quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

O quarto poema pandêmico: De onde vêm os quintanares que ouves nos tempos de pandemia

Hoje, no penúltimo dia deste estranho 2021 (as lágrimas celestes insistem em relembrar os momentos turbulentos pelo qual passamos), deixo mais um dos poemas que classifiquei como pandêmicos. Escrito no meio de outubro do ano passado, o poema abaixo foi uma tentativa (meio vã, pois a pandemia se estende[u]) de trazer um ar lírico mais esperançoso, e, ao mesmo tempo, fazer uma homenagem ao universo lírico maravilhoso do Mestre Poeta-Maior Mario Quintana (ele sempre me enche de perspectivas líricas positivas em momentos conturbados, por isso sempre apelo aos seus anjos, personas e personagens, quase como uma súplica/ode/oração ao filho mais sublime de Alegrete).
Pouca coisa mudou pra melhor nos tempos logo após eu escrever o poema, mas, seja como for, fica a promessa de esperança, a súplica ao anjo ‘quintanar’ Malaquias (eu lírico do poema hoje postado) por dias melhores. Que, após a dança macabra, venha a contradança do Amor.

De onde vêm os quintanares que ouves nos tempos de pandemia

Quando vi, entre as casas, o mal surgir
Com as vestes vorazes da pandemia,
Bem que eu quis dar as asas aos humanos,
Assim como eles a mim dão-me os ombros,
Mas as nuvens, meus amores ideais,
E os pássaros, assessores alados,
Com os homens, bem menos rancorosos,
Não me deixavam fingir falsa paz:
“Olha o menininho doente ali,
Tão novinho já vai ter que partir;
Olha a Tia Tula, toda perdida,
Aflita, orando mil Aves Marias;
Olha como chora aquele Fulano
Desempregado e só como Sicrano;
Olha naquela rua, quanto assombro,
Em Cataventos, só passeia escombro;
Olha como o vírus maligno vai
Arrastando os filhos de nosso Pai!”
E, diante de tanta ladainha,
Acolhi os pedidos contrariado.
Sem grandes saberes de medicina,
Mas, pela natureza, arrebatado,
Tornei-me o vento que sopra a esperança,
Que, mascarado, no alheio ouvido canta:
“Tudo vai passar, adulta criança,
Basta te cuidares, ter segurança,
Pois o mal que, hoje, contigo dança
É mau dançarino, uma hora cansa;
Em casa ou a alguns metros de distância,
O Amor te espera para a contradança”.
Carlos Brunno Silva Barbosa



quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

Ode embriagada a Teresópolis: O Grito de Dependência do Bardo Afilhado Às Margens do Rio Paquequer

Após o término do ano letivo, fiz o que quase sempre costumo fazer, seja em anos bons ou ruins: fiquei um tempo a mais em Teresópolis/RJ, outrora, muito inicialmente, vista por mim como a cidade onde trabalho, logo depois e até hoje elevada à cidade lírica afetiva que reside em minhas paqueras e em minha alma de poeta. Nesses tempos posteriores à temporada de trabalho, faço tudo o que mais amo fazer nesta maravilhosa cidade serrana problemática: passear à margem de sua plataforma conservadora (sim, Teresópolis é dessas que posam discursos de manutenção dos costumes dos tempos de Dona Teresa e atalhos para o que há de mais retrógado, mas também possui muitos pontos de fuga do senso comum, uma vanguarda oprimida, mas magnífica, universos singulares encontráveis em curvas e desvios de sua estrada aparentemente imutável), participar de protestos (sem desmerecer nenhuma causa, mas quem nunca em Teresópolis? – a cidade é tão escandalizadora em tradicional opressividade que protestar torna-se uma necessidade básica na cidade, outrora dos Festivais, hoje da monarquia das injustiças sociais), curtir magníficos eventos culturais (sim, o legado de Cidade dos Festivais deixa nela uma aura permanente de efervescência artística continuamente renovada) e provocar sua energia boemia contidamente incontida.
Nessas trocas de sentimentos contraditórios e loucuras lúcidas com a cidade, de vez em quando me escapa um poema meio ode embriagada, meio doido lúcido (já justificando o conteúdo embriagado do escrito lírico, mesclado com versos metrificados). Publicado na Antologia Bardos Teresopolitanos (Editora Uniclap), organizado por Alessandro Lopes Silva e Artur Esteves, “O Grito de Dependência do Bardo Afilhado Às Margens do Rio Paquequer”, que compartilho hoje, com vocês, amigos leitores, é um desses casos de odes embriagadas que escrevi à musa Teresópolis/RJ, que banca a santinha de legado monarquista, mas que, no fundo, no fundo, é uma república despudorada, berço de doces pecados amargos e de únicas emoções várias.

