Escrevo com meu pé ainda meio torcido e o coração e a alma
inteiros e satisfeitos. A causa deste estado físico e espiritual foi o primeiro
dia do Lollapalooza Brasil 2013 (29 de março).
Há muito tempo atrás, havia comprado meu ingresso e a
ansiedade para assistir a Agridoce, Of Monster and Men, Cake e The Killers era
imensa. Numa aventura que se iniciou no dia 28 de março, quando conquistei a
última passagem de Teresópolis para São Paulo no 22:00h, cheguei em São Paulo na manhã do
dia 29 de março, dei um tempo na rodoviária, peguei informações, passei
informações (por incrível que pareça, por mais turista que eu fosse, devido ao
feriado da Páscoa, fui interrogado por diversos outros turistas sobre pontos em São Paulo , como se eu
fosse um legítimo paulistano – deve ser o cabelo pintado de vermelho, não muito
comum em outras terras, fora da capital paulista, cujo povo é reconhecido como
protagonistas de um dos universos mais fashions brasileiros. Como as perguntas
eram simples – é pra cá que chego no metrô? É nessa direção o Jockey Club? – me
senti um autêntico paulistano passando corretamente as informações, mas o meu
sotaque fluminense-caipira sempre denunciava ao interlocutor que ele havia sido
informado por um ‘estrangeiro’ de Sampa) e, às 10:30, já me encontrava na fila
de entrada para o Jockey Club, o local de entrada para o Festival Lollapalooza
Brasil 2013. Mofei bastante na entrada – ao contrário do que dizia o site do
Lolla, os portões não foram abertos às 11:00h, e sim às quase 12h.
Abertos os portões, passada a chata – mas necessária -
revista dos seguranças, entregue o ingresso, lá estava eu diante de um universo
imenso e fantástico, programado pra ser um paraíso onde São Paulo seria
preenchida por música. De cara, vi no palco “Alternativo”, a passagem de som da
banda Tokyo Savannah. Empolgados com a chegada do público, eles aproveitaram
pra antecipar uma canção do show – um rock cheio de distorções, agitado e bem
contemporâneo; não é do estilo que mais me agrada, porém serviu pra provocar a
primeira agitação em mim.
Como as bandas iniciais não me interessavam muito, dei uma
volta no espaço do Jockey Club: fui na famosa roda gigante do Lolla-Heineken e
ainda ganhei de brinde um chopp Heineken (não deu porre, claro, mas já começou
a enriquecer minhas memórias com a festividade transmitida pelo álcool); passei
pelos stands, onde ferviam seduções consumistas – o Chilli Beans oferecia
raspadinhas com descontos para a compra de seus óculos; várias pessoas
aproveitavam o momento, mas eu não vim aqui pra comprar óculos – eu vim para,
como a cidade de São Paulo, me preencher de música. Aproveitei as voltas pra
comprar várias fichas (chamadas de pillas) para minha alimentação e bebedeira,
enquanto as filas estavam pequenas, quase inexistentes – mais tarde, eu passaria
por ali e veria filas extensas e quase infinitas, feliz da vida de ter me
antecipado pra não passar por esses momentos tediosos.
13:50h e já estou em frente ao palco “Cidade Jardim”, onde
rolará o tão esperado Agridoce – a banda
foi em Rio das Flores/RJ, num domingo, data impossível pra mim, pois viajo para
o Rio no mesmo dia e trabalho em Teresópolis/RJ às segundas. Desde quando a
Pitty e Martin criaram esse projeto musical paralelo, esperava ansiosamente
ouvi-los ao vivo e, quando vi o nome do Agridoce no dia 29 de março, me
convenci mais uma vez que havia escolhido o melhor dia do festival Lolla pra
mim. Claro que o som do Agridoce, mais intimista e psicodélico, não é o mais
indicado para um evento em local aberto, mas a eficiência, qualidade e carisma
da banda compensam as limitações que poderiam haver. Uma palavra: fodástico!!!
