domingo, 3 de agosto de 2014

Quando o passado fere o nosso presente: Entre nós

Durante esse período de recesso de julho, tive a oportunidade de assistir a vários filmes fodásticos, baixados no blog “Sonata Première”. Um dos filmes que mais me marcou nesse período é o fodástico drama “Entre nós”, dos diretores brasileiros Paulo Morelli e Pedro Morelli.
No filme (que pode ser baixado no link: http://sonatapremieres.blogspot.com.br/2014/07/entre-nos.html), um grupo de amigos, isolado numa casa de campo, decide escrever e enterrar cartas destinadas a eles mesmos, para serem abertas dez anos depois. Porém uma tragédia ocorre naquele mesmo dia, na qual um dos amigos – um promissor escritor - morre. Passados dez anos do acontecido, há o reencontro dos amigos após o acidente e as feridas do tempo são escancaradas e nada será como antes. Os anseios da juventude não foram o ponto de chegada de seus caminhos pessoais.
A atmosfera de “Entre nós” é angustiante e tensa (o drama beira o suspense de tão tenso que é o reencontro dos amigos). Apesar de girar em torno de um reencontro festivo, as expectativas de uma reunião alegre são desmoronadas à medida que antigas paixões, novas frustrações e um segredo mal enterrado vêm à tona. A câmera acompanha os personagens como se filmasse um reality show, invade seus momentos mais íntimos e as cenas nos revelam os sonhos perdidos  e o leve e melancólico desespero dos personagens diante de um presente desalentador em comparação aos anseios do passado. Dá aquela impressão de solidão coletiva, de geração perdida e eternamente enlutada (e, para alguns, culpada) pela morte do amigo mais talentoso e, também (e, para alguns, consequentemente), do fim das ilusões de outrora.
Tentei reproduzir essa atmosfera de melancolia tensa no poema e usei, como eu lírico, o personagem Felipe, primorosamente interpretado por Caio Blat. O período no qual assisti ao filme coincidiu também com essa época de luto da literatura brasileira, na qual perdemos 3 fodásticos escritores (João Ubaldo Ribeiro, Rubem Alves e Ariano Suassuna) e passamos a compartilhar fragmentos de seus escritos de forma muitas vezes desordenada e sem conhecimento/compreensão devida das obras dos escritores. ‘Roubartilhamos’ as obras alheias como se fossem nossas e, às vezes, o efeito é apenas o mesmo do personagem Felipe: o ato de compartilharmos o que não é nosso como se fosse nosso só nos mostra a frustração criminosa de interpretarmos uma persona que não podemos ser e a melancolia permanente de termos algo perdido em nós que poderia ter sido e que não foi.
Assistir ao filme “Entre nós” é como ser cúmplice de um crime amigo que negamos, acompanhados de nossos ex-companheiros, mas que nos torna eternamente condenados por nossos sonhos jovens que faleceram na poeira do tempo.       

Entre nós

Cá entre nós
O escritor não está mais entre nós
Por isso o roubamos tão descaradamente
Cá entre nós
O escritor está morto
Por isso o compartilhamos tão vivamente
E todos os escritos dele
São meus e não mais dele
E todos os escritos dele
São meus mesmo que me atormentem

O escritor está morto
Mas eu salvei os escritos dele
Estão na minha mente
Estão na nossa linha do tempo
O escritor morreu
E mortos não fazem testamento
Eu o salvei roubando o que ele não me deu
Mas eu compartilhei e assinei como se fosse meu
Você compartilhou e concordou
Que o fogo não era dos deuses e sim de Prometeu
Cá entre nós
Não sou o único culpado
Por mais que me sinta atormentado
Todos nós fomos complacentes
Cá entre nós
Somos todos criminosos inocentes
Quando lemos e compartilhamos
O que não é da gente

Tudo o que eu desejei é o que não tive
E o que não tive é a única coisa que em mim sobrevive
E você e eu estamos no mesmo time
Eu roubei e você compartilhou o crime
Por isso essa raiva triste que persiste feroz
Entre nós

- O escritor morto agora caminha conosco
E acompanha nossos roubos
De seu livro ele é cão sem dono
Do moço sonhador só restou um sonho sem rosto
E a nós só resta seguir em frente
Todos juntos com a mesma dor sem fim
Em rumos diferentes
Todos juntos no mesmo adeus sem fim
Em busca de um final feliz
Inexistente...



Um comentário:

  1. Obrigado pelo apoio ao Sonata, Carlos Brunno, e parabéns mais uma vez pelo talento.

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