Hoje posto para vocês,
leitores, a solidão poética compartilhada mais louca, psicodélica e hipnótica que esse
blog já teve: um poema feito a quatro mãos, um dueto lisérgico realizado por
mim e por Carlos Orfeu em homenagem a Jim Morrison, vocalista da banda The
Doors. Após realizarmos, há tempos atrás, um poema escrito on-line, em tempo
real e em dupla chamado “Ode ao ódio destilado” (em homenagem à cachaça e sua
embriaguez – já publicado aqui no blog), Carlos Orfeu me convidou para
novamente fazermos um poema em conjunto. Como eu sabia do fã-natismo do
poetamigo pelas canções dos The Doors,
propus que o tema / inspiração fosse as canções da banda. Eis o
resultado: abrirmos as portas (the doors, em inglês) para um poema alucinado,
inspirado nas letras místicas e psicodélicas do lagarto-rei (como chamavam o
fodástico poeta, compositor e músico Jim Morrison). As estrofes com a cor
branca foram escritas por mim, as escritas em azul são do mais que psicodélico
poetamigo Carlos Orfeu.
Em tempo: o poema foi declamado por mim e por Carlos Orfeu, acompanhados dos acordes psicodélicos de hélio Sória, no Identidade Cultural e Movimento Culturista 7, organizado por Janaína da Cunha (postei o vídeo após o poema pra quem quiser conferir como foi essa viagem lírico-musical).
Que comece a viagem, amigos leitores!
Uma longa viagem de Jim
I
Light my fire
Seria falso dizer que você me
deixou,
seria frio o escuro se não
houvesse tanto calor...
Inspiração Nua, acenda a luz
E me diga: sou sua!
Acenda a
brasa de minha alma
com toda
vitalidade e vapor,
faça-me
dançar como os índios em torno da fogueira na celebração de um rito,
faça-me
uivar com meus infinitos lobos despertos no peito
Só precisamos de um pouco de Jim
pra acabar com esse pudor,
abrir as portas, curtir esse
estranho fulgor...
Qual é, Inspiração Nua, acenda-me
a luz, por favor!
Precisamos
de ponte para delirarmos no deserto,
precisamos
fugir,
precisamos
correr eletricamente nas rodas dos carros,
nas
patas dos cavalos de fogo
Yeah, Inspiração Nua, já vejo os
raios da lua,
a luz da rua tocarem sua substância
outrora obscura,
o quarto em chamas, seu corpo
cada vez mais exposto, a volta do amor
O
retorno de meu desejo,
as
crianças vestidas de quimeras,
os leões
rugindo na cidade,
os
corvos em cada muro em cada avenida grasnando
e eu à espera ardente de seu corpo,
Inspiração Nua, ama-me, venha no cio de minha alma.
II
The Crystal Ship
O verso não está preso, amigo,
são nossos olhos que veem cadeias
e cadeias diante deste Jim
são só ilusão
Vamos
desnudar nossa ótica e singrar as ondas de cristal
Sim, é a lua que brilha,
é o lagarto noturno que rasteja,
é essa a música,
é essa liberdade nos olhos
fechados
que enxergam o fim da ilusão
Nos
reverencia sorrindo lírio delírio, rasteja e rasga o infinito
sob as
brisas e prelúdios das aves estelares da garganta eterna do lagarto rei,
liberta os corpos das algemas da carne
Além das
veredas do fim, do nada o meio entre o abismo e o abstrato, vaga Jim, vaga
abrindo fendas, portas, colhendo seus ramos na lavra de cada alma que sonha
O espírito queima e trafega pelas
ruas
beijos, delírios, donzelas
prostitutas
de um poema sem fim
ah mais uma dose de Jim (Morrison
sem gelo, por favor!)
Neste
jogo louco, esta eternidade onde vaga, vaga Jim, vaga, Jim
E somos nós e Jim
on the road
na soturna noite
com sorrisos brilhantes
viajemos, companheiro, viajemos!
Bêbadas
avenidas, viadutos, asfaltos, postes chorando luzes amarelas, janelas abertas,
mormaço, brinde aceito, escorre líquido Jim entre nossas gargantas
E
tiramos os sapatos, provamos da estrada com pés descalços, como é bom sentir a
terra queimar, a lua a rolar debaixo da pele, logo o sol queimará e pisaremos em tudo,
sorveremos tudo; toda paisagem é líquida para nossos brandos peitos abertos como
janelas sem fechaduras.