O Grito de Dependência do Bardo Afilhado Às Margens do Rio Paquequer

Às margens do rio Paquequer, eu brado
meu silencioso deslumbramento
pelo serrano e poético espaço
no qual vivo, em doido voo terreno.
Talvez este brusco amor declarado,
este urro mudo de pertencimento,
sendo eu um filho teu sem nascimento,
tenha fundamentos embriagados:
dos doces venenos negociados
no Parque Regadas venho regado.
Seja como for, me abrigo em teus ventos;
seja como for, hoje sou teu bardo,
pelo aroma de Ceci arrebatado,
pela bravura de Peri domado,
pelas Casas de Vidocq abrigado.
E, nestes versos loucos, me declaro
Teu novo dependente mais sedento:
Cidade de Teresa, dá-me alento
Para me esquivar dos sufocamentos.
- Mátria de minha arte e contentamento,
Dá-me infinito neste encerramento.

Carlos Brunno Silva Barbosa



domingo, 19 de dezembro de 2021

A SuperAgente Lírica Duda Ventura está de volta para salvar a melancólica alegria poética sublime perdida de nossa gente cansada dos dias nublados e sem poesia

“Oi, Carlos. Acho que você me inspirou esses dias que te vi. Fazia dois longos anos que não escrevia nada e hoje consegui escrever um pouco. Espero que você goste’: esta foi a mensagem da outrora poetaluna premiada, hoje em dia poetamiga teresopolitana de ouro, Duda Ventura, que, mesmo nos nublados dos dias, trouxe iluminações poéticas magníficas de volta a minha vida. Andava meio desanimado, com o peso de um fim de ano letivo meio desgastado e bastante desgastante (cabe destacar que não pelos artistalunos que continuam brilhando – verão em futuras postagens, amigos leitores - contra quaisquer intempéries dos tempos, mas por lamentações de encerrar um ciclo conturbado com as turmas com as quais estive presencialmente por pouco tempo [aquela sensação de que houve um trabalho bom, alguns tropeços que não me perdoo por tropeçar [sim, me cobro pra karaio e nem me venham com aconselhamentos de mudança de postura, vou continuar me cobrando pra karaio], um ano de conquistas na maioria legais nas produções textuais, mas, que, pelo potencial espetacular deles, deixa a impressão de que podíamos ir muito mais além, entendem?], estava um bagaço física e emocionalmente quando recebi a mensagem de Duda Ventura e os poemas, uau, que poemas (ela me mandou o mais recente e o último que ela escreveu antes da longa pausa [segundo ela destacou em mensagem posterior, mesmo com a separação temporal, advindos da mesma fonte de inspiração]), me fizeram esquecer, durante os instantes da leitura e fascinação, os (agora gloriosos) fracassos diários, e todo cansaço e desânimo transformou-se em inspiração e fascinação. Sim, a arte salva, ex-artistalunos, artistalunos e artistalunas, artistalunes, artistamigos, artistamigas, artistamigues salvam; como idealizou Bukowski, o ideal seria ter um poeta em cada esquina pra sobrevivermos ao caos cotidiano de nossa existência, da falta de sentido na vida tão mal sentida. Seja em qual momento for, mas principalmente em contextos opressivos como os nossos, precisamos de poesia (parodiando o refrão de Cazuza, “Poesia, eu quero uma dúzia por dia pra viver, pra viver, sobre-viver”]. Por tudo isso, hoje compartilho minhas solidões poéticas com a mais-que-fodástica super-ultra-mega-magnífica poetamiga teresopolitana Duda Ventura.
O primeiro poema (segundo que eu li nas mensagens, mas, por ordem cronológica, o mais antigo e o último de Duda Ventura, antes da longa pausa), “Recusa”, traz o eu lírico devastado em negação a uma ruptura amorosa anunciada, é melancólico, dolorido, mas apaixonado, intenso, sublime: é formidável como uma dura recusa traz consigo um conjunto de tristes afirmações e saudosas (e macias – quem ler o poema, entenderá) confirmações. O segundo poema, sem título (por isso cabe nomeá-lo pelo primeiro verso – bastante revelador da pausa poética – “Sem você eu não consigo escrever”), é um poema sobre perdas e amores contidos nas incontidas memórias resgatadas. Destaco o sublime jogo de palavras entre “agente” e “a gente”, cujas grafias são constantemente confundidas (assim como o passado ade encontros e o presente de ausências se confundem no coração do eu lírico).
Deixo os dois maravilhosos poemas para vocês contemplarem e, como eu, se fascinarem com a a mais-que-fodástica super-ultra-mega-magnífica poetamiga teresopolitana Duda Ventura (não estou exagerando – leiam e confirmem). Diferente de quando compartilho meus poemas, não direi “Espero que gostem”, pois tenho certeza de que irão amar, adorar! #fãclubedudaventura #obrigadodeusesdapoesiaportrazeremdudaventuradevolta


