Há 100 minutos da postagem do próximo poemeto dos "100 Poemetos de Solidão", em tributo a Gabriel García Márquez, eu confesso: quando criança, era colecionador fanático da Marvel e da DC (ano passado, até tive uma recaída por conta de um projeto escolar interdisciplinar com o Homem de Ferro, idealizado pelo professor de inglês Daniel Coelho. Lá estava eu voltando a colecionar as aventuras de Tony Stark e de Thor rs).
Um dos quadrinhos que eu colecionava era o do Capitão América, com toda aquela ideologia do soldado incorruptível dos Estados Unidos da América. Nunca me esqueço daquela história em quadrinhos (Capitão América n.º 128) em que, nos tempos atuais, muito longe do período da Segunda Guerra Mundial - quando o super-herói surgira, ele, por força do desespero precisa usar uma metralhadora e fere um homem, a ponto de quase matá-lo. Aquele ataque de fúria e desespero foi um dos períodos das maiores crises do Capitão América, o soldado ideal americano, que sempre está em guerra, mas nunca mata seus inimigos (pelo menos, não intencionalmente). Jamais compreendi como um soldado estadunidense como ele, acostumado com guerras, poderia ficar em tamanha crise por ter usado uma arma de fogo (ele nem matou o cara!)
Com o tempo, aquela paranóia do Capitão América foi se tornando inverossímil pra meus olhos perplexos de realidade: afastados do heroísmo dos quadrinhos, os soldados estadunidense matavam seus hipotéticos inimigos sem dó nem piedade, em nome de um 'sonho americano' e de um patriotismo que beira o fanatismo e o fascismo, por sua ganância de desejar ser sempre o 'herói', o morador de um império que decide quem vive e quem morre no mundo.
Por isso, eu resolvi, há certos dias atrás,'matar' o Capitão América! Diante da estreia de mais um filme sobre o herói, imaginei como aquele soldado invernal, de sentimentos puros, inimigo das injustiças mundiais, se sentiria diante da descoberta dos quase genocídios reais praticados em nome da bandeira estadunidense. Abaixo, vai o conto, o primeiro e último que faço sobre o 'super-herói'. Sim, na minha fase adulta, quase insana, eu finalmente tomei coragem e matei o Capitão América! Estou até pensando em mandar minha ideia pra Marvel, o que vocês acham?
O Soldado Invernal e o Menino Triste
(ou A morte do Capitão América)
Era inverno e o Menino Triste
adormecia numa calçada congelada.
Capitão América se aproximou,
prometeu-lhe calor:
- Sou seu super-herói, menino,
pode contar comigo!
O Menino Triste despertou,
atirando nervosas rajadas de ceticismo:
- Super-heróis não existem, seu farsante!
O Capitão América se protegeu
com seu escudo.
Então o Menino Triste
levantou-se e atirou-lhe a foto fatal:
- Esse era meu pai. Foram
soldados com as cores do seu escudo que me deram o eterno luto.
Pela primeira vez, Capitão
América percebeu a fragilidade de seu invencível escudo. Sentiu-se
completamente congelado pela realidade da qual tanto se defendeu.
Então o ex-herói acordou em sua
casa. A tevê ligada: cenas de violência no Afeganistão, Iraque e em parte da
Ásia. Seu peito doía: a pátria armada que tanto defendera e amara vivia
estilhaços de sua própria bomba atômica. Nenhum amor possível no meio de tantos
mísseis...
Sem a máscara de Capitão, o
homem percebeu que a América que sonhara não existia, jamais existirá... O
escudo perdido, insegurança no coração. Precisava resgatar seu escudo, encarar
o Menino Triste mais uma vez.
Desmascarado, saiu pelas ruas
gélidas, atrás do Menino Triste. Reencontrou-o num beco escuro; ao lado do
Menino Triste, o inútil escudo... Finalmente entendeu: o Menino Triste foi um
filho que ele não teve, o Menino Triste era a parte dele que seu escudo sempre
conteve.
O frio cada vez mais intenso – o
Menino Triste o encarava como o reflexo de um espelho encara uma imagem que não
lhe agrada, o Menino Triste era ele... Nenhum sol nas trevas daquela tarde
iluminada.
Como o pai do Menino Triste,
eternamente falecido em terras estrangeiras, o Capitão América agora era um
soldado rendido pela neve da guerra, pra sempre perdido em sua própria terra...
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