Cena do filme "Vitória Amarga", de 1939 (só pra ilustrar) |
Dia 12 de dezembro de 2016: um dia muito especial. Depois de
muitas agruras no difícil ano de 2016 finalmente um momento de alívio: 9
poetalunos das minhas turmas na Escola Municipal da zona rural de Teresópolis/RJ foram classificados na
Categoria Juvenil do XXVIII Concurso de Poesia da ALAP (Menção Especial para Andressa
da Silva Oliveira, do 9.º A , Jaqueline de Carvalho Nunes, do 9.º A, e Raquel
Arruda Branco, do 9.º A, Medalha de Bronze para Flaviane Tavares Gonçalves, da
Aceleração V, Paulo André Ramos Almeida, da Aceleração V, Jackson Carvalho dos Santos, da Aceleração V, e
Paula Costa Felippe, do 9.º A, Medalha de Prata para Vitória de Souza Andrade
de Jesus, do 9.º B, e Medalha de Ouro para Taís Corrêa Moura, do 9.º A) e a Cerimônia de
premiação foi na tarde de hoje, dia 12 de dezembro, um dia perigosamente
especial... Afinal, um ano difícil mantém seus espinhos: apesar de vitoriosos,
os alunos não puderam ir à cerimônia de premiação e chego ao Rio de Janeiro,
sozinho e meio chateado com a ausência deles (os premiados são eles, a
cerimônia era pra eles, e, pelo segundo ano consecutivo, a culminância do
projeto [eles virem receber a premiação] falhou), de qualquer forma, tento
manter a cabeça erguida, preciso representá-los.
Desço próximo aos Arcos da Lapa (como tenho pouca noção dos
pontos de parada do ônibus circular, escolho um ponto turístico próximo ao
auditório da FALB/FALARJ, situado na Rua Teixeira de Freitas, nº. 5/ 3º andar esquina
com a Rua Augusto Severo, na Lapa). Como parei bem antes, acabo passando pela
rua na qual o transporte escolar ficaria estacionado se tivéssemos conseguida
uma van ou Kombi da Prefeitura para nos trazer (segundo a mensagem da diretora
da minha escola, enviada pelo whatsapp no domingo de manhã [ela afirmara ter
ficado sem internet nos dias anteriores, mas a desculpa soa meio evasiva, pois
havia mensagens dela no grupo da escola no sábado de manhã...], a Secretaria
Municipal de Educação de Teresópolis/RJ alegou não ter disponibilidade de
transporte, apesar da supostamente afirmada insistência da direção. Ao menos a
diretora permite que eu vá direto para a cerimônia de premiação e, apesar de em
cima da hora, a mensagem chegara a tempo de me poupar duas passagens que seriam
gastas a mais, se eu tivesse ido à escola pra ter de voltar ao Rio.Ironia do
momento: na tal rua na qual o transporte escolar ficaria estacionado se
tivéssemos conseguido uma van ou Kombi, há um espaço vago do tamanho de uma van
ou Kombi... Paro por um momento, talvez por alguma ilusão, mas nenhum
transporte aparecerá, nenhum aluno participará da cerimônia de premiação mais
uma vez... Está um calor danado e os
ares cariocas sempre impõem uma rotina frenética: acordo de minha pose
estática e sigo em frente – não é momento de delírios piegas e cafonas,
professor, siga em frente, o sinal está verde e, se ficar parado, vai acabar
ficando atrasado.
Conto as notas da carteira para ver se, antes de chegar ao
prédio, posso comprar um refrigerante – é um momento vergonhoso, mas, como o meu
salário permanece atrasado e com prazo indeterminado para recebê-lo, estou
fazendo a viagem meio que da forma mais econômica possível. Lido com literatura
e educação e financeiramente (e ainda pior na crise atual) isso é uma merda
mendiga (me desculpem o termo, mas nenhum denominaria melhor a situação
econômica precária). Após o refrigerante, respiro fundo (ah, os alunos não
vieram... para de pensar, siga em frente, professor, siga em frente...), entro
no prédio e me direciono ao auditório da FALB/FALARJ. Respondo a uns 3
acadêmicos diferentes da ALAP, conhecidos dos anos anteriores, a mesma
ladainha: infelizmente, por uma série de motivos, os alunos não puderam vir - impossível
conter o tom derrotado na voz. Digo que vou ao banheiro, mas é só pra ganhar
tempo e respirar fundo outra vez.
