Hoje o blog chega a 100.ª solidão compartilhada e, mais vez,
minhas solidões poéticas estão muito bem acompanhadas: hoje divido meu espaço
lírico-virtual com a poetamiga Patrícia Corrêa, de Valença/RJ. Professora e
dona de uma poética extremamente emocionante e autoral, neste Dia dos
Professores, Patrícia nos dá sua melhor aula de lirismo: ela nos ensina a
encarar e a superar os obstáculos da vida através da poesia. Ao descobrir-se
vítima de uma doença chamada ceratocone (ela pensava que sua visão sofria de
hipermetropia, mas descobriu que era algo muito mais grave que isso), Patrícia
Corrêa fez dois dos poemas mais espetaculares que já li. Como Cruz e Sousa e
Glauco Mattoso, a escritora sublimou sua dor e a transformou o sofrimento em
dois dos poemas mais belos que já li.
Pra quem não sabe, a ceratocone é a diminuição da acuidade
visual (visão), proveniente do astigmatismo irregular (distorção de imagem
causada pela alteração da curvatura normal da córnea). A ceratocone atinge uma
pessoa a cada 2000, e, durante um período, é extremamente degenerativa, até um
determinado momento em que a doença estabiliza-se. Logo após o trauma da
descoberta de ser portadora de tal doença, há algum tempo atrás, Patrícia
mostrou-me esses poemas que posto hoje. Guardei-os para uma ocasião especial,
como toda obra-prima merece: a centésima solidão compartilhada, pra que
lembremos que a solidão pode ser coletiva, jamais egoísta, como alguns artistas
em redomas de falso ouro pensam; o Dia dos Professores, para que aprendamos que
toda dor pode ser sublimada pela arte, que sempre existe um caminho, por mais
que nosso sofrimento faça não vermos isso. Como diziam os antológicos versos de
Fernando Pessoa, “Quem quer passar além do Bojador / Tem que passar além da
dor.” Sim, Patrícia atravessou fronteiras do mais esmerado lirismo, viu muito
além da dor que tanto nos cega.
E também aprendi muito com os artistas com os quais
compartilho solidões poéticas. Sempre vale a pena compartilhar, quando a alma
não é pequena. Valeu, Patrícia Corrêa. Vale viajarmos cada vez mais pelas ondas
da poesia, amigos leitores.
Cegueira
Estou cego
De um olho só
Estou cego
De metade de mim
Estou cego
De um olho cego
Estou cego
De significado
Estou cego
Do olho direito
Estou cego
Do que também é esquerdo
Estou cego
Da parte que sente
Estou cego
De gente que diz apenas um
Estou cego
Da vida que virá
Estou cego
De tudo que vejo
Estou cego
Dentro e fora
Estou cego
Da parte que falta
Estou cego
Do inteiro
Estou cego
Estou cego
Estou cego
De não ver que
Estou cego
E estando cego
Cedo ou tarde não importa
Será sempre noite
Que nunca amanhece.
...Talvez somente o
cego de um olho só seja capaz de se utilizar desse olhar para quem não vê, para
ler nas entrelinhas do poema, que não basta enxergar, é preciso ter visão...
Ansiedade...
Sim
Sinto sono
Sinto fome
Sinto frio
Sim há sede
Sei meu nome
Sou eu mesmo
Sou vazio
Só na cidade
Sinto saudade
Sem realidade
Só solidão
Sim senhor
Seu doutor
Sem remédio
Só há tédio
Sem eu mesmo
Só há dor
Sem sanar essa dor
Só me resta...
Sensação desilusão
Sem verdade
Sem lamento
Sinto muito... mas já vou.
O primeiro poema "Cegueira"
ResponderExcluirdesta grande poeta gigante em sua dor
me trouxe a maraivlhosa lembrança do Jorge Luis Borges, que fechou os olhos externos
e abriu os internos, mostrando-nos seu rico universo, seus labirintos espelhados onde
vislumbramos o tigre,
Adorei estes poemas aquarelados de belos lumes
cintilantes de profunda poesia
Não basta ver é preciso enxergar!
ResponderExcluirLindo!!!