sexta-feira, 21 de março de 2014

As canções que ninguém fez pra mim, mas são minhas mesmo assim: Por que não consigo viver com ou sem “With or Without You”

Demorei, mas retornei outra vez! E não poderia voltar de outra forma: trago hoje uma nova seção ao blog, batizado de “As canções que ninguém fez pra mim, mas são minhas mesmo assim”, onde contarei as lembranças que tenho de canções que marcaram minha vida.  Estréio com a lembrança da canção “With or Without You”, da banda U2. Em tempo: contei essa história, numa das dinâmicas que realizei com os alunos da E. M. Alcino Francisco da Silva, durante o Curso de Carta Argumentativa com o tema “Como a música influencia minha vida”, onde cada um trazia uma canção e dizia por que ela fazia parte da trilha sonora de sua vida.
Toquemos as lembranças e leiamos as canções da trilha sonora de nossas vidas, amigos leitores!




Por que não consigo viver com ou sem “With or Without You”

Na primeira vez que ouvi a canção “With or Without You”, da banda U2, senti múltiplas sensações, inexplicáveis para os meus tímidos 14 anos.
Ouvi a canção pela primeira vez num filme exibido na Tela Quente, na TV Globo, chamado “Contagem regressiva” (não me lembrava bem do nome;  o Google que me auxiliou nesse resgate de minhas memórias rs). No filme, entre explosões e muita ação, o terrorista Lian Gearity, interpretado pelo fodástico Tommy Lee Jones, em seu percurso de vingança contra seu ex-pupilo Jimmy Dove, (Os dois participaram do grupo terrorista IRA, o Exército Republicano Irlandês, que atua na Irlanda contra a ocupação inglesa no país. Lian não se importava de matar inocentes nos atentados do IRA, mas Jimmy sim. Por não concordar com isso, Jimmy vai morar nos Estados Unidos, deixando seu mentor ser preso), o vilão – carregando diversas mágoas e angústias do passado – compra uma fita da banda U2 com uma vendedora numa feira. A partir daí, o personagem de Tommy Lee Jones passa a armar suas bombas, ouvindo U2 em seu walkman, mantendo seu plano de explodir com parte dos Estados Unidos e detonar a reputação de Jimmy. O enredo é explosivo, mas o que achei mais fodástico na época é que as músicas do U2, quando tocavam, vinham legendadas em português; nunca vou me esquecer daqueles momentos tensos em que Lian armava uma bomba, ouvindo “With or Without You”, a tradução da canção passando na tela, Jimmy com os nervos à flor da pele, sem achar uma solução para o conflito e ainda sem saber ainda bem onde e o que estava enfrentando.
“See the stone set in your eyes
See the thorn twist in your side
I wait for you
Sleight of hand and twist of fate
On a bed of nails she makes me wait
And I wait... without you”
(Veja a pedra surgir em seus olhos
Veja o espinho enganchar em seu lado
Eu espero por você
Ilusão e ironia do destino
Sobre uma cama de pregos ela me faz esperar
E eu espero... sem você)
Aquele lance do refrão “I can’t live / With or without you” (“Eu não consigo viver/Com ou sem você”) me dava um nó na garganta, explodia minha cabeça tímida de 14 anos (vivia trancado em meu quarto, ouvindo música, lendo, vivendo paixões invisíveis em sonhos e namorando mulheres fantasmas), aquela entrega repetida insistentemente (“And you give yourself away / And you give yourself away / And you give/ And you give / And you give yourself away” – “E você se entrega / E você se entrega / E você / E você / E você se entrega”), os paradoxos profundos demais para meus sentimentos em parafusos (“she's got me with / Nothing to win / and nothing left to lose” – “Ela me tem com / Nada a ganhar e / Nada mais a perder”), que desespero era aquele? Que angústia podia ser tão desesperadamente calma? Como uma dor podia ser tão bonita, tão lírica? “My hands are tied”... Minhas mãos estavam atada e eu não podia mais ver o mundo de forma simples e não podia  viver mais com ou sem aquela música do U2. Enquanto bombas explodiam na tela, eu implodia um novo eu em mim... mas ainda não havia experimentado completamente aquela música...
2 anos depois, já nos meus 16 anos de idade, em meus passeios pela subida da rua da Catedral Nossa Senhora da Glória, no centro da melancólica e interiorana Valença, reencontrei a música “With or Without You”. Naquela subida, super-movimentada na época, havia, no antigo Casarão, o Bar do Santanna, cujo dono, volta e meia, numa programação contagiante e constante,  deixava tocando, em alto e potente som CDs e LPs de canções de rock, entre eles o do U2 – esse repertório rock do Bar do Santanna embalou a juventude da época, que, à noite, vagava  na rua e parava, muitas vezes, ao lado do estabelecimento citado (o bar ficava literalmente “no coração da rua”).
Foi numa dessas idas e voltas pelo pequeno (mas movimentadíssimo) centro de Valença, que parei ao lado do bar e ouvi mais uma vez a canção “With or Without”, eu, com as minhas calças rasgadas, minhas camisas pretas de bandas undergrounds,meu tênis furado,  meus resquícios de ‘grog’ (estilo que inventei pra mim, uma espécie de movimento dos viúvos do grunge), minha poesia ainda engatinhando. Eu prestava a atenção na canção (como aspirante a poeta, sonhava fazer uma letra fodástica daquela algum dia...), quando meus devaneios foram interrompidos por meu amigo: “Hey, tem uma garota a fim de te conhecer”. A tal garota era uma espécie de menina veneno morena, ninfeta precoce de 14 anos; meu amigo me alertara que ela já tinha ficado com vários caras, inclusive ele, e que ela era fogo, tinha o apelido de “desmancha bolinho”, pois, quando separava de um, logo logo ficava com um amigo do indivíduo, provocando relações tensas entre círculos de amizade. Se eu ficasse com ela, deveria ter cuidado. De todos os seus conselhos, só ouvi os “uma garota tá a fim de você” e “ficasse com ela”; ninguém tem cuidado aos 16 anos de idade. Fiquei com a garota e fui ficando e me apaixonei (eu era 2 anos mais velho, mas ela estava mil anos luz a minha frente, ah, aos 16 anos, nós, rapazes, não passamos de um bando de bobos!)... “I can’t live”... Eu já não me imaginava com ou sem ela.
Então vieram as brigas, ela me acusou do que eu não fiz, chorou, me fez me sentir o pior dos seres humanos e, conforme meu amigo me profetizara, ela ficou com um conhecido meu. É aí que a canção “With or Without You”, do U2, me persegue. Eu me sentindo o pior dos lixos, o maior detrito de todas as sarjetas do mundo (é, aos 16 anos, somos dramáticos a ponto de beirarmos o tragipatético), não conseguindo imaginar uma forma de tirá-la da cabeça, estava ao lado do Bar do Santanna, tentando só sofrer por dentro e manter uma máscara de sorriso. Então a canção do U2 tocou, ah, desgraça!... Parecia uma cena de cinema, daquelas mais desesperadoras, enquanto a canção tocava (“My hands are tied / My body bruised” – “Minhas mãos atadas, meu corpo machucado”), avistei lá embaixo ela passando de mãos dadas com meu amigo. Não chorei... por fora, mas as explosões do filme “Contagem regressiva” e a sensação de traição e desejo de vingança do personagem de Tommy Lee Jones retornaram em minhas lembranças como um atentado terrorista. Só que nesse ataque, só eu, o tolo homem-bomba, explodiu. Então a letra fez todo sentido; comecei a entender o que era não saber viver com ou sem ela. E, por mais sofrido que tenha sido o aprendizado, encontrei uma dor bonita em tudo aquilo; eu estava pronto pra escrever mil poemas. E assim aprendi a desabar em versos... “Through the storm we reach the shore” (“Através da tempestade, alcançamos a costa”). “With or without you” Era preciso continuar com ou sem ela.
Volta e meia, a canção do U2 me retorna. Ouvi-la de novo é retornar às raízes de minhas dores mais adolescentes e mais bonitas, é sentir a paixão e o abandono como se fosse a primeira vez, é reencontrar os amigos no primeiro Bar do Santanna - hoje uma lenda antiga em meio às ruínas do Casarão, é experimentar explosões esquecidas, é ver o filme de sua vida passando no ritmo de uma poesia.
Não, eu não consigo viver com ou sem essa canção...

Um comentário:

  1. Desmancha bolinho...Essa eu não conhecia!
    As canções realmente deixam vivas certas fases da vida.
    Abraço!

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