Sento-me em uma das cadeiras do auditório e tento me
distrair com os artistas que vão chegando. Evito olhar para as cadeiras vazias,
mas o “ah, os alunos não puderam vir receber o prêmio” parece um mantra amaldiçoado
na minha cabeça. Graças a Deus, a cerimônia de premiação não demora muito para
começar e ouvir os trovadores declamando suas trovas premiadas finalmente me
distrai.
Então chega a Categoria Juvenil do Concurso de Poesias –
aproximadamente 75 por cento dos premiados nessa categoria são meus alunos e,
quando os acadêmicos citam o nome do primeiro, a partir daí me levanto pra
receber o prêmio como representante deles, declamar o poema e me posicionar pra
foto e, como a maioria dos próximos nomes serão de artistalunos meus, me
mantenho de pé (ah, esse era o momento da Andressa, ah, esse era o momento da
Jaqueline, e assim vai amarga e vitoriosamente). Declamo os poemas como posso,
saem mais emocionados do que deveriam sair, a cada três que declamo, acabo
sempre deixando escapar que “lamento, fico feliz, mas a vitória é meio amarga,
sabe, os artistalunos que deveriam estar aqui curtindo o momento”, quero parar
de fazer isso, me conter, declamar mais calmamente (você não é mais um
adolescente pra se deixar levar pelas emoções, professor, siga em frente... ah,
adolescente, eles deveriam ter vindo comigo, putz... a cabeça reclama enquanto
declamo), os aplausos a cada poema, não me repito, mas a cabeça lateja: os
artistalunos é que deveriam estar aqui, muito mais que eu...
Após receber as 3 menções especiais, as 4 medalhas de
bronze, a medalha de prata e a medalha de ouro de meus artistalunos, juntamente
com os seus respectivos diplomas, volto a me sentar; outros artistas premiados
nas demais categorias me parabenizam pelo excelente trabalho, sorrio, mas a
cabeça pesa sobre os prêmios: os alunos premiados podiam estar aqui... Trato de
organizar e guardar a premiação e volto a tentar me distrair, ouvindo os
fodásticos poemas dos poetas premiados na Categoria Adulto (os dos seus artistalunos
também são fodásticos, professor, eles deveriam ter vindo, a cabeça insiste na
lamúria, mas deixo-a sussurrando num canto, enquanto ouço as declamações dos
demais premiados).
No fim da premiação, inicia-se um tradicional coquetel, os
vários e célebres artistas premiados vêm falar comigo: solidarizam-se, dão-me
livros para entregar aos premiados, elogiam os poemas de meus artistalunos, bolam
estratégias e alternativas para que os artistalunos premiados no próximo
concurso possam estar ali recebendo o prêmio no ano que vem, ajudam a aliviar e
tornar menos amarga essa sensação vitoriosa de consagração sem os donos da
consagração. Quando saio, o tempo é chuvoso e assim permanecerá, uma vitória
imensa e melancólica permanece em meu semblante, a bolsa que carrego tem o peso
bom da consagração mais-que-fodástica dos meus artistalunos que não puderam vir
comigo. Agora escrevo essa crônica-desabafo no blog; penso em também postar o
vídeo que mostra eu declamando alguns dos poemas premiados, penso em também
postar os poemas premiados de uma vez, mas deixa pra amanhã; por hoje é só,
pessoal, hoje continua chovendo apesar dos sorrisos sinceros de algum sol que
tento manter na atmosfera soturna. Amanhã começo a bolar estratégias para que
todos os artistalunos premiados recebam urgentemente suas devidas e
super-merecidas premiações, agora vou dormir, parabéns a todos, somos
vitoriosos até nesse universo que nos despreza, siga em frente, professor, ai,
minha cabeça, siga em frente, mas primeiro descanse...
Belíssima crônica das mazelas e (principalmente) das delícias de ser professor poeta/ poeta professor no Brasil dos dias atuais. Parabéns aos alunos e arte sempre.
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