Suspeitas de que o poeta chileno Pablo Neruda foi
assassinado pelos protetores da Ditadura de Pinochet; Papa Bento XVI
renunciando ao trono do Vaticano, foliões passando mal e saindo hospitalizados
durante desfiles da Marquês de Sapucaí, a permanência do império do funk e do
sertanejo universitário nas paradas populares, conflitos infinitos entre
nações, corrupção contínua, aumento de violência nas cidades, crise econômica
na Europa, o presidente estadunidense Barack Obama cada vez mais canalha e
parecido com os seus antecessores, alienação crescente, ignorância quase
totalitária... Tempos estranhos, amigos leitores. Me vejo nesse contexto,
enquanto preparo meus poemas e textos de escritoramigos e fodásticos artistas
dos quais sou fã, meu repertório para o próximo Sarau Solidões Coletivas In Bar
11: “Depois das cinzas, a fênix mutante ressurge – Tributo ao rock e ao
movimento contracultural da década de 1970” , que será realizado no sábado após o
carnaval, no dia 16/02, às 19h, no Mineiru’s Restaurante, no Jardim de Cima,
Centro de Valença/RJ. Tudo isso somado a fatos angustiantes e recentes: o luto
pelo músico Adriano Gonçalves, a pressão de um novo ano e novos desafios,
começos de governos e desgovernos municipais, etc. Com tudo isso na cabeça,
estava pesquisando sobre o artista Torquato Neto (1944-1972), a pedido de
Juliana Guida Maia, que desejava declamar alguns poemas e composições dele,
porém sabia que grande parte da obra deste fodástico mestre da contracultura
brasileira das décadas de 1960 e 1970 pertencia à primeira década citada.
Resolvi estudar (Juliana e eu sempre fazemos isso, a cada
tema lançado para o sarau) um pouco sobre a obra e a vida de Torquato Neto nos
seus últimos anos de ‘supervivência’ (o artista era intenso demais e muito
envolvido com questões artísticas e políticas da e à frente de sua época para
dizermos que ele simplesmente viveu – havia chama demais nele para um simples
mortal). Após um período de exílio devido ao AI-5 e demais mecanismos de
censura e de repressão da Ditadura Militar, Torquato retornou ao Brasil, no
início dos anos 1970, e começou a se isolar, sentindo-se alienado tanto pelo
regime militar quanto pela "patrulha ideológica" de esquerda. Passou
por uma série de internações para tratar do alcoolismo e rompeu diversas amizades.
É dessa fase a letra de canção “O Nome do Mistério”, de sua autoria:
Eu poderia dizer,
que agora é tarde e o nosso amor é outro
que o nosso tempo agora
é o fim de tudo
e só nos resta alguns papéis
para rasgar
Eu poderia dizer,
que agora é tarde e o nosso amor é morto
que o nosso amor agora
é o fim do mundo
e não sobra nada mais
para esperar
Eu poderia dizer, mas eu não digo
sobre o mistério atrás de tudo isso
sobre o segredo, meu amor, que eu guardo
e que você vai ter que descobrir;
Eu poderia dizer, mas eu não digo
o nome do mistério, o nome disso
e vou por mim aqui silencifrado
de volta ao lar, meu bem, querendo ir
Toquato Neto (1970)
Em julho de
1971, Torquato escreveu para o artista Hélio Oiticica: "O chato, Hélio,
aqui, é que ninguém mais tem opinião sobre coisa alguma.” Na carta ele afirmava
que a época era marcada pela “poesia sem poesia, papo furado, ninguém está em
jogo, uma droga. Tudo parado, odeio."
No auge de
seu desespero, Torquato encerrou sua vida terrena: se matou , em 10 de novembro
de 1972, um dia depois de seu 28º aniversário.
E, mais uma
vez – dessa vez, num processo de pesquisa – o suicídio ronda a existência desse
blogueiro que vos escreve, amigos leitores, mais uma vítima induzida no
cemitério de minha cabeça. Encontro a nota suicida de Torquato Neto:
"FICO. Não consigo acompanhar a marcha do progresso de minha mulher ou sou
uma grande múmia que só pensa em múmias mesmo vivas e lindas feito a minha
mulher na sua louca disparada para o progresso. Tenho saudades como os cariocas
do tempo em que eu me sentia e achava que era um guia de cegos. Depois
começaram a ver e enquanto me contorcia de dores o cacho de banana caía. De
modo que FICO sossegado por aqui mesmo enquanto dure. Ana é uma SANTA de véu e
grinalda com um palhaço empacotado ao lado. Não acredito em amor de múmias e é
por isso que eu FICO e vou ficando por causa de este amor. Pra mim chega! Vocês
aí, peço o favor de não sacudirem demais o Thiago. Ele pode acordar".
