Dia 21 de julho é véspera da véspera do aniversário do blog (no dia
23/07, o “Diários de Solidões Coletivas” fará 4 anos de existência, resistência
e insistência). Em 21 de julho de 1990, ou seja, há 25 anos, Roger Waters,
ex-integrante da banda inglesa Pink Floyd, fez um megashow na Alemanha, em
comemoração à queda do muro de Berlim. Hoje, 25 anos depois, o blogueiro que
vos escreve traz um outro muro – quase inquebrável, terrivelmente existencial:
inspirado na História em Quadrinhos (HQ) “O muro”, de Céline Fraipont e Pierre
Bailly, traduzida por Fernando Scheibe, lançada pela Editora Nemo e lida por
mim num fôlego só na última madrugada, escrevi um novo poema, reflexo dessa
leitura febril e melancolicamente entusiasmada das vibrantes desventuras da
protagonista Rosie, uma menina de 13 anos, residente em uma monótona
cidadezinha do interior belga, que se vê entregue à própria sorte (sua mãe
fugiu com outro homem numa aventura amorosa e seu pai vive mergulhado no
trabalho). A narrativa se passa em 1988 e traz uma história poética e
melancolicamente cativante e intensa, arrastando a nós, leitores, pelos (des)caminhos
obscuros de uma adolescência problemática ao som do punk rock.
Como toda obra artística que faz meu eu leitor se comover e ‘trans(ins)pirar’,
não agi passivamente após concluir a leitura dessa fodástica obra-prima em
quadrinhos: acabei criando um poema/conto em versos, passeando com minha poesia
pelas transformações/(des)caminhos da protagonista adolescente Rosie. Além da
fodástica HQ “O muro”, o meu poema traz dois “cês” – um c da super-melancólica
canção “Clarisse”, da banda Legião Urbana, e um c de Clarice Lispector (me
preparando para o tema ‘equívocos’ com toques líricos lispectorianos, sugerido
pela poetamiga Rosangela Carvalho), um “l” de Lygia Fagundes Telles, muito da
melancolia de The Cure (que a protagonista da HQ ouve constantemente) e uma
tentativa de explorar o estilo poético (presente também na HQ) de transformar
fatos banais em lirismo magnífico que consagrou a banda gaúcha de rock Nenhum
de Nós em álbuns como “Histórias reais, seres extraordinários”.
Bem-vinda ao meu louco universo lírico, Rosie. Boa leitura, amigos
leitores, HQs e Poesia Sempre!
Rosie
Órfã de pais vivos,
abandonada no casarão,
com medo da escuridão,
pobre menina rica,
esquecida pela pobre ex-amiga,
tomando mil banhos quentes
para me aquecer
(ou esquecer?),
nenhum sonho como alívio,
nem mesmo um monstro noturno,
apenas o monstro diário do medo:
eu mesma no espelho.
13 anos – quase quatorze –
13 anos e a primeira menstruação veio hoje
- finalmente mulher?
Não... A maturidade é apenas uma lágrima
que sai de meus olhos de criança
sem cair em lugar nenhum;
apenas eu caindo erguida
ao lado do uísque roubado de papai,
bebido na sala vazia,
tão sem vida quanto as cartas distantes
que mamãe me envia de outros horizontes
mas que nunca leio.
Cartas cegas trancadas na gaveta da cômoda
- sou eu vendo o tempo passar
sem olhar pra janela,
sem ver o tempo passar.
Já acreditei que ficar em cima do muro
seria sempre o meu lar,
uma espécie de paraíso particular,
bebendo mais uma garrafa roubada
do extenso balcão de bebidas de papai,
fumando cigarros escondida,
esperando pela eterna amiga
que pôs fim à eternidade
porque seus pais me consideram má companhia
- 13 anos e me sinto velha e sozinha,
13 anos – cada vez mais quase quatorze;
ela me disse que jamais me abandonaria
e agora é só o muro e eu
como se fôssemos um só
eternamente sós.
Então você apareceu,
jovem judeu perdido,
primeiro encostado ao muro,
eu 13 – quase quatorze –
e você dezesseis.
“Rosie, seu nome parece o de um porquinho”,
você brincou;
no rosto um sorriso triste sem dor
como um cavalheiro que oferece uma rosa nova
para um canteiro onde só florescem espinhos...
- Se eu fosse um, você me protegeria,
estranho jovem lindo judeu? – eu talvez retrucasse
se eu não fosse eu...
o monstro silêncio nos lábios cerrados:
eu não sabia o que dizer pra você.
Mesmo assim, você voltou aqui,
apesar do meu mundo mudo,
apesar de todo monstro eu,
você reapareceu
pra resgatar a princesa
que sempre neguei a mim mesma
- sou sapo que vira Julieta
na companhia de um inusitado Romeu.
Você trazia valsas punks no walkman,
letras de canções que – 13 anos e tão ininteligível –
demorei para entender;
quando reparei, já estava ao meu lado
em cima do muro,
era todo meu, todo eu,
meu príncipe encantado nas vestes de um rebelde plebeu,
você foi todo meu, mesmo quando nunca me pertenceu.
Do muro para sua casa,
The Cure na vitrola enquanto me beijava,
o monstro adormecido na voz de Robert Smith,
o uísque roubado de meu pai
e o haxixe que você vendia pra sobreviver,
nossa solidão embriagada, dopada, quase curada,
éramos o mundo todo em seu quarto de zé ninguém,
The Cure, Sonic Youth, Ramones
13 anos eu – quase quatorze – e você dezesseis,
éramos todo mundo e outros tudos eram ninguém.
Entre uma visita e outra a sua casa, você me Cureava,
13 anos e eu, mesmo toda errada, me sentia curada,
sem medo do escuro, pois estava com você...
Mas um dia não encontrei mais você;
um carro bêbado atropelou você,
o jovem motoqueiro louco judeu
sem capacete
e, agora, sem vida também...
Quatorze anos – voltando aos 13 –
novamente
completamente
somente eu,
tentando seguir em frente,
sobreviver à falta de futuro
como você tantas vezes sobreviveu...
Um vento frio em meu rosto,
quatorze anos eu
e você bonito e inacessível
com seus eternos dezesseis
caminhando invisível ao meu lado,
o mais lindo e mais louco judeu,
seguindo em frente comigo pelo breu...
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