Há algum tempo venho dando sinais de um certo desgaste no
blog, mas evitava o assunto, como um raio de sol tenta desviar das nuvens
negras. Mas as nuvens negras não passam e provocam estrondosas tempestades
dentro e fora de meu universo coletivo particular.
Às vezes, me pego perguntando qual é o objetivo de fazer,
transmitir arte hoje em dia.
Você não vai alcançar o mundo, muitos abraçarão sua causa em
facebooks e outras redes proliferadoras de fakes intelectuais, mas quando
realmente olhar à sua volta contará nos dedos aqueles que compreendem os
caminhos e descaminhos da rota artística coletiva. Às vezes, mando um foda-se
pras dúvidas e apenas sigo em frente, louco pra não enlouquecer com tanta
lucidez absurda. Mas, isso é só às vezes, muito às vezes. Na maioria dos
momentos estou me perguntando, me auto-questionando, a partir de
questionamentos de outros que pouco se auto-questionam – eles são o que são e
ser o que são lhes significa ter suas posturas e conceitos estanques pra
poderem me mandar rever minhas posturas em eternas metamorfoses. De tanto me
questionar, descobri que o meu questionamento sobre arte estava completamente
equivocado. Comecei com a pergunta errada: a discussão não está na arte; está
em nós mesmos, os artistas questionadores. Vejo artistas pregando a criação de
um universo cultural mais amplo e mais justo, enquanto seus versos aumentam
centímetros de desigualdade no muro artístico entre ele e os outros, que estão
tentando fazer uma arte diferente da dele. Sou metralhado várias vezes por aliar
trash metal a bossa nova no mesmo sarau, como se os gêneros musicais vivessem
cada um em sua trincheira particular. E o que mais me emputece nisso tudo:
enquanto a metralhadora está apontada pra mim, nem o trash metal, nem a bossa
nova têm espaço algum nos planejamentos e programações culturais.
Outros alvejam o blog, dizendo que “muitas vezes” publico
“obras artísticas sofríveis e sem qualidade”. Então chego a outro ponto: o que
é qualidade? Segundo os padrões do início do século XX, Lima Barreto era um
escritor de bosta, que maltratava a língua portuguesa. Hoje o cara é visto como
um visionário e teve as portas da literatura abertas por Monteiro Lobato, um
dos mais questionados escritores do passado na crítica contemporânea. Um
escritor modernista é avaliado como péssimo por classicistas e vice-versa, os
trovadores em sua maioria julgam-se acima dos poetas como se a literatura e a
arte fossem um termômetro que se move de acordo com a análise parcial de cada
um.
Uma vez, num congresso, ouvi um sonetista me dizer que não
entendia o valor absurdo que dão a Drummond, só por causa de um “poema chato da
pedra no caminho”. Perguntei ao crítico se ele conhecia a “Máquina do mundo”,
“Elegia 1938”,
“José”, as rimas internas, o padrão rigoroso dos versos ‘sem rigor’ de Drummond.
A resposta foi “humpf” ignorante e ele permaneceu na tese de que Drummond
escrevia conversas e não poemas, pois estes deveriam ser metrificados segundo o
método sonetista (versos decassílabos, rimas, 2 estrofes com 4 versos e 2 estrofes com
3). Resumindo: Drummond – que ele nem conhecia direito – era um poeta de merda
para aquele sonetista. Me vejo sempre criticado por postar poemas meus e de
outros autores numa tentativa de diversificar gêneros e estilos (sempre falha,
é claro, sou tão pateta quanto qualquer outro autor que se propõe organizar o
que traz o sublime caótico da arte), criticado por quem jamais tentou isso ou o
fez de forma bem seletiva segundo critérios narcisistas. O incrível é que as
mesmas pessoas que falam em qualidade rejeitam qualquer associação com fascismo
e ou nazismo – transformam gêneros, autores e estilos literários diferentes
deles em ratos que devem ser isolados e executados em campos de não literatura
e matam futuros grandes artistas sem dó por não condizerem com o sistema de
qualidade que as mentes críticas alucinadamente criaram. As mesmas pessoas que
pregam esse fascismo e/ou nazismo literário clamam pelo apoio coletivo e pela
peregrinação em prol da arte livre – que deve seguir, é claro, as algemas de
qualidade que eles impuseram. E o que mais dói nisso tudo: enquanto os lados se
ignoram e se segregam, o espaço artístico coletivo continua esmagado pela
indiferença daqueles que desfazem de toda e qualquer forma artística.