Viajemos,
viajemos num carro lunar,
Viajemos
entre os trópicos estelares,
Entre os
continentes dos astros
E essa lucidez psicodélica é a
nossa identidade:
caminhemos pelas ruas escuras,
beijando a luz da loucura,
olhos fechados e mente aberta,
ali a garota de Ipanema vestida
de L.A. woman
Peixes,
sagitário, aquário em colisão
Os rios de fogo nos copos dos
bares
Eis que, com os olhos fechados, contemplamos o indizível desnudo, puro, e tocamos o corpo
da garota de Ipanema, numa louca dança, numa dócil orgia
E a garota de Ipanema diz:
toque-me
e seu corpo é feito de versos
loucos
e seu vestido é a inspiração mais
nua
E
aceitamos seu convite, e provamos dos seios noturnos, da rosa entre as pernas
acendamos
o fogo do cigarro que a garota lisérgica carrega
Seus
olhos são epifanias, a diáfana paisagem sem cor definida
Yeah, estamos loucos, amigo
de olhos fechados
a inspiração de pernas abertas
o movimento sensual da mente
liberta
E
bebemos a fragrância
E os venenos dela são antídotos
contra a falta de esperança
a chama da poesia não se apaga
nosso the end é a eternidade,
amigo poeta
Entre
nossos dedos, dançando num ballet russo enlouquecido, escorrem os versos
vertidos do ventre fecundo da terra eterna da alma
Sim, a terra noturna da terra
Planeta
a terra Planeta girando em nossa
alma
em nossos versos
contínua
frequente
eterna
Girando,
girando, giratório o verso transcendental
Somos demônios beatos nessa
noite, amigo poeta
E
ouvimos as batidas das ruas, dos esgotos, dos becos, de cada praça pública,
ouvimos os cantos ocultos, ouvimos a música do coração de cada humano em sua morada, ouvimos, ouvimos os lamentos dos quartos mudos, ouvimos as preces, os
sonhos, as esperanças, os sorrisos das crianças ainda em feto no útero da mãe e da mãe das mães que chora pelas mãos que a contaminam com sangue, arrancando suas
filhas, as árvores e os animais
Estamos queimando
queimando
girando e queimando
e o inferno é a realidade
derretendo em nossos olhos
nas ruas dessa longa viagem de Jim
nas ruas dessa longa viagem de Jim
Dançando,
dançando, dançando desprezando os limites do corpo, desgarramos dos sentidos,
da pele e osso, sejamos astrais, deixamos as estrelas voarem de nós como
borboletas, dançamos, dançamos, dançamos, dançamos nas ruas, queimando nossos
pés, contemplando a Ursa Maior, sendo súditos leais de Rimbaud e do Jim que corre em nós como brando tigre
Veja, meu
amigo, os leões vestidos de sangue e terno batido
Veja, meu
amigo, as serpentes vestidas de prostituição e drogas
Veja, meu
amigo, a pomba branca assassinada nas ruas de nossa viagem, vamos renascê-la com
nossa lira em fogo etéreo, nos guetos em murmúrios, nestes subúrbios, viajamos
no carro lunar, cujo motorista é Jim ao lado de Kerouac
Então abrimos os olhos
e estamos livres
a poesia voltou, meu amigo
o Jim acabou, mas a poesia
continua, amigo
amanheçamos
prontos para a calçada de corpos
sem poesia
atravessamos ressaqueados com
nosso carro invisível a falta de graça lírica desse dia
e sobrevivemos
mais à noite, outra dose de Jim
Não à
morte perante a poesia, somente liberdade e reinícios
A poesia voltou, amigo poeta
a poesia nunca nos abandonou
A poesia
nos ama, faz amor com nossas almas, nos beija em nossa boca, se torna fruto, em
nossa lavra
Vivamos a trágica rotina e
ressuscitemos novamente no fim do dia, amigo Orfeu
Somos
gigantes em nossa dor, somos pássaros em nossos céus, nossas asas batemos (os
ventos na plumagem inefável, nas veredas do horizonte) e dispersamos em
quatro pontos cardeais. A poesia, meu amigo, a poesia nos ama e deleita, nos
leva no colo tépido como filhos e somos filhos renascidos a cada dia do ventre
desta mãe eterna
Jim
descansa em pó e em paz, Jim reverencia os astros, a eternidade na forma de ave
azul, e nós vivos, sempre vivos, criando nossos corpos de versos renascidos do
campo branco dos vergéis das palavras em movimento, escrevemos como quem faz amor,
e goza e grita elétrico transbordando toda lira nos mares desertos de nossas
estradas.
A poesia
é eterna,
A poesia
não morre jamais!
Sou fã dos dois!
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