Mais uma vez me organizei para ir ao Lollapalooza. Escolhi ir ao festival o
domingo, 6 de abril, não tão pleno quanto no ano passado (a nova produtora do
Lolla 'inovou' neste ano, inventando batalhas entre grandes shows e deixando meu
coração dividido entre o show super-energético da banda de indie rock Arcade
Fire e o show não tão animado, mas clássico e plástico da toda poderosa New
Order).
Sábado, 5 de abril, correria: tentei deixar tudo em ordem e,
devido aos poucos horários de Três Córregos para a Rodoviária de Teresópolis, me
arrumo às pressas, depois de organizar quase tudo atabalhoadamente. Na
rodoviária, pego o ônibus direto pra São Paulo e aproveito a longa viagem pra
praticar minha arte de dormir em ônibus, afinal domingo será um dia longo,
vibrante e inesquecível, se os deuses da música me permitirem essa dádiva, e
única forma de descansar é aproveitar os horários em trânsito pra descansar a
vista e talvez o corpo.
Madrugada e manhã de domingo, 6 de abril, preguiça:
desembarco na Rodoviária de São Paulo e dou um tempo por ali – é cedo demais
pra iniciar o corre-corre pra chegar ao show. Recarrego o celular numa área
reservada pra isso, enquanto descanso ao lado dele no chão; visito lojas, mas
não compro nada; como alguma coisa (junk food e café, café, café!); um curitibano
perdido me pede informações sobre a rodoviária e, como já sou mestre em passar
por aqui, lhe respondo as dúvidas e, por um instante, me sinto um cidadão
paulistano; entro na lan house e consulto meus espaços virtuais – nenhuma
novidade na net, fora saber que meu time virtual Guesa Errante Futebol Clube
perdeu na Liga Golaço após 10 jogos de invencibilidade. Pronto, já enrolei
bastante, pego informações das rotas do trem e sigo em direção do Autódromo de
Interlagos, novo local do Lollapalooza (até ano passado, o evento rolava no
Jóquei Clube).
Fim de manhã e início da tarde de domingo, 6 de abril,
excitação: depois de passar por três trens, andar um bocado, passar por vários
guichês (de revista, autenticação do ingresso, etc), chego ao novo espaço do
Lollapalooza. A primeira coisa que faço ao entrar é bater fotos e comprar
tickets de comida e bebida (ano passado, passei um aperto em filas enormes, por
ter deixado pra comprar depois). Depois corro pra assistir ao show da musa pop
venezuelana Francisca Valenzuela, no Palco Skol. O show da cantora é animado,
meio performático, o pop que ela representa não é dos estilos que mais curto,
mas não me desagrada nem uim pouco: a artista tem estilo, uma voz potente, boas
canções e conquista a simpatia do público, ainda pequeno por se tratar de um
dos primeiros shows do dia. O sol escaldante avisa que será um dia quente (na
minha mochila, a capa de chuva, companheira de outros festivais, dorme
tranquila e inútil). Aproveito o intervalo de show pra descansar um pouco, me sento
na grama (ano passado, saí mancando do Lolla 2013, por causa da ansiedade
excessiva e, consequentemente, não me dar os tempos devidos de pausa – já não
sou mais um garoto de 16 anos, com o corpo novinho em folha; meus quase 35 me
lembram disso toda hora), o sol queima o meu rosto e todas as outras partes
expostas de meu corpo, em breve ficarei da cor de um camarão, castigo viável
para mim, que não . Aproveito a pausa pra conhecer outras pessoas: ao meu lado,
acho uma companhia para os maus vícios, ou seja, fumante como eu (o poeta Mario
Quintana afirmava que é nesses momentos de tragadas coletivas que fazemos novas
amizades). Seu nome é Lilia ou Lilian (não entendi ao certo, mas não quis
perguntar novamente), é de Santo André, o Lolla 2014 é o primeiro festival que
ela vai e isso tem um motivo, ou melhor, uma cantora: Ellie Goulding (artista
pop super-esperada por uma legião de fãs neste evento, mas, como eu já disse,
não é bem o estilo que mais gosto, logo, em breve, Lilia ou Lilian e eu
seguiremos caminhos diferentes, mas, como ela própria disse, “o legal desse
lance de festival é que cada um tem seu estilo, sem confusão, sem briga, todos
curtem”, e assim cada um seguirá a sua trilha musical). Conheço também o jovem,
gente boa e louco Hortêncio Lima (ele me repetiu o nome umas 3 vezes durante os
momentos em que estivemos juntos pra que eu pudesse gravar rs); também é o
primeiro festival dele, mas, diferente de nós, ele já tinha vindo no sábado,
estava meio virado, mas com a energia ainda a mil.
Esperamos ansiosamente o
show do Raimundos e eles não desapontaram em nada nossa expectativa: fizeram um
show vigoroso no Palco Skol, tocaram diversos hits, trouxeram as canções novas
– muito boas, por sinal, do novo álbum “Cantigas de Roda” - agitaram muito a
galera e, em nenhum momento, pararam de contagiar a galera (de todos os shows
que eu vi, foi o que mais interagiu e
que agitou realmente todo o público), rodinhas hardcore se formaram
(Hortêncio entrou em todas, eu me arrisquei apenas uma vez – não tenho mais 16
anos, meus quase 35 sempre me lembram disso). Resumindo: o show dos Raimundos
foi um dos mais fodásticos do dia, do caralho, puta que pariu – eles tinham
afirmado em entrevista ao G1 que esse show marcaria um novo recomeço, uma
ressurreição na banda, mas não pensei que seria tão consagrador assim! O
vocalista Digão aproveitou pra citar Ayrton Senna (afinal, estávamos no
Autódromo de Interlagos, onde o piloto brasileiro tanto se destacou) e
agradecer a galera: “É por isso que não paramos, véi, é por vocês, vocês que
fazem a gente continuar!” A páscoa dos Raimundos veio uma semana antes da que
marca o feriado oficial: a banda, lenda divina do hardcore nacional, está mais
viva que nunca! Acho uma pena que sites como o G1, que cobriu o evento, não
tenha dedicado nenhuma linha de comentário sobre o fodástico show dos Raimundos
no resumo da 2.ª Noite do Lollapalooza.
Depois disso, Hortêncio e eu nos
separamos de Lilia ou Lilian, pois seguimos nossa jornada musical na direção do
Palco Ônix, onde já se apresentava o lendário Johnny Marr, ex-guitarrista da
fodástica banda The Smiths e atualmente em bom início de carreira solo. O rock
tipicamente inglês de Johnny Marr é vibrante, anima o público (principalmente,
os mais velhos) e, putz, ouvi-lo ressuscitar velhos e eternos hits do The
Smiths é fodástico demais, contagiou todo o público, isso jamais sairá da minha
memória musical. Hortêncio, animado, comenta: “Agora entendo de onde vem a
musicalidade de ‘Alagados’ dos Paralamas do Sucesso.” Eu poderia ter dito a ele
que não só o The Smiths, mas também o Talking Heads e o The Police
influenciaram a sonoridade dos Paralamas, mas, em tributo ao fodástico show de
Johnny Marr, deixo o guitarrista como principal influenciador dos Paralamas. Johnny
Marr continuou agitando o público, porém, no meio do show, Hortêncio e eu nos
vemos meio cansados (o show dos Raimundos nos cansou demais, apesar de ter sido
uma canseira positiva) e decidimos dar um tempo. Saio da multidão e, quando
olho pra trás, cadê o cara? Ambos nos perdemos um do outro – ameaço procurá-lo,
mas é em vão, o evento está cada vez mais lotado, encontrar uma agulha no
palheiro seria mais fácil. Me sento na grama e descanso um pouco, afinal ainda
tem muito show pra curtir. Agora retorno à minha jornada musical solitária.
Meio da tarde até o anoitecer de domingo, 6 de abril: sou um
exército de um homem só – Saio do espaço próximo ao Palco Ônix e sigo para o
Palco Interlagos, onde tocará a banda ultra-feminista e de rock vigoroso
Savages. Não tinha nenhuma informação dessa banda até uma semana atrás, quando
esbarrei com um comentário desesperado de uma fã da banda no site do
Lollapalloza. Na mensagem, a fã reclamava a falta de comentários da galera na
página reservada à banda Savages: “Vamos lá, galera! Como é possível que uma
das melhores bandas do Lolla de domingo tenha tão poucos comentários?” Esse
fato me deixou meio curioso e decidi baixar o som da banda. Seu ritmo, misto de
Joy Division com Siouxsie bastante pesado, me encantou de cara e a Savages
passou para a minha lista de shows a serem assistidos no Lolla 2014. Enquanto
eu seguia para o Palco Interlagos, a musa pop Ellie Goulding iniciava seu show
no Palco Skol; uma platéia imensa já lotava o lugar e mais fãs enlouquecidos se
dirigiam para perto do palco. Caminhando na direção oposta à da maioria, me
senti um rebelde nadando contra a corrente. Chego cedo ao show da Savages e
consigo ficar bem próximo do palco (não tão próximo, pois uma legião ‘savágica’
já a esperava). Quando o show inicia, tenho a impressão de certa timidez da
vocalista com o público e percebo que o sol possivelmente castigue as
integrantes da banda, vindas de outros ambientes com temperaturas mais amenas,
mas tudo isso fica só à primeira vista. Após três músicas e movimentação
contagiante da banda, seu rock vibrante já nos hipnotiza, a vocalista já se
comunica com o público em português, para delírio dos fã-náticos, sua
performance meio Ian Curtis (Joy Division), meio Johnny Rotten (Sex Pistols)
relembra bons ídolos de décadas passadas, o som é potente, impossível não se
deixar contagiar, tanto a platéia quanto a banda saem satisfeitos com o show, o
público aplaude efusivamente e a vocalista sai de palco sorrindo, depois de dar
“obrigado” diversas vezes pra galera que animou o espetáculo.
Saciado de
Savages, é momento de Pixies – corro na direção do Palco Skol, entro no meio do
público cada vez maior à medida que os shows principais se sucedem. Com muito
esforço e jogo de cintura, consigo chegar próximo ao palco, bem no miolo da
massa roqueira. O Pixies, bastante criticado por certa apatia nos últimos shows
no Brasil e no mundo, veio pra desfazer qualquer má impressão anterior. Fizeram
um show antológico, eficiente, recheado de hits que empolgaram a galera; fãs
das mais diversas idades cantavam junto com a banda, um momento mágico, um coro
acompanhava as dúvidas do vocalista: “Where is my mind”, fora certa timidez da
nova baixista, o show foi um dos melhores do domingo, o mais vibrante, rasgado
e autêntico rock’n roll, baby, "la la love you"!
Saí do show empolgado pra curtir o rock grunge
do Soundgarden no Palco Ônix, porém paguei um preço alto por ter ficado tão
próximo dos Pixies no Palco Skol: quando cheguei no palco, onde a banda de
Chris Cornell agitava a galera com “Black Hole Sun”, entre outros sucessos, o
espaço estava tomado pela multidão e só conseguiria assistir ao show a uma
distância imensa do palco. Mesmo com o coração apertado pela perda, virei as
costas e decidi tentar uma estratégia nova para que tal fato não ocorresse no
próximo show da minha lista pré-concebida: correr para o Palco Interlagos bem
antes do show do New Order para que eu pudesse ter uma visão mais privilegiada
do espetáculo.
Domingo, 6 de abril, noite brilhante, uma nova ordem: Sei
que o Arcade Fire preparava-se para fazer um show antológico no Palco Skol, mas
não perderia o New Order por nada no Palco Interlagos, afinal, mesmo menos
empolgada que o Arcade, a banda formada após o fim do Joy Division é parte
essencial de minha trilha lírico-sonora da juventude (sei que alguns chamam o
som deles de ‘música para enrustidos’, lamento, mas é meu ‘mau gosto’ musical,
caros críticos machões fãs de bandas metaleiras de cabeludos sarados) .
Cheguei
ao palco Interlagos no final da apresentação do Jake Bugg. Ouvi de forma
desinteressada o folk rock do garoto (ele não estava na minha lista de
favoritos) e confesso que até houve um pouco de má vontade minha com o som
dele, pois eu ainda estava chateado por ter tido que sacrificar o show do
Soundgarden. Jake Bugg fez um bom show, apesar de não ter empolgado muito a
galera (somente pequenos grupos aqui e ali davam uma atenção devida e vibrante
ao show do rapaz), o que resultou numa despedida seca do artista. Na minha
cabeça, ficou um verso de uma das últimas canções que ele cantou: “Rock’n roll
can never die” (na verdade, a canção nem é de Jake Bugg, e sim uma versão que
ele fez da consagrada “Hey Hey My My”, de Neil Young. Lamento por Jake Bugg ter
sido ‘incompreendido’, mas minha maior preocupação era chegar o mais próximo
possível do palco. E a estratégia deu certo: após o show de Jake Bugg, a
platéia dispersou e cheguei bem próximo do limite para o palco – mais uns
quatro passos e eu estaria completamente de cara para o espetáculo!
Após alguma
espera e muita expectativa, o New Order chegou, bastante técnico, plasticamente
poderoso (o telão exibia diversos vídeos e as luzes eram um espetáculo
psicodélico à parte), meio discreto, mas acompanhado por uma platéia empolgada.
O vocalista Summer interagia com o público, nem sempre da melhor forma (a
galera não gostou muito quando ele agradeceu a recepção com um ‘muchas
gracias’, nem quando ele disse que curtia o ‘mojito’ brasileiro [?!?], mas,
logo ele se corrigiu, dando o devido “obrigado” e dizendo curtir a caipirinha e
churrasco brasileiros, e, depois, pediu desculpar por não falar quase nada em
português). Burocracias diplomáticas à parte, o New Order tem um rock melódico
contagiante e fez um show eficiente, que emocionou os fãs mais nostálgicos como
eu (ou seja, mais velhos rs), principalmente, do meio pro final do show, quando
finalmente eles tocaram os fodásticos hits “Blue Monday”, “Bizarre Love
Triangle”, entre outros.
O bis que eles deram, tocando duas canções do Joy
Division, em memória do genial Ian Curtis, é de emocionar qualquer ser humano
que curta o mínimo essencial do rock de 80, a homenagem traz aquela energia feliz que
nos dá uma baita vontade de chorar. E chorei feliz, cara, nessas horas, não sei
esconder minhas lágrimas, viu, senhores críticos, não sou tão enrustido assim –
meus sentidos talvez sejam muito mais expostos que os de vocês, cambada . Seja
qual for o conceito (ou pré-conceito) dado ao som do New Order, eu os
acompanho, perdoo qualquer falha, amei demais o show deles e parto com o
coração pleno de satisfação – minha trilha sonora ficou mais rica depois desse
domingo. Agora é voltar pra casa, descansar e me preparar pra novas canções e
poemas. E que a rotina não seja pesada, nem as ambições pequenas, pra que o
amor nunca nos despedace. Amém,
“Love Will Tear Us Apart”, Até Logo, New Order, Arte Sempre, Ian Curtis never
die.