Resumindo: enquanto os artistas se alvejam, se segregam, se
torturam, se debatem, se masturbam com suas visões estanques de arte, a arte
continua alienada da maioria esmagadora da população. Resumindo mais ainda:
enquanto elegemos quem é o melhor, quem é o mais foda, quem é o mais
desprezível, não há possíveis eleitores para escolherem o partido. Sendo curto
e grosso: os artistas estão em guerra por uma terra que não existe!!! Em suma:
estamos sumindo, por não assumirmos as nossas indiferenças com as diferenças
artísticas dos outros. Não estou dizendo que não há textos ruins, e sim em como estamos separando-os e como há
muita falta de autocrítica em nós mesmos. Já escrevi muita porcaria, sei disso. Passo dias em claro relendo alguns de
meus poemas, me perguntando onde errei; leio e releio os textos de outros
autores que posto no blog, pensando no que devo analisar deles, o que
selecionar, qual é o momento, bato cabeça com meus próprios pré-conceitos. E
sempre haverá um roxo que odiará o amarelo, por esta cor não fazer parte dele. Em
nome da qualidade indefinível (ou seja, ter padrões artísticos diferentes dos
dele), lá vai mais um texto para o campo de concentração dos ‘inaceitáveis’
pelo bom gosto particular. Enquanto isso, a poesia contemporânea e outros gêneros
artísticos, admirados pela crítica ‘especializada’, nunca foram tão herméticos
e tão impopulares (não confundir com impopulista, por favor) quanto nos tempos
atuais. Brincamos de oróbulos, estamos comendo a nós mesmos, cachorros caçando
o próprio rabo. E não me venham com aquele papo de super-homem, de que ‘só os
selecionados’ darão valor a nossa arte cheia de pré-conceitos. Vou te contar
quem são os selecionados: nossa família, um ou outro puxa-saco de sobrenomes
pomposos e meia dúzia de seletos amigos. E aí é que está a foda mal tirada: do
lado de fora desses selecionados tem uma porrada de escritores e leitores em
potencial que estamos ignorando por ficarmos nos rachando em prol da qualidade
pré-concebida. Me lembro dos versos de “Beautiful”, de Cristina Aguilera (sim,
é pop, não é nenhum Alfredo Bosi, e daí? E se eu não tivesse te informado a autoria, hein?):
“Não importa o que fazemos
(não importa o que fazemos)
Não importa o que dizemos
(não importa o que dizemos)
Nós somos a música dentro da melodia
Cheia de erros bonitos
E para onde nós formos
(e para onde nós formos)
O sol sempre brilhará
(sol sempre brilhará)
Mas amanhã a gente poderá acordar
No outro lado
Porque nós somos bonitos não importa o que eles disserem
Sim, palavras não vão nos fazer cair
Nós somos bonitos em todos os sentidos
Sim, palavras não vão nos fazer cair
Então, não me faça cair hoje"
E o blog segue seu caminho. Como bem diria a poeta fodástica
Janaína da Cunha, somos a mesma estrada, cada um com suas devidas retas e
curvas, e o caminho está bonito demais. Precisamos mesmo é de carros leitores e
não de semáforos nas pistas vazias. E isso tudo só foi mais um desabafo de
alguém que tem sido bastante questionado por quem não se questiona demais. Enquanto
as pedras são pra minha expressão artística, aceito de bom grado. Mas quando os
alvos são outros artistas com quem divido o espaço, me jogo na frente (dizer:
“quem não tiver nenhum pecado que atire a primeira pedra” não funciona para os
donos de verdades absolutas). Depois de um tempo apedrejado, é preciso um
instante de desabafo. Tava meio de saco cheio (esperamos sempre ataques
externos, não da nossa classe; a porrada dói pra caralho). Já foi. Passou.
Agora seguimos em frente. E,
por favor, não me faça cair hoje.