internacional sabia bem quem era Scliar, inclusive o escritor canadense Yann
Martel); o que me faz baixar a cabeça de vergonha é lembrar que sou brasileiro
numa hora dessas.
O tigre de bengala da capa de "Life of Pi" debochando do patriotismo brasileiro |
Dá vontade de chorar de raiva,
amigo leitor, e se você acha esse comportamento completamente inconcebível e/ou
inexplicável, só posso ter mais vontade de chorar de raiva, de medo de
mantermos pra sempre essa identidade nacional de povo que samba, é feliz e que
só valoriza as coisas de seu país nos momentos de folia parva. Aumentaram a
passagem do ônibus? Putaquepariu, vou reclamar no facebook, no twitter, e ficar
em casa. Mais
um político corrupto no Congresso Nacional? No próximo ano, vou votar no
Neymar, nada pode piorar, nosso negócio é driblar. Plagiaram a ideia de Moacyr Scliar? Ah,
é mesmo... e quem é esse cara?
Há muito mais que 50 tons de cinza na nossa relação
com a bandeira verde, azul, amarela e branca; maltratamos a pátria idolatrada, somos sadomasoquistas, gostamos de bater, gostamos de apanhar. Só não gostamos muito de pensar.
Me
desculpem, foi só um desabafo sem nexo, sei que vocês têm que sair, afinal hoje
é domingo de carnaval. Me desculpem, podem ir pra folia, curtam a vida, que é
bonita e é bonita; só me deixem aqui quieto no meu canto. Acho que vou ler “Max
e os felinos”, ficar diante da fera mais uma vez pra me distrair...
Bem dito o que foi dito por voce Carlos. Eu também fiquei sabendo dessa triste notícia e do descaramento desse escritor canadense, o que me indignou foi ele dizer que não via problema em pegar a ideia de um escritor medíocre e melhorá-la. Acredito que ele não saiba o significado da palavra medíocre.
ResponderExcluir"Putaquepariu" é a melhor expressão da indignação!
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