Hoje, após um segundo turno quase impecável (sou
vascaíno, mas não devemos omitir a realidade), o Flamengo conquistou a Taça
Rio, parte do Campeonato Carioca de Futebol de 2019. Isso me fez lembrar-me de
uma querida escritoramiga – ex-escritoraluna da Escola Municipal Alcino
Francisco da Silva, onde leciono – fanática pelo Flamengo e também – quando se
mostrava disposta – supertalentosa na escrita, a mais que fodástica artistamiga
teresopolitana Leticia de Lima Gonçalves.
Voltando ao jogo de hoje, o Vasco ficou devendo um
melhor desempenho nessa segunda fase do campeonato – e, voltando a mim e
Leticia – da mesma forma como devo esta postagem há anos para a querida
escritoramiga flamenguista. Trago hoje um dos grandes textos de memórias
escrito por Leticia de Lima Gonçalves. Na época, sua dedicação às atividades
escolares oscilavam bastante e, por isso, a importância maior do texto com o
qual compartilho minhas solidões poéticas com Leticia: esse texto de memórias,
derivado de uma entrevista dela com seu pai, foi um desafio – ela dificilmente
antes tomava coragem para fazer as redações – e um ponto de virada para a
talentosa escritoramiga – ela se dedicou, venceu a hesitação inicial, fez uma
primorosa entrevista, escreveu, reescreveu, suou liricamente, esmerou seu texto
ao máximo para que me entregasse orgulhosamente sua cristalizada versão final,
que trago hoje ao blog.
Confesso vergonhosamente devo essa solidão
compartilhada à escritoramiga e aos amigos leitores há tempos (arrumar a
papelada de casa ontem auxiliou no meu reencontro com o texto em meio à babel
de arquivos). Bem, na falta de desculpas melhores, só posso dizer o cretino “sinto
muito, mas antes tarde do que nunca” rs. Outra confissão: me amarro nestes
textos em que nos passamos por outra pessoa que nós conhecemos (já escrevi um
texto desse tipo em homenagem à minha mãe, texto este já publicado em jornal e
aqui no blog), traz aquela sensação fraterna, de se dispor a passar pelo outro,
sentir como o outro sente, como os amigos leitores fazem quando se passam pelos
personagens cujas peripécias são lidas vorazmente.
Viajemos, amigos leitores, através do formidável narrador
em primeira pessoa da escritoramiga Leticia de Lima Gonçalves dos tempos do feijão
com farinha e jiló até os dias atuais, refletindo o antes, o hoje e sonhando com
o promissor depois.
Dos tempos do feijão com farinha e jiló
Eu me lembro como se fosse hoje: estava numa mesa
comendo feijão com farinha e jiló. Na minha época, não tinha variedade de
comida como tenho hoje em dia; eu só comia feijão com farinha e jiló. Era ruim,
mas tinha que comer, senão apanhava. Minha mãe ficava perto de mim e de meus
irmãos nos vigiando com uma vara de marmelo. Uma vez, meu irmão mais novo
apanhou muito, nunca mais deixou de comer as refeições que meus pais ofereciam.
Eu me lembro de que trabalhava desde os 6 anos de
idade na roça. Ia pra escola e, quando voltava, tinha de trabalhar, colher
feijão, catar jiló, etc.
Hoje tenho uma família que eu amo, apesar de todos
os problemas. Minha filha de 15 anos é meio desobediente, não cumpre com parte
das tarefas de casa. Minha esposa vive brigando com ela e eu não posso fazer
nada, porque é coisa de mãe e filha.
Apesar de seu comportamento complicado, minha filha
me ajuda no trabalho, tanto que até dei uma parte da lavoura para ela cuidar.
Assim, ela faz seu dinheiro e está juntando para comprar o que desejar.
Hoje moro em um lugar calmo, tranquilo. As pessoas
são amigas, e é um lugar onde todo mundo é parente. Tenho um terreno que é só
meu, da minha filha e da minha esposa, sempre foi assim. Tenho um sogro enviado
por Deus e uma sogra abençoada que me ajudaram muito quando eu mais precisava.
Atualmente me considero um bom cidadão, tenho minha
lavoura de tomate, couve e alface para fazer dinheiro e pagar as contas de luz,
pagar o que eu devo e por aí vai minha vida, bem à frente dos tempos do feijão
com farinha e jiló.
(Texto de memórias escrito por Leticia de Lima
Gonçalves,
baseada em entrevista feita com seu pai.)
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