Quem nunca dormiu demais e perdeu a hora do serviço
em alguma fase da vida? Quem nunca chegou atrasado (as postagens aqui então...
nem se fala rs)?
Ontem, falei de um poema premiado neste ano; hoje
trago a crônica, classificada e premiada como conto, chamada “Despertar
atrasado” (sim, essa prosa fala daquele momento conturbado, pesadelo de todo
trabalhador que tenta seguir uma rotina honrada e, por algum lapso sem grandes
motivações, tropeça em Cronos por ficar muito tempo no reino de Morfeu).
Na quinta-feira, dia 26 de Julho, participei da
festa de encerramento do Concurso de Obras Literárias do Clube dos Funcionários
em Volta Redonda/RJ. Duas obras minhas foram premiadas, ambas em sétimo lugar,
cada uma em sua categoria: "Despertar atrasado" (em contos) e
"Balada de sol para o nublado em teus olhos" (poesia). Foi uma noite
festiva e lírica, em companhia de artistamigos e familiares. No retorno à casa
de minha tia Yara, mamãe, tia Yara, meu primo Charles e eu paramos em um bar
para bebermorarmos - foi nesse momento que li o 'conto' (considero-o uma
crônica, pelo valor episódico cotidiano, mas, como foi vencedor como outro
gênero, aceito a oferenda sem pestanejar) premiado, cujo fragmento final vocês
podem assistir e ouvir no vídeo compartilhado aqui.
Aproveito também o momento (semana) de menor
agitação cultural para finalmente postar a prosa premiada na íntegra para que todos possam
ler, curtir, analisar, etc.
Boa leitura e Arte Sempre, amigos leitores!
Despertar atrasado
Os raios de sol gritam em minha
janela e ferem meus olhos recém-despertos.
A fúria com que a claridade dança na vidraça me informa que alguma coisa
está muito errada. Um leve desespero beija meus primeiros pensamentos, então
olho para o relógio despertador que não me despertou: 8 horas e 40 minutos,
perdi a hora do trabalho... O leve
desespero agora é um grande pesadelo, pior que qualquer outro pesadelo que já
tive, pois é real: eu perdi a hora e não existe, nesse mundo, nenhuma máquina
do tempo que recupere esse tempo perdido.
Levanto-me
completamente desolado – não ativei o alarme do despertador? Não, isso não
justifica, afinal, independente dele, sempre acordei ao menos mais cedo. Estou muito cansado? Não, isso não justifica,
afinal, todas as pessoas vivem períodos de enorme cansaço. Não há desculpa, não
há explicação, é como viver um momento ardente e o corpo não corresponder,
tentar buscar água num ambiente deserto e sentir a derrota, a angústia, a sede
e não ter o que fazer pra aplacar todo essa tempestade num ambiente árido.
Na casa do vizinho, o rádio, no
volume alto, toca as canções do momento e o locutor, de vez em quando, informa
as horas, o tempo perdido cada vez mais perdido, ah, e eu tão perdido quanto.
Na estrada, próxima a minha casa, o barulho dos carros me informa que o mundo
lá fora segue pontualmente seu destino; na oficina mecânica, ao lado de minha
residência, ninguém parece estar atrasado; são nesses momentos que nos
percebemos mais poeira do universo – o mundo segue aceleradamente a sua rota e
apenas eu estou atrasado.
O tempo escorre pelas mãos e não há tempo que
volte, amor. Os versos da canção de Lulu Santos escorrem em meus ouvidos,
carentes da palavra final, afinal, neste momento, não há amor, apenas uma
profunda dor de vazio. Sinto vergonha e raiva de mim mesmo e a única coisa que
consigo pensar é como posso me ajoelhar pro mundo e pra mim mesmo e pedir
desculpas pelos erros que nem sei como cometi. No rádio da casa do vizinho,
escapa o verso de outra canção, “deixe o agora pra depois”, acho que é Victor e
Léo, mas o que fazer quando o agora acordou depois?
Recolho os cacos de mim mesmo,
adiantando o serviço que deixei pra casa, mas a inglória acompanha meus passos,
o sol, cada vez mais radiante, parece me humilhar. Só me resta esquecer o
inesquecível, conviver mais uma vez com o insustentável, seguir em frente,
acompanhado do tempo perdido que me arrasta pra trás.
Dois passos pra frente, um
minuto do tempo perdido me puxando pra trás. É lento o avanço, mas, depois de
muito andar, talvez esse tempo que perdi pare de me puxar.
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