sábado, 3 de outubro de 2020

Um poema meu relembrado no momento de espanto: O sentido do amor na falência de sentidos

Olá, caros amigos leitores deste contemporaneamente empoeirado blog (minhas visitas e ânimos têm sido cada vez mais raros para uma plena continuidade), como super-herói de grandes HQs americanas, tenho morrido e ressuscitado constantemente como escritor e atualizador das postagens deste meu espaço lírico-virtual de confissões, nerdices, geekices, literatices e outras chat-ices (sim, no fundo, no fundo, é assim que muitos veem a arte – quando não estão em campanhas políticas ou posando de pimbas [pseudointelectuais metidos a bestas]; poucos trazem o germe kamikaze-masoquista-rimbaud-maníaco-bipolar-melancólico-agressivo-ensandecido de curtirem como eu um verdadeiro amor pela desassossegante arte, que nos salva a partir da perdição sublime, inquietação, estranheza, espanto e gosto pela beleza do bizarro associado ao não bizarro, e isso não é um ato de vaidade, arrogância e superioridade - é mais um sacrifício voluntário apaixonado, até porque nós, artistas, somos vistos como autênticos ETs [perceba que a palavra poetas traz as 3 letras que formam a sigla ETs] para a maioria da sociedade que tão inusitadamente representamos, ironizamos, cuspimos e abraçamos).
O Mestre Poeta-Maior Ferreira Gullar dizia que a poesia vem do espanto (ele citava isso, associando ao episódio em que sentiu dor na coluna e, assustado, percebeu a importância desta, tornando-a matéria prima lírica de um poema seu). E meu retorno está associado a este sentimento ferreira gullarniano de inspiração: o espanto. Recentemente, passei por uma possível virose muito próxima da Covid-19: tive dores no corpo todo, falta de olfato e de paladar (descartei a doença da mais recente pandemia pela ausência de febres e problemas respiratório). As dores no corpo, após alguns dias, passaram, mas ainda sofro com os resquícios da falta de olfato e de paladar. E aí veio o lírico espanto: a percepção da falta dos dois sentidos, o susto do novo normal sem sabores e cheiros.
Isso trouxe-me à memória o apocalíptico, dramático e sublimamente romântico filme, com o irônico título de “Perfect Sense” (no Brasil, foi traduzido com a figura de linguagem mais implícita, mas com título ainda icônico e maliciosamente apelativo de “Sentidos do amor”). A história é marcante, emocionante e bem desenvolvida: Um casal vive um romance enquanto uma estranha doença assola a sociedade. Aos poucos, as pessoas começam a perder os sentidos humanos. Sem olfato ou audição, eles insistem na sua história de amor e experimentam sensações desconhecidas. A grande ironia paradoxal do filme é que o protagonista Michael, interpretado pelo mais que fodástico Ewan McGregor, outrora constante escapista de relações amorosas duradouras, finalmente encontra o amor por alguém (a também protagonista Susan, interpretada pela mais que fodástica – fã da exposição de nudez de seus belos seios [ainda não vi um filme em que ela o oculte] Eva Green), logo quando os seus sentidos humanos estão sendo perdidos. É um daqueles filmes que estão no meu top 10 dos mais emocionantes e fodásticos a que já assisti. Marcou-me tanto que me inspirou um poema. Aproveito para deixar-lhes o link de um blog parceiro, o mais que fodástico Sonata Première, para que possam assistir ao filme aqui recomendado: 
https://sonatapremieres.blogspot.com/2012/04/sentidos-do-amor_1676.html
No meu poema, intitulado “O sentido do amor na falência de sentidos”, diferente do enredo do filme, a perda de sentidos humanos ocorre à medida que a relação amorosa humana vai sendo perdida (sim, dei toda essa tradicional volta alucinada como introdução para o poema que compartilharei hoje; se isso não lhe fez sentido, bem, acho que é meio novato[a] aqui nas postagens do blog, pois sempre faço assim, mas, nesse caso especial, sentir falta de sentido tem muito sentido para o poema e para tudo que escrevi até o momento). Em 15 de outubro de 2018, meu poema “O sentido do amor na falência de sentidos” foi selecionado no II Concurso Literário da Fundação Cultura Barra Mansa (FCBM) e da Biblioteca Municipal Adelaide Franco. Agora, em outubro de 2020, completando quase exatos 2 anos depois, o poema retoma destaque em minha memória lírico-afetiva diante desse momento de quase rigoroso isolamento social completo (com muita carência de relações amorosas concretas, confesso) e diante do espanto com a minha temporária falta de alguns sentidos humanos, como o olfato e o paladar. Por esse motivo, resolvi retornar ao blog, compartilhando esse marcante poema meu.
Espero que gostem, amigos leitores! Abraços saudosos na distância, muito amor mesmo sem todos os sentidos e Arte Sempre!
 
O sentido do amor na falência de sentidos
Carlos Brunno Silva Barbosa
 
Primeiro a dor sequestrou meu sorriso,
lembrando-me de todos os cheiros não sentidos
e outros tantos esquecidos
como o perfume de amor em nosso último jantar a dois...
Foi assim que perdi meu olfato
- todo aroma se tornou um passado sem fragrância...

Depois veio o desespero, a agonia da solidão, 
o desassossego despertando uma fome sem freio
e sem solução:
meus lábios famintos pelos teus seios fartos e macios...
Foi duro acordar sozinho e sem paladar
- o alimento mais saboroso passou a ser temperado com vazios...

Em seguida a fúria afagou minha fronte,
joguei em ti a culpa por todos os meus rompantes
e te vi ainda mais distante de mim;
o apartamento quebrado preservou apenas o teu retrato sem vida...
Em cacos, perdi minha audição
- a raiva externada passou a ecoar apenas em minha consciência culpada...

Agora só me resta a busca obstinada pelo perdão,
a corrida desenfreada pela reconciliação,
mesmo que isso me custe a visão;
por isso te abraço tão desesperado,
com o peito aberto e os olhos fechados:
preciso retomar o contato com teus lábios,
mesmo cego, surdo, sem paladar e sem olfato,
preciso reencontrar o amor, antes que eu perca o tato...






7 comentários:

  1. Que poema maravilhoso. Ele é tão sublimemente visceral que as imagens saltadas dele, fundidas aos sentimentos de isolamento e a quase total falta tátil do mundo real, me fizeram sentir mais fortemente meu peito. Lê-lo é sempre intensamente profundo, poeta.
    Beijos.

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  2. Adorei seu poema.Realidade da vida atual falta sentimentos falta o verdadeiro amor as pesspas.Top

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  3. Genial como sempre, e de brinde, a dica do filme!
    ETamigo, creio que o coronavírus te pegou sim. Fico feliz que passa bem Tenha paciência que os sentidos "químicos" (aprendi no filme) retornarão. Beijão.

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  4. Como diria a moçada: show! Show de escrita!
    Parabéns, mestre!
    Arte Sempre!

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  5. Lindooooo demais!!! Um poema que concientiza nossa sociedade a importância do amor... Um forte abraço Artistamigo.

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