Thiago era o filho de Torquato, de dois anos de idade. Os períodos finais da
carta ficam girando em minha cabeça e, durante o banho, diante de tudo que
vivemos e não vivemos, me veio um poema novo pensando em Torquato, pensando no
filho de Torquato, pensando em nós, viúvos de Torquato Neto.
Foi assim
que surgiu, numa avalanche só, os versos abaixo do meu novo poema, batizado de
“Por favor, não acorde meu filho”. Terminado o processo de criação quase
automático, amplamente desesperado, comecei a chorar, talvez por Torquato Neto,
talvez pelo Thiago com seus 2 anos de idade no começo de suas ilusões perdidas,
talvez por mim, talvez por todos nós. Parece loucura, mas, após escrever, eu
chorei. Não lágrimas de prazer por mais uma obra, mas sim soluços de
necessidade, sensação daquilo que a banda Capital Inicial já chamou em uma
canção de “Leve desespero”. Adianto aos amigos leitores que não tenho filhos. Para
produzir o texto, pensei em meus filhos poemas, em meus filhos seus olhos,
amigos leitores, dos quais eu me comprometi a cuidar desde quando decidi fazer
da minha escrita uma arte, desde quando decidi expor-me nesse blog para vocês.
Ao contrário da nota suicida de Torquato Neto, meu poema é um bilhete de vida,
uma tentativa do suicida em voltar atrás da sua decisão de dis-solução e sobreviver,
por mais um dia, por mim, por ti, por Torquato Neto, pela herança da
contracultura brasileira da década de 1970, por todo o mundo, por todos nós.
Arte sempre!
Por favor, não acorde meu filho
Trovões das novas trevas, por favor, não acordem meu filho...
Há descobertas de poetas envenenados, enterrados vivos,
Há ditadores deslumbrados com a moda artística do homicídio
coletivo,
Há dominadores assassinos admitidos na Academia de Letras
dos mortos-vivos,
Há o nascimento de uma nova revolução alienada composta por
foliões lascivos;
Trovões da Era Cibernética da Nova Idade Média, por favor, não
acordem meu filho!
Deixem-no sonhar com as flores astrais,
Deixem-no acreditar que a verdadeira Era de Aquário ainda
pode chegar.
Estetas das novas trevas, por favor, não acordem meu
filho...
Há uma reforma de cotas, castas e crenças na face simpática
do novo Absolutismo,
Há lamentações beatas pela partida tardia de mais um padre
da Bíblia do Nazismo,
Há serpentes insanas no Éden dos crentes na Religiosidade do
Grito Opressivo,
Há o medo rondando todas as portas, terroristas ianques
rindo do mundo se destruindo;
Estetas da Benção Benéfica do Novo Individualismo, por
favor, não acordem meu filho!
Deixem-no sonhar com os velhos mutantes,
Deixem-no acreditar que a Era dos Amores sem Preconceitos ainda
surgirá edificante.
Dia de amanhã, tão cinza em teu colorido, por favor, não
acorde meu filho...
Não permita que ele me veja mais uma vez com meus ombros
caídos,
Prestes a mais uma tentativa desesperada de suicídio,
A História cada vez amanhece mais feia, mas continua linda
nos olhos de meu menino;
Dia de amanhã tão desamanhecido, por favor, não acorde meu
filho!
Deixe-o sonhar com o elo perdido,
Deixe-o acreditar que o arco-íris ainda vai fascinar seu
horizonte infinito.
Seja o que for, por favor, não acorde meu filho
E me deixe acordar ao lado dele, quase esperançoso, ainda
vivo...
Ô Poeta. Ponho para tocar "Cajuína", na cabeça, enquanto leio e releio seus versos. Torquato, sempre! Na Arte, sempre. Em Você, agora, ambos, sempre!
ResponderExcluirMarilda Vivas.
Uma aula! Obrigado .
ResponderExcluirBeijos!!
Muito bom! Não adianta acordar, porque não tem jeito. Estamos todos fodidos.
ResponderExcluir...Estamos todos dormindo em berço esplendido!..
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