Recusa

Eu me recuso a pensar em você.
Recuso pensar em como seu lábio é macio
Como as minhas mãos passam em seu cabelo quando estamos nos beijando
Quando estamos fazendo amor. o quanto eu adoro te ver se enchendo de prazer
Às vezes eu espanto os pensamentos para que eu não me lembre de como era bom repousar minha cabeça em seu peito
Choro todas as vezes que lembro das nossas brincadeiras
Eu me recuso a pensar que está perto de acabar e que eu não seria mais o seu lar.

Duda Ventura

Quadro "Arrufos" (1887),´óleo sobre tela, de Belmiro de Almeida



Sem você eu não consigo escrever
O que antes era um mar de amor intenso hoje me engole como uma areia movediça
Eu parei de ler, de escrever e até de comer
As minhas paixões foram embora junto contigo

Você era meu abrigo diante das minhas tempestades
Até hoje a sensação que aquele dia me proporcionou me invade

Aquela sensação de ter o que eu nunca pensei que terei
De sentir o que eu pensei que nunca sentiria

Ando nostálgica pensando na gente
E dói mais ainda pensar no "a gente"
Esse "agente" que era tão junto e às vezes bagunçado
Está cada vez mais afastado

Sei que nosso a gente nunca mais vai voltar
Porém não consigo parar de imaginar
Junto com aquela sensação onde o nosso a gente ia nos levar

Duda Ventura






terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Relembrando meu terceiro poema pandêmico: Dançando letal e liricamente com a vizinhança na Ciranda da pandemia

Cena do filme "O sétimo selo" (1957),
de Ingmar Bergman,
na qual os personagem dançam
com a Morte
Da série poemas pandêmicos, trago meu terceiro escrito poético, "Ciranda da pandemia", completamente afetado pela pandemia e feito durante o período de isolamento em 2020 (lembrando que não estou contando os microcontos, fábulas, contos, etc).
Escrito no início de setembro de 2020, um pouco antes de eu mesmo passar por sintomas da Covid-19, "Ciranda da pandemia" me surgiu enquanto eu cumpria meu ritual de bebedeira solitária em meu quintal, sentado na cadeira de balanço herdada de vovó, de frente pra praça Emília Jannuzzi, em Valença/RJ. Tal posição em que me encontrava, lembrando que o bairro é composto por ruas em ladeiras e a casa de mamãe, onde passei grande parte da quarentena, fica no meio de um destes aclives, me permitia uma vista panorâmica do bairro. Naquele momento, refletia sobre todos os causos ouvidos por vizinhos e amigos e/ou assistidos em mídias e/ou vivenciados por meus olhos ainda espantados (ao mesmo tempo que fascinados - numa expressão inédita criada pela artistamiga Alayde, 'absurdado') com a espécie animal paradoxal que chamamos, nem sempre racionalizando, de humanos (mais tarde, menos um mês depois, sairia também o poema [já publicado aqui no blog – caso não tenha lido, segue o link: https://diariosdesolidao.blogspot.com/2021/01/a-revolta-natural-do-alto-das-arvores.html  ] “Do alto das árvores líricas da praça Emília Jannuzzi, a maritaca assiste e canta aos homens, durante a pandemia”, com outra perspectiva [obrigado, queridas maritacas do São José das Palmeiras], mas com o mesmo gatilho de partida).
Em “Ciranda da pandemia”, como o próprio nome sugere, resolvi desfilar uma ciranda de personagens, como se fossem vizinhos do poeta que os observa (e que também faz parte deste letal giro solitário coletivo), cada um agindo e/ou sendo acionado a seu modo diante da quarentena. Tentei a ideia de ciranda na formatação dos versos e das estrofes, estabelecendo estrofes com orações similares (os modos de agir de cada um são diferentes, mas os períodos nos quais são transmitidos repetem a fórmula sujeito com núcleo e adjuntos adnominais/complementos nominais [ativo nas primeiras estrofes, passivo e influenciado por agentes da passiva nas seguintes, e assim sucessivamente, variando como uma grande roda de corpos enlaçados, avizinhados, mesmo que distanciados] no primeiro verso, elementos descritivos do personagem no segundo [quando sujeito ativo; quando passivo o foco do segundo verso vai pro agente da passiva e como este influencia sua ‘vítima’], verbos, em quase todos os casos, transitivos diretos e indiretos [mais enlaçamento, mais ideia de ciranda] que expressam comunicação [exceto alguns, como, o do último personagem da ciranda, o poeta, cuja ação de comunicação está implícita ao se explicitar o poema, a mensagem] de algo a algo/alguém nos versos seguintes, culminando quase sempre em um último verso com oração subordinada [adjetiva, nas duas primeiras; substantiva, nas duas seguintes, até o rompimento nas duas estrofes finais, que trazem coordenadas, que são mais diretas, potencializando clímax e desfecho, como se fosse uma narrativa/cantoria em ciranda]). Para isso, pensei/me deixei influenciar em canções como “O dia em que a Terra parou”, de Raul Seixas, e “A banda”, de Chico Buarque de Holanda, entre outras (sim, mesmo escrevendo meio bêbado, por incrível que pareça, às vezes [ok, raras, mas não tão poucas vezes] o álcool me traz inspirações muito melhores que a sobriedade. O poema saiu meio que de um fôlego só, como se já o estivesse (e talvez realmente estivesse) todo na minha cabeça.
Inicialmente, mostrei o poema para alguns artistamigos de confiança, como Rosangela Castro, que, comparando os demais poemas que escrevi no período, apostava que “Ciranda da pandemia” logo ganharia destaque em algum certame literário. Como Rosangela, também tenho um carinho especial e um clandestino orgulho sinceramente nada modesto de ter escrito este poema, mas, de todos, foi o mais rejeitado/que mais saiu incógnito em concursos literários (mas, poema louco tanto bate em concursos até que ganha louvor por sua loucura, “Ciranda da pandemia” finalmente, quase um ano depois de tê-lo escrito, foi um dos selecionados para publicação em e-book [juntamente com “Isolamento coletivo ideal” e o microconto “11.441/07”, já publicados aqui em postagens anteriores do blog, e sim, depois de muitas sovas carinhosas em certames literários {fico dolorido, mas jamais contesto o resultado do júri, até porque somos um país gigante em talentos, mas não posso negar, é claro, uma certa dor de cotovelo por um filho-poema meu ser tantas vezes renegado}, finalmente emplaquei 3 selecionados em uma mesma pacífica e sempre lírica disputa literária, há pouco, neste terceiro trimestre de 2021], no concurso “Literatura de circunstâncias”, organizado pela Editora da Universidade Federal de Roraima).

Então, amigos leitores, entremos na roda e dancemos os olhos, nesta passada, mas ainda recente (e, infelizmente, ainda às vezes terrificafantasticamente atual) “Ciranda da pandemia”. Espero que gostem. Boa leitura e Arte Sempre!




Ciranda da pandemia

O viajante infectado,
de sorriso aberto, gestos largos,
comunicava a quem via
a negação de um vírus
que ele próprio transmitia.

A esposa trancada,
quase muda, sempre silenciada,
não sabia a quem mais temia
se o risco do contágio ou o marido
que sempre a agredia.

O trabalhador, esgotado,
pelo home slave office domesticado
confessava no privado
a quem on line podia
que quanto mais sobrevivia, mais inexistia.

A beata, assustada,
pelo temor a Deus ainda resguardada
jurava no grupo das famílias
a quem on line a lia
que o Juízo Final lhe penetrava na alma dia após dia.

O informal desempregado,
de gestos contidos, sorriso machucado,
mendigava a quem aparecia
o pedido de uma vida mais aguerrida
como a do trabalhador esgotado
ou a do viajante infectado
que sempre lhe sorria.

A pessoa amada,
quase perdida, distanciada,
prometia a quem não conhecia
o sonho de uma vida mais bonita,
melhor que a da esposa trancada,
melhor que a da beata assustada,
mas a distância permanecia.

O poeta mascarado,
de sorriso vendado, fingidor descarado,
da varanda, no alto, a todos assistia,
mas, despido de medicina, seus doentes assistir não podia,
enquanto velhos vazios vestiam extravagâncias nas casas vizinhas,
escandalizando e viralizando mais que a moderna pandemia.



quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

Solidões compartilhadas: Visitando, com os olhos fascinados, a lírica Fazenda Manacá de Gustavo

Quadro "Manacá" (1927),  de
Tarsila do Amaral, Óleo sobre tela.
Se ontem comemoramos o retorno do blog e os retornos megapoéticos de Genaldo Lial, hoje retomamos uma outra tradição lírico-bloguística: apresentar estreias poeticamente magníficas, trazer a este espaço lírico jovens e hipertalentosos poetas. Sim, hoje compartilho minhas solidões líricas com um novo (e já premiadíssimo e formidável) poeta. Seu nome é Gustavo (ainda me falta seu sobrenome lírico, mas eu não podia mais adiar aos olhos dos amigos leitores a fascinante arte deste rapaz), aluno do CEMP, representa Sapucaia/RJ, pra ser mais exato, a área da Fazenda Manacá (que nunca nem vi, mas, graças ao poema dele, já passei a amar).
Meu primeiro contato com a premiada e sublime poética de Gustavo se deu com a Professoramiga Olheira-Lírica Simone Cruz (ela é danada pra achar jovens talentos e captar poesia onde, a olhos comuns, aparenta só haver desolação e barbárie). Simone mostrou-me o poema “Fazenda Manacá”, que “ganhou um concurso de poesia”, sabendo que eu “ia gostar e valorizar”. Dito e feito: o poema, feito com esmero, lembrou-me o ritmo de Fagundes Varela (mais destacadamente “A flor do maracujá”, de autoria deste excelentíssimo poeta romântico do século XIX), o que já me encheu de admiração pelo primor técnico e musicalidade natural e ao mesmo tempo domada com rigor (ou seja, naturalizada – o leitor lê como algo natural, mas traz rimas muito bem pensadas, sublimemente planejadas e estudadas). A evocação apaixonada de Gustavo pela Fazenda Manacá me levou a colocar este lugar àqueles outros que meus olhos leitores sempre buscam poeticamente: a Itabira de Drummond, o(s) Recife(s) de Bandeira e de João Cabral de Melo Neto, a Andaluzia de García Lorca, a Goiás antiga de Cora Coralina, entre tantos outros lugares líricos-afetivos que ao Lê-los tão liricamente bem escritos tanto quero conhecer – sim, agora também visito, em sonhos de poesia, a Fazenda Manacá (como no refrão da canção “Goiatuba”, do Biquíni Cavadão, “Eu amo mesmo sem saber/ Sem ter notícia alguma de vocês/Invento a vida nos lugares/Que acho que nunca vou conhecer”). O poema de Gustavo me reanimou este velho encanto. Logo falei (naquele estilo súplica meio exigência) pra Simone Cruz: “Eu quero publicar esse poeta, eu quero publicar esse poema no blog!” Então ela me passou as coordenadas: “Ele é aluno lá de Sapucaia da Késsia, professora de Português lá em Sapucaia e aqui no Alcino. Fala com ela.” Opa, tão perto, tão acessível e eu ainda tão extático (não conhecia bem a Késsia, há pouco tempo na escola; a rotina frenética do retorno das aulas presencais impedindo momentos de respiro para falar com ela; o sentimento meu meio protagonista do conto “Felicidade clandestina”, de Clarice Lispector, quando a personagem finalmente tem em mãos o livro desejado). Demorei, esperava o momento certo pra perguntar e propor uma postagem com o poema de Gustavo, e cada vez mais sufoco, sufoco no trabalho, ah, falei de supetão e, meio afoito, mas tentando um elogio controlado (quem conhece minha personalidade exacerbada diante da arte sabe que fiz um esforço sobrenatural pra ser comedido e não assustar com meu fã-natismo fascinado por grandes obras artísticas) ao trabalho dela e de Gustavo e pedi pra ela que conversasse com o rapaz para que me permitisse que publicasse o poema “Fazenda Manacá”.
E conseguimos! E cá estamos, amigos leitores, com o premiado poema “Fazenda Manacá”, de Gustavo (mesmo sem o sobrenome dele, eu não podia mais adiar a publicação, entendem?), de Sapucaia/RJ, Gustavo da Fazenda Manacá (ou Fazenda Manacá de Gustavo? – essa dúvida me assalta tanto quanto “Marília de Dirceu” ou “Dirceu de Marília”, de Tomás Antônio Gonzaga). Leiamos e vivamos em eternos fugazes instantes admirando as belezas profundamente líricas e magníficas da Fazenda Manacá!

Fazenda Manacá

Manacá, meu Manacá
Lugar de tranquilidade
Não há barulho de carros
Diferente da cidade.

Manacá, meu Manacá
Um lugar de harmonia
Não tem praia, nem baladas
É sossego todo dia.

Meu querido Manacá,
Um lugar de alegria
Meu avô acorda cedo
E tira o leite todo dia.

Nossas vacas são bem mansas
Leite fresco ela nos dá
Como eu amo essa fazenda,
A fazenda Manacá.

Moro aqui há muito tempo
Sem querer ir para a cidade
Mas se um dia eu partir
Sentirei muita saudade.

Um lugar muito tranquilo
Um lugar de muita paz
Quem morar no Manacá
Não se esquecerá jamais.
Premiado poema de Gustavo, do 8.º A, da Fazenda Manacá, de Sapucaia/RJ.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

O retorno do blog, o retorno das Solidões Compartilhadas e os retornos líricos de Genaldo Lial (ou A volta dos que não foram; pois a poesia nunca vai; sempre fica, mesmo adormecida, infinita)

Depois de algum tempo de costumeiro sumiço em fases de trabalhos (ou desânimos) intensos, o blog faz seu retorno em dose dupla. Por quê? Porque a palavra “retorno” está duplicado: é o retorno do blog e o retorno da seção “Solidões Compartilhadas” e traz um velho conhecido do blog: o supertalentoso mais-que-fodástico superatletativistamigo medalha de ouro (nos esportes e nas artes) Genaldo Lial.
Natural de Campina Grande/PB, morador de Mesquita/RJ (segundo muitos, a sucursal do inferno nos períodos de caloroso verão), professoramigo de Educação Física na Escola Municipal Alcino Francisco da Silva, na região rural de Teresópolis/RJ, cidadão do mundo (já rodou tanto pelos nossos países vizinhos sul-americanos que tem um livro de viagens, , sobre suas andanças de moto pela região latina – a fascinante obra ainda está sem previsão de lançamento, mas pronto para encantar os admiradores da magnífica literatura de viagem), apesar de todos os seus feitos, toda sua vitoriosa trajetória e sua escrita profunda e de energia infinita, Genaldo passou pelo drama que atinge todos nós, escritores e redatores, em algum momento de nossas vidas: a falta de inspiração para a construção de novos poemas.
Mas o período de crise lírica criativa passou e Genaldo premia nossos olhos leitores com dois poemas novos que variam sobre o mesmo tema e reforçam o resgate do lirismo temporariamente perdido. Os poemas foram adequadamente batizados de “O retorno” e “O retorno 2”, pois simbolizam o nosso contexto, o retorno (dos encontros presenciais, do se derramar em poesia, do reencontro com a escrita poética, outrora perdida, agora novamente vista, revista e cada vez mais intensa e apaixonada pela vida).
Que nossos olhos reencontrem também as delícias do saborear poético, a partor da leitura dos mais-que-fodásticos poemas de retorno de Genaldo Lial.

O RETORNO

Voltando a escrever de fato
Após longo e penoso tempo
Com a escrita eu fui ingrato
Peço redenção neste momento exato

Não publiquem o que escrevo
Pois tropeço nas palavras tortas
E como um bêbado me atrevo
A versar sobre o que me importa

Se pequei peço perdão
Ao verso mais eloquente
Que me surge como um clarão
Assim tão de repente

Me embriago nos fonemas
Dos versos bons e distintos
E consigo abordar os temas
Do jeito que os sinto

Genaldo Lial da Silva, 03 de novembro de 2021




O RETORNO 2

Parafraseando os poetas
E exalando poesia
Eu ignoro as metas
E vivo em extasia

Para compor uma parte
De seja lá o que for
Dê ao artista a arte
E à vida o amor

Com a necessária leveza
Do voo de um condor
Se contempla a beleza
Do sol ao se pôr

No silêncio da natureza viva
Sente-se um grande esplendor
Pois a alma fica expansiva
Como um puro aroma de flor

Genaldo Lial da Silva, 09 de novembro de 2021.






Meu filho-poema selecionado na Copa do Mundo das Contradições: CarnaQatar

Dia de estreia da teoricamente favorita Seleção Brasileira Masculina de Futebol na Copa do Mundo 2022, no Qatar, e um Brasil, ainda fragiliz...