Nem sempre consigo homenagear/escrever sobre todos os ídolos das artes que me inspiram e merecem eternas lembranças e aplausos, mas, dessa vez, não posso deixar passar o aniversário de 90 anos do eterno Ariano Suassuna (o camarada nasceu em 16 de junho de 1927), autor de obras-primas como o "Auto da Compadecida", "O Santo e a Porca" e "O Romance d'A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta".
Não sei de onde veio a louca inspiração; só sei que o esquete saiu escrito por mim assim:
Chicó, João Grilo, o Padeiro e a Pedra Filosofal de Seu
Suassuna
Em frente à padaria.
CHICÓ: Ah, João, tô que num me guento mais de fome, mas meu
bolso tá uma fartura só: farta dinheiro, farta crédito... só sobra mesmo essa
vontade faminta de comer até as lombrigas sorrirem depois de tanta fartura!
JOÃO GRILO: Pois deixe comigo, amigo! Tá vendo esse livro
que eu peguei emprestado a perder de vista da biblioteca municipal? Esfrega teu
polegar na terra e carimba o dedo aqui na primeira folha. Pronto! Agora entremos
na padaria! Esse livro será nosso passaporte pra desforrar essa fome
desnutrida!
(Os dois entram na padaria)
JOÃO GRILO: ‘Dia, seu Padeiro! Procurava alguém sapiente
como o senhor pra me auxiliar de forma precisa numa transferência remunerada de
fortuna que carrego aqui comigo. Só alguém ilustrado como o senhor sabe dar
valor à riqueza que preciso penhorar com demasiada urgência, seu Padeiro!
PADEIRO (desconfiado): Não me venha com suas artimanhas, sua
raposa matreira dos diabos! O que você teria que pode tanto assim me
interessar?
JOÃO GRILO: Olha só, sapioso amigo, o que tenho aqui comigo:
é uma Pedra do Reino!
PADEIRO: E quando pedra é feita de folha e palavra, seu
malandro?
JOÃO GRILO: Ora, meu ilustre sapioso amigo, estás escondendo
sua sapiecidade de mim? Nunca ouviu falar da Pedra do Reino do Seu Suassuna? É
uma pedra real, do Reino, um livro, uma pedra filosofal daquelas que os bruxos
americanos procuram há milhares de anos, é uma preciosidade sem tamanho! Não há
riqueza que pague tanto saber, nobre amigo das Letras do trigo!...
PADEIRO: Ora, então é só um livrinho de um defunto já há
muito desfalecido! Não vale nem a rosca que queimei na fornada da madrugada!
JOÃO GRILO: Assim você me ofende e ofende a sua própria
sapiecidade, nobre rosqueiro ilustrado! Primeiro que Seu Suassuna num morreu
que o cabra, todo mundo sabe, é eterno, conforme foi registrado pelas ordens
dos acadêmicos do Brasil. É estudado e inteirado dos assuntos, sapioso Padeiro,
sabe das lendas verdadeiras que vêm nas bocas dos Bonner e Clydes do Jornal
Nacional. Segundamente que assim ofende o meu amigo Chicó, que possuía grande
apreço pelo Mestre Suassuna!
CHICÓ: Não sei o quanto o amigo Padeiro foi maldoso, não
achei tanto assim, mas já sinto o peito ferido, um arrepio por machucar meu
apreço, me dói tanto quando alguém tão educado como o senhor Seu Padeiro
desrespeita o Seu Suassuna que a minha barriga dói de tanta tristeza ruim!
JOÃO GRILO: Pois é, mas toda sapiciedade tem seu grau de
ignorância, Chicó. Até alguém sapioso como o ilustre Padeiro tropeça no próprio
saber e perde a oportunidade de fazer um negócio mais bonífico pra ele que pro
meu camarada aqui...
PADEIRO: ...
JOÃO GRILO: Seu Suassuna, na pausa de sua eternidade, antes
de cochilar no Eterno, autografou com seu polegar nobre esse livro mágico, dos
altos pilares do reinado letrado, e, como era muito amigo, compadrecido maior
de meu amigo Chicó, concedeu a obra ao meu camarada, cuja missão era repassar
esse amuleto de sabedoria ao mais sapioso homem desse sertão. E num é que o
Chicó, com a mente amarfanhada pelo desalento da perda do compadre Suassuna,
num me cismou que o mais sapioso dessas terras era o major Antônio Morais – que
cá entre nós, Seu Padeiro, sabemos que o tal é uma mula completa em comparação
ao senhor, ilustre e sapioso confeiteiro. Então Chicó já vinha com uma troca
equivocada do artefato genial de Seu Suassuna por um sitiozinho sem valor do
ignorante Morais. Mas ainda bem que eu intervim antes que Chicó desfizesse a
última promessa ao compadre finado que agora descansa, mas não morre jamais Aproveitando a senilidade do major, foi só
darmos um tempo sem falar com seu Antônio Morais pra que o cabra esquecesse o
negócio e, agora, tanto tempo depois, após longas análises de perfis e
entrevistas com os grandes gênios da região, confirmamos o que eu já sabia: o
mais sapioso dessas terras é o senhor, Seu Padeiro, e, mesmo que nos oferecesse
uma bagatela – uns 12 pães com mortadela, uns 3 litros de leite, umas
roscas caprichadas mais uns sonhos que sonhar é bão demais – a Pedra do Reino
autografada com o polegar nobre de Seu Suassuna há de ser sua, meu nobre
confeiteiro das Letras.
PADEIRO (confuso e encabulado): Fico honrado, mas meio desconfiado...
JOÃO GRILO: “Dá o livro ao mais sapiente dessa terra,
compadre Chicó!” Não foi isso que Seu Suassuna disse, Chicó?
CHICÓ: Não sei se ele disse dessa terra ou do universo,
João, só sei que foi prometido assim.
JOÃO GRILO: Pois é. E ao dito, eu só acrescentaria o que não
foi dito, mas estava escrito nos olhos do eterno desfalecido que não morre
jamais: “Mesmo que o cão seja sapiente, mas tão ruim que não desse nem uma
duziazinha de pães aos que buscaram incansavelmente o cabra mais sapioso e
merecedor de tamanha fortuna!” (olha pra
cima) Tudo bem, Seu Suassuna, seja feita vossa vontade! (vira-se para o
padeiro) Toma o livro, sapioso Padeiro, dou-te a fortuna, apesar do seu jeito
descrédulo; és o mais sapiente e, mesmo nos sendo ingrato, preciso fazer isso,
pra não amarfanhar a última vontade do Seu Suassuna. Vamos simbora, Chicó, Seu
Suassuna está satisfeito com nosso concedimento da fortuna do Eternizado ao Seu
Padeiro. Já a ingratidão deste, deixe que Nossa Senhora com ele se resolva nos
zap-zap do Juízo Final.
Minutos depois, João Grilo e Chicó saem da padaria, com seus
12 pães com mortadela, uns
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