A banda mandou todos os sucessos do Agridoce, mais algumas inéditas e um cover
bem executado de “Across the universe”, dos Beatles, para uma platéia atenta e
extasiada com o som. O único porém é que achei a voz de Martin anasalada demais
nas duas primeiras canções, forçada demais em comparação às versões estúdio,
mas já na terceira o próprio músico e cantor já alterava o tom e ofuscava a
primeira impressão que tive. Pitty anunciou ao público que este seria um dos
últimos shows do projeto Agridoce e mostrou-se empolgada em saber que o
festival trazia uma tradutora de libras – interessante: o Lolla escalou
tradutores de libras pra todas as bandas - para as canções da banda (“legal
nosso som estar chegando em outras formas pra outras pessoas curtirem. Diz pra
eles: espero que estejam gostando”). Portadores de necessidades especiais ou
não, gostamos muito do show do Agridoce, Pitty, eu lhe responderia se pudesse
me ouvir. Deixará saudades nos seus fãs – inclusive eu - e agradeço muito aos
deuses da música por terem me proporcionado a oportunidade de ouvi-los ao vivo.
Após isso, corri para o palco “Butantã”, para ouvir a
fodástica “Of Monsters and Men”, banda cujo CD eu havia comprado e ouvido na
véspera do festival e cujo som – bem no estilo Arcade Fire – tinha me agradado
muitíssimo. O show deles é contagiante, parece que nossa alma flutua livre em
correntes sonoras de êxtase coletivo. O público – incluindo eu, é claro –
pulava e cantava as canções, numa celebração do show da banda, da vida, de
estar ali vivo curtindo tudo isso! “Of Monsters and Men” retribuía com um show
antológico, empolgante e satisfeito com a receptividade elétrica do público. A
chuva iniciava seu ritual e festejava conosco, os pingos caíam sobre nossos
ombros de forma tão leve que pareciam comemorar cada música executada
magistralmente conosco. O show foi tão bom que, quando eles avisaram que
estavam na última canção, o público claramente lamentava o fim do êxtase e
continuava cantando junto e pulando nos momentos finais da banda, como se
aqueles fossem os últimos momentos de curtimos as alegrias de nossas vidas.
Show inesquecível. Sortudos aqueles que assistiram o show extra da banda no dia
seguinte, no Side Show do Lolla que iria rolar no Cine Jóia, dia 30, às 00:30h.
A banda “The Temper Trap”, no palco “Cidade Jardim”, vista
rapidamente de longe, parecia interessante, mas não estava na minha lista de
favoritos. Aproveitei pra atravessar em meio ao lamaçal, ir ao banheiro, me
alimentar e beber; rockeiro com IA (Idade Avançada) não para em pé sem comida e
álcool. Depois, nova correria pra chegar mais próximo do palco “Butantã”, onde
rolaria a tão esperada Cake. Algum tempo mofando e me espremendo, cheguei o mais
próximo possível do palco. Depois de muito tempo – o show do The Temper Trap
ainda rolava no outro palco quando cheguei -, o Cake chegou, ganhando uma festa
de aplausos. Chegou e correspondeu fodasticamente aos aplausos: os integrantes
fizeram um show antológico, interativo (o vocalista falava constantemente com o
público, pedia pra cantarmos juntos com ele, etc – muita coisa que ele disse me
fugiu, pois meu inglês parco não acompanhava o ritmo de sua fala; é, preciso
voltar ao meu cursinho de inglês urgentemente!) e levaram o público ao delírio.
Destaque para as versões de “I will survive” e “War Pigs” (esta última, tocada
após diversos pedidos do público) e as fodásticas canções próprias “Short
Skirt, Long Jacket” e “Never There”. Meus pés dão os primeiros sinais de IA
(Idade Avançada), mas, quem quer curtir plenamente o Lolla, precisa atravessar
o campo enlamaçado, a dor e todas as limitações físicas.
Após uma breve pausa, corro para o palco “Cidade Jardim”,
onde rolava a estranha “The Flaming Lips”. Num espetáculo exagerado de luzes e
sonoridades obscuras – confesso que achei chato demais em diversos momentos e
considero muito esquisito ter visto o vocalista com uma boneca de brinquedo,
como se ela exprimisse um sentimento sublime em suas composições estranhas,
além do “Come on, motherfuckers!” que ele dirigiu ao público e que até agora
não engoli – ninguém tem obrigação de curtir um som obscuro como o deles e
aplaudi-los só porque vieram da putaquepariu! Em resumo, vão tomarnocu,
motherfuckers do The Flaming Lips. Eu estava ali só pra chegar o mais próximo
possível do palco para o show do The Killers (lamento, fãs do Deadmau5, mas meu
objetivo era o show do The Killers e, pra conseguir ficar mais próximo,
sacrifiquei a oportunidade de assistir ao Deadmau5).
Depois de muito esperar, espremido, sujo e já com o pé
completamente dolorido, no meio do mau cheiro, público apertando-se, lamaçal,
finalmente chego ao gran finale dessa trip: THE KILLERS!!! Yeah, os caras nem
deram boa noite, já vieram mandando fodasticamente bem “Mr. Brightside” e
“Spaceman”, levantando a galera, nos levando ao delírio. The Killers mataram o
tédio da espera e fizeram um show mais-que-antológico. É inexprimível o que
sinto quando os ouço e quando lembro deles ao vivo: é um misto de delírio e
paixão agitada à flor da pele, sinto vontade de pular em calmo desespero,
cantar e me surpreender calado ouvindo-os, chorar sorrindo, sentir toda dor e
alegria de estar vivo, de estar ali, ouvindo-os, interagindo com eles. Meu pé
já não aguentava mais nada, devo tê-lo torcido, mas – foda-se – continuo
pulando e Jack Flowers e os demais integrantes do The Killers parecem trazer a
sonoridade que me fará sublimar minha dor, resistir à toda dor e solidão na
entrega da música, da integração com o público. Nem falo do clima, tão em
delírio quanto o público – ora abafado, ora garoando -, não havia temporal ou
calor em mim naquele momento; apenas um êxtase interminável. “A Durstland
Fairytale” e “Runaways” não saem da minha memória; comecei a chorar por uma felicidade
intensa que eu não conseguia controlar, a dor imensa e a empolgação também.
Após essas músicas, me afastei do aperto de estar próximo do meio à frente do
palco e assisti ao restante do show mais distante; meu coração disparava, o pé
doía demais e, mesmo mais afastado, a música ainda me transportava a um mundo
onde toda dor permaneceria sublimada em prol da vida eterna, da continuidade de
cada canção, de cada sensação ao infinito da arte.
Terminado o show, me dirijo, na máxima velocidade que consigo
fazer mancando, na direção da saída para o metrô. Me sinto o Pingüim, do filme
“Batman – O retorno”, sujo, vindo do esgoto, mancando, e, apesar de toda
vilania do mundo, ainda digno de estar vivo, de continuar. Sigo para a
rodoviária, a dor constante no pé, o corpo castigado e a alma cada vez mais
elevada; o poderoso show do The Killers matou algum monstro de fraqueza em mim
e me ressuscitou mais vivo, apesar de dolorido, mais livre. Parto no ônibus de
00:10h, de São Paulo ao Rio de Janeiro, depois disso, seguirei do Rio para
Teresópolis; estou vivo, estou mortalmente mais vivo do que nunca (engraçado
saber que quem me trouxe essa sensação foi o show de uma banda cujo nome
traduzido para o português significa “Os assassinos”). Adormeço no ônibus, sem
sonhar, pois os sonhos já tinham passeado comigo pelo Lolla, estavam tão
cansados e satisfeitos quanto eu.