domingo, 27 de maio de 2018

Fim da greve de escrita: Pra não dizer que não falei dos caminhões parados nas estradas do Brasil


Em momentos tensos e contemporâneos nos é difícil fazermos uma análise de um acontecimento histórico, pois estamos envolvidos emocionalmente no evento e, devido ao nosso não distanciamento de tempo dos fatos, não prevemos consequências, nem interesses implícitos além dos explícitos, nem intenções posteriores pelos que lideram a organização dos movimentos e contraste de ideias. Em um evento histórico e contemporâneo, simplesmente tomamos um lado a partir dos nossos juízos de valores e próprios interesses. Nesse período de greve dos caminhoneiros, tomei um lado, tendi a favor dos grevistas, mas não oficializei meu posicionamento favorável a eles, não por covardia, mas por eterna desconfiança. Sou a favor da quase toda a pauta de reivindicações dos caminhoneiros em greve, mas, nas minhas experiências (ativas, na maioria, outras apenas testemunhais) com grandes movimentos históricos populares, algo(zes) implícito(s), ainda não completamente acessível para análise, nesses eventos me faz torcer o nariz. Vejo atitudes altruístas entre os caminhoneiros grevistas, além de uma sensação que lhes foi merecidamente colocada pela bravura e resistência como representantes de um país inconformado com a falta de rumo e corrupção, ao mesmo tempo que estranho a unanimidade ‘nelson rodriguiana’ – esse olhar único favorável que lados outrora plenamente polarizados (mesmo quando apresentam projetos semelhantes) [extrema direita, direita, centro, esquerda, extrema esquerda, acima, abaixo, de ladinho] depositam sobre o acontecimento: cada um toma pra si os méritos do evento (inclusive os defensores da intervenção militar, que, considero, seria a primeira a pôr fim a essa desobediência civil), fazendo-me questionar: afinal, como algo pode agradar todos os lados? Estamos realmente analisando o fato como um todo ou a crise de abastecimento proveniente da greve também está encerrando quaisquer análises distanciadas da emotividade ou pautadas na razão do evento? Pergunto isso, pois, apesar de nos ligarmos emocionalmente aos fatos, há, em todo grupo organizador de um movimento histórico, muitos alguéns (nesse caso, de vários lados) calculando friamente algo – sempre tem; seremos ingênuos mais uma vez? Em nenhum momento, pretendo tirar o mérito da greve dos caminhoneiros, entendam, apenas quero lembrar que isso não é uma partida de futebol na qual você anula sua visão crítica diante das ocorrências e simplesmente torce bestialmente para o seu time favorito.
Considero que o que mais motivou essa quase unanimidade de opiniões diversas e adversas favoráveis à greve dos caminhoneiros se deve à situação caótica na qual nos encontramos - o governo vem pisando na bola há tempos e, consequentemente, tem desagradado impunemente todos os lados outrora inconciliáveis (e, por incrível e inédito que pareça, apesar de se acordarem abraçados na mesma causa, a favor dos caminhoneiros, ainda conseguem se metralhar como em fogo amigo dividindo o mesmo espaço, a mesma trincheira, cada um acusando o outro de ser o causador da guerra, mesmo batalhando com a mesma farda – é a comparação que me veio à mente; por favor, não confundam: sou completamente desfavorável à intervenção militar, que, por esquisito/esquizofrênico sinal, alguns grupos de grevistas defendem arduamente). O desgoverno do Brasil é historicamente corrupto, mas o atual, além disso, é extremamente babaca (o que foi a tentativa de declarar fim da greve a partir de pronunciamentos, acordos e divulgações fakes?), autossabotador (a ameaça insossa de chamar o exército para expulsar os grevistas foi quase que um “olha, eu sei que sou fracote, mas, se me bater, eu chamo meu irmão mais velho e mais forte”, sendo que o tal “irmão mais velho e mais forte” fingiu que nem ouviu ou nem foi realmente acionado ao ataque) e, consequentemente, expressivamente incompetente e impopular (a prova máxima é o fato de que todos os lados se voltam contra ele, pois já conseguiu vacilar com todos). O mérito mais evidente e consagrado da greve dos caminhoneiros foi retirar a máscara, foi gritar para todos os cantos do Brasil o quão impopular é o Governo Temer – era um fato que todos sabiam, mas foi o evento histórico e popular citado quem gritou com voz firme e incontestável essa monstruosidade, outrora disfarçada, fingindo-se de popularizada. Seja qual for o resultado da peleja entre caminhoneiros e desgoverno federal, se daí só sairão consequências positivas e um futuro completamente promissor só o tempo irá dizer (sinceramente, duvido, me desculpem, mas, depois de 39 anos de Brasil e muitos estudos, não me ufano, nem me fantasio mais), um prêmio a greve dos caminhoneiros vai manter durante toda nossa História: ter agido como aquele menininho (mas nem tão inocente e sincero quanto o personagem original, por favor, sem ilusões) do conto da “A Roupa Nova do Rei”, que, observando o desfile absurdo de hipocrisia, grita “O rei está nu!”, tirando toda a população do estupor cúmplice e revelando ao mundo as fragilidades e vergonhas de seus (des)governantes.

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