sexta-feira, 8 de março de 2019

Contra o feminicídio e a favor do Feminilirismo: Canção Mulher


Hoje é Dia Internacional da Mulher e o poeta-blogueiro que vos escreve não poderia deixar essa data passar silenciada, apesar de minhas visitas cada vez mais esporádicas neste espaço lírico-virtual. Vivemos tempos sombrios de invocações do, outrora sorumbático, machismo, do aumento das violências domésticas e, consequentemente, dos mais altos índices de feminicídio, e, nós, escritores líricos, filhos de Safo, não podemos deixar de cantar as Musas que regem nossa trajetória poética: a Arte vive e sobrevive graças ao sopro divino dElas, a poesia essência são Elas.
Quadro "Mulheres Facetadas",
de Di Cavalcanti
Por isso, trago um poema inédito meu, homenagem feminilírica, uma espécie de esposa-amante-amiga-rainha de outro poema meu chamado “Biblioteca de Babel”, onde exponho algumas de minhas influências literárias e gostos e paixões por Mestres Deusas Escritoras e Eternas Personagens Femininas.
Boa Leitura! Arte e Feminilirismo Sempre!













Canção Mulher 
(ou A Canção, ou A, Canção, ou A: Canção)

Sou Safo entre o precipício de Eros e os desejos de Lesbos,
criando um novo estilo, gestando o gênio do gênero lírico
nos mares impulsivos dos amores lascivos
e os perigos serenos dos estóicos rochedos.
Sou Carta Portuguesa, corajosa denúncia patrícia feminina
do abandono e desespero
contra a covardia masculina, estrangeira e fardada.
Sou Orgulho e Preconceito, Jane Austen tecendo novos enredos
para além do seu tempo.
Sou Bronté uivando a favor dos ventos nos morros
que enterram em silêncio os corpos das vítimas dos amores violentos
(as unhas da fantasma violentada marcará os braços másculos e grosseiros
na feminina madrugada).
Sou Flor bela e espancada oferecendo espinhos macios
em canções sublimes e dilaceradas.
Sou Cecília anjo menina de asa ferida, mas infinita.
Sou cor de Coral, do Colar de Carol, Comadre de Cora Coralina.
Sou verdes mares, Iracema apaixonada, mãe da América colonizada,
amamentando os filhos da dor, encarando a morte com gestos de amor.
Sou Capitu sem culpa e ainda culpada,
onda ora sincera, ora dissimulada,
que te arrasta quando encaras meus olhos de sedutora ressaca.
Sou unha pintada, frágil, mas sempre afiada.
Sou musa atrevida e recatada.
Sou minha, sou tua, sou única, sou inconstância consolidada.
Sou os seios que teus lábios bebês procuram sedentos,
da vida a abstrata vontade, sou de todos o primeiro beijo concreto na carne.
Sou aquela que aquelas e aqueles procuram no entardecer do desejo,
sou essa que apontam o dedo com desprezo ou zelo,
sou esta que convive com teus anseios e receios,
sou ela contra elos de eles cheios de preconceitos,
sou a feminina ampulheta contra o machismo bravio do arenoso tempo.
Sou a poesia do poema, a lira do canto, a narrativa do conto,
sou a lida diária, a crônica crônica duramente afável,
sou a fantasia rara, da mais vigente à mais improvável,
sou A, contra o O predominante da língua masculinizada inabalável,
sou A, Mulher, definida, definitiva, mesmo que mutável.




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