Rita Lee errou. “O rock errou”
(trocadilho com a palavra “rock’n roll”, colocado como título de uma canção de
Lobão, na qual o compositor aponta os diversos problemas mundiais que tal
gênero musical enfrentou e não resolveu). As duas afirmações poderiam ser condenadas
como um julgamento arrogante ao episódio da briga entre Rita Lee e os policiais
militares de Sergipe no último show (de encerramento da carreira) da cantora,
que culminou na prisão da eterna musa do rock brasileiro. Poderia ser um
julgamento arrogante, mas a atualidade diz que não é.
Com o surgimento da internet e a
possibilidade de sermos autores e defensores de nossos próprios pontos de
vistas, a realidade dos fatos passou a ser cada vez mais relativa. Podemos
alterá-la, fragmentá-la, distorcê-la e contorcê-la à vontade. Vivemos um
admirável mundo novo virtual, de possibilidades; a realidade é mera vítima de
milhões de pontos de vista que nos permitem sermos incoerentes e inconsequentes
com nossas verdades. Assim é fácil condenar Rita Lee, condenar o rock n’ roll,
condenar os policiais militares do Estado de Sergipe, condenar a proibição da
maconha; é fácil condenar qualquer coisa hoje em dia. E gostamos do que é
fácil, sim, nós adoramos condenar tudo sem analisar nada na realidade.
O ato violento dos policiais
militares ao revistarem e agredirem o público do evento, em desrespeito aos
pedidos e ao show da cantora, é condenável. Então milhões de pessoas condenam e
expressam frases moralizantes de ódio, calúnias e insultos aos funcionários do
Estado. A agressão verbal de Rita Lee aos policiais foi exagerada e,
consequentemente, se torna condenável. Então milhões de pessoas condenam e
expressam frases moralizantes de ódio, calúnias e insultos à cantora. Os dois
lados pecaram e exageraram nos seus atos; não, para os milhões de pessoas isso
não importa. O que importa é defender um lado, um ponto de vista e usar a
liberdade de expressão para agredir, esfolar, triturar, massacrar, desrespeitar
e impossibilitar a liberdade de expressão do outro.
Esse é o problema e é por isso
que digo que Rita Lee errou. Ao dizer aos policiais que o show era dela (“Esse
show é meu!”), Rita esqueceu das câmeras, esqueceu do mundo atual, esqueceu
que, quando registrado por todos, o show se torna nosso. E todo mundo esquece a
importância da artista (destaco a canção “Obrigado não” – tanto a música quanto
o clipe -, um hino rock de repúdio aos nossos mais tórridos preconceitos), e
todo mundo esquece os homens por trás das fardas, e todo mundo esquece que
errar é humano, e todo mundo esquece que é humano pra se tornar juiz onipotente
da humanidade. E ninguém respeita a carreira de grandes sucessos e revoluções
musicais da Rita Lee, e ninguém respeita as dificuldades de um policial
militar, e ninguém nunca faria algo parecido com o que ambos os lados fizeram,
e ninguém erra, e ninguém pode tirar o direito de cada um exibir sua estupidez
em forma de discurso moralizante. Quando brinco chamando a atualidade de
“trevas coloridas” é isso que observo: vivemos na obscuridade de nossas
clarezas, usamos e abusamos dos benefícios da diversidade, ocultando a ditadura
das individualidades guardada em nossa falta de cor própria.
Rita Lee errou. O rock errou. A polícia militar errou.
Todos nós erramos. E Rita Lee foi presa. E o rock foi mais uma vez interrompido.
E a polícia militar foi mais uma vez autoritária. E nós, os errados, condenamos
os já condenados e não enxergamos a nós mesmos. Somos juízes corruptos impunes
a julgar o mundo entre erros e acertos, entre curtir e compartilhar, entre
bloquear e retuitar, reinamos absolutos em nossos próprios umbigos, insultando
e condenando os umbigos do mundo.
Interessante esse assunto. Expressar nossa opinião na rua com nossos amigos é apenas expressar nossa opinião... Expressar nossa opinião na internet passa a ser um julgamento, e isso pode ser fatal. Muito bom esse texto Carlos Brunno. Parabéns mais uma vez!!! (João Jr)
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