Por muito tempo, o blogueiro que vos fala evitou os assuntos
contemporâneos que envolvem esse estranho planeta chamado Brasil – neguei-me a
falar sobre esse inédito terceiro turno das eleições brasileiras, torci o nariz
discretamente para as possibilidades de um segundo impeachment de presidente
(diferente do primeiro, mais forçado por possuir uma espécie de criação
condicionada de provas contra a nossa aparente governante maior) num período
tão curto na História do país, observei preocupado, como um bom covarde de
direita não envolvido no triste cenário corrupto caótico, o crescimento de
manobras um tanto nebulosas para a restituição das forças conservadoras no
poder e fiquei, como grande parte dos covardes de esquerda não envolvidos no
triste cenário corrupto caótico, em cima do muro, esperando a tempestade
passar. O problema que a tempestade não passa, não vai passar, enquanto não
houver uma solução trágica – seja qual lado que articulá-la, esquerda, centro
ou direita, qualquer solução será trágica, pois quem manda nesse caos todo, há
tempos, são os poderosos, os que realmente governam este país (‘poder do povo’
é ‘meuzovo’; nenhum governante – seja de esquerda, centro ou direita – está
preocupado conosco e, como os poderosos também cagam e andam pra eles, enquanto
estes governarem pra deixar tudo como está, nada muda, por pior que esteja).
Agora, nesse momento cutucados com vara curta – ou seja, em um cenário de crise
econômica sem data prevista para acabar, questão que pode significar perda de
lucros assombrosa -, os poderosos pedem, com rigores ditatoriais, aos
roteiristas do espetáculo democrático um final de tragédia: ou o governo morre
assassinado pelos seus ‘inimigos’ ou se mata. E o enredo para o final não
importa aos poderosos – se terá viés forçado, fascista, ou romântico, pelo ‘bem
da democracia’ -, as bolsas subiram porque especulam que o governo vai cair,
então ele deve cair e pronto, quem aposta alto não aposta pra perder, 'fudeu' a
porra toda, o final será trágico, seja qual for, e não é por causa da corrupção
ou da busca de solução de problemas socioeconômicos milenares, tudo é por causa
das apostas cada vez mais insanas do impassível e ao mesmo tempo cruel mercado
econômico. Para os poderosos, não importa a corrupção ou a falta desta naquele
que está sentado na cadeira presidencial (na verdade, todos sabemos como a
ausência de corrupção é utópica, uma vez que todo ser humano é cada vez mais
corruptível num sistema de busca selvagem por lucros, inclusive você, leitor, e
eu, que usamos uma série de programas piratas para estarmos aqui conectados e
parcialmente informados sobre toda essa loucura); para os poderosos, importa se
o Robin Hood às avessas* (que rouba mais dos pobres para dar mais aos ricos)
está exercendo corretamente esta maquiavélica função ou se já está desgastado
demais para o papel e precisa ser substituído por outro Robin Hood às avessas.
(Opa, agora, mais uma vez, abro um parênteses para evitar más interpretações:
1) Dilma é sim o Robin Hood às avessas da vez e não tivemos ainda em nossa
história [e creio machadianamente que jamais teremos] alguém ‘eleito’ ou
‘colocado’ que não exerça esse papel [a menos que queira ser eliminado antes de
a tragicomédia estrear para o grande público], ela só vai rodar porque sua
interpretação no papel está desgastada e os poderosos – diretores da porra toda
– acham melhor assim, a menos que ela consiga uma apresentação milagrosa e
quase impossível; independente disso, ela, como todos os seus antecessores,
está simplesmente exercendo o mesmo papel de outrora; 2) Sim, qualquer um que
entrar vai ser o Robin Hood às avessas, deixemos de romantismo; desde o
surgimento da democracia – criada com o significado de poder do povo apenas por
estratégia genial de marketing - os poderosos sempre tiveram controle sobre os
votos e decidem, de tempos e tempos, se darão uma imagem mais cretina ou mais
romantizada do processo ‘democrático’ – negamos religiosamente isso como um
dogma pra não nos conscientizarmos de nossa quase total inutilidade na marcha
política, afinal, como todo figurante, queremos ser reconhecidos como grandes
atores também, apesar que o papel que nos é dado continue sendo de figurante,
ontem, hoje e sempre; 3) E também sim, os poderosos querem e vão continuar
ganhando – no mundo do Capital, o Maior Capital sempre vence o menor capital,
independente do que se conceitua como Bem e Mal; inventamos pequenas vitórias
para nós, a plebe rude, porque todo ser humano possui o mecanismo do sonhar
para não se atirar do décimo andar do primeiro prédio que encontrar; 4) E pior
que sim, sou pessimista, porque a conjuntura é péssima e os poderosos que
comandam evoluíram e estão cada vez mais péssimos – ser pessimista, mais que
especulação, no momento, é o infeliz sinônimo de ser consciente e realista).
No caos de ânimos acirrados para ambos os lados (que,
repito, são lados de uma mesma moeda imperialista), talvez o leitor procure em
meu discurso uma tendência que me aloje na direita, no centro ou na esquerda –
adianto que meu partido é o PQP, Partido Quixotesco Poético, e sabemos que
ninguém foi e jamais será eleito nessa legenda partidária (por sinal, a arte, a
cultura pouco importa em qualquer cenário, pois quem manda e quem sempre mandou
nesse mundo é e sempre foram os poderosos e a arte sempre foi vista como mera
distração e/ou incômodo menor, um ingrediente insólito e necessário, por isso
sempre há ministério da cultura, secretaria de cultura, mas o poder deles é
insosso; o poderoso o vê como lazer ou como uma máquina frágil de resistência
que pode ser sucateada com um estalar de dedos e cada vez mais é menos valorizada
pelo povo [e, mais uma vez, sem romantismos: se o povo valoriza menos a arte
agora é porque os poderosos querem que a valorizem menos; quando estes últimos
cismarem de valorizá-la mais {o que é muito difícil, pois a arte parece fazer
voto de miséria, ou seja, completamente sã para os verdadeiros valores, mas
objeto subjetivo perdido, rejeitado e ignorado pela cabeça do poder}). O que eu
quero dizer com tudo isso (inclusive com os muitos pares de parênteses,
colchetes e chaves) é que os troços e destroços de hoje, com os espetáculos de
manifestações ‘populares’, prós e contras de impeachment, são capítulos traçados
da nova velha guerra de poder e são montados e exigidos pelos poderosos
milenares para dar maior dramaticidade às suas brincadeiras de especulações da
bolsa e render um final trágico inexorável que vai render mais para eles e que,
independente de qual fim final os roteiristas escolherem, o povo vai estar
sempre ‘fudido’, pois independente de qual personagem for o protagonista, o
papel é o mesmo: será um Robin Hood às avessas e abraçará os humildes para
ficar mais próximo do bolso do povo.
A presidente (presidenta é ‘meuzovo’, com todo respeito a
neologismos, este é um tanto desnecessário, por mais machistas que sejam as
posições de poder) Dilma não é heroína ou mártir – é uma atriz que desempenhou
o papel de Robin Hood às avessas e não agradou, não rendeu ao ibope, o que quer
dizer que é vista como azarona no circo das especulações financeiras e vai
rodar ou não vai rodar por isso, sendo corrupta ou não (fato que, já confessei
machadianamente, utópico, pois somos todos, em pelo menos algum segundo da
vida, corruptíveis). Sua manobra de colocar o Lula, investigado pela Operação
Lava-Jato, como Ministro dela, poderia facilitar um julgamento mais rápido –
afinal o ex-presidente seria julgado logo pela última instância – e evitar a
novela-espetáculo a qual o juiz Sergio Moro estava escrevendo -, mas foi uma
tentativa tardia e forçada de melhorar sua interpretação na tragicomédia
escrita pelos poderosos (no primeiro governo dela, por sinal, ela, ignorando
conselhos de outros atores mais sábios, também tentou uma apresentação inédita,
diminuindo o poder do PMDB e este lhe deu de presente grego o cavalo de Tróia
Eduardo Cunha como presidente da Câmara). Lula não é herói nem mártir – é
apenas um ator que já desempenhou brilhantemente de forma ilusoriamente popular
o papel de Robin Hood às avessas, que agora é de Dilma, mas que perdeu espaço
entre os novos espectadores-especuladores, que não curtem reprises duvidosas e
desejam um ator diferente, um rosto novo para fazer o velho papel de Robin Hood
às avessas. Como todo ator consagrado e depois rejeitado, Lula convoca a
plateia antiga, mas quem escala os atores não é o público e sim os diretores –
os poderosos – e estes já não apostam mais nele (a menos que ele comprove
rentabilidade maior na bilheteria, mas, proibido de entrar no palco, esta é uma
opção inócua e também impossível, que, por enquanto, só serve para atirar às
trincheiras um exército de torcedores desesperados com o rebaixamento iminente
às peças de segundo escalão). Sergio
Moro não é super-herói – é apenas um ator mais convincente, enaltecido pelos
roteiristas dos poderosos para acelerar o clímax da tragicomédia, e merece
aplausos da plateia pelo xeque-mate que deu na protagonista ao divulgar as
conversas pelo telefone grampeado de Lula, personagem e ator quase
completamente condenado da nova realização da milenar peça tragieconômica. O
verdadeiro papel de Moro no enredo não é voar pela cidade salvando as pessoas e
lutando pelo bem maior – apenas foi um ator brilhante, que curte bastante os
holofotes efêmeros do eterno justiceiro de aço, e descobriu no
drama-judiciário-espetáculo uma forma de destacar seu personagem e tomar o
protagonismo da nova versão da tragédia. O que dói nessa interpretação de Moro
é seu ar megalomaníaco, que acaba atirando parte do público de encontro aos
torcedores do exército considerado adversário, e, me perdoem, isso não faz dele
um super-herói, mas sim um daqueles reis que, sentado confortavelmente em seu
trono, guia os seus cavaleiros fiéis para ataques sangrentos a alvos ímpios
determinados em prol de operações que teoricamente enfraquecem os atuais
protagonistas do caos, mas que escondem alianças com novos protagonistas do
caos. Os atores coadjuvantes do Legislativo são menos heróis ou mártires que
todos os outros anteriores – são atores preocupados em se manterem no
espetáculo, por isso veem com os roteristas – os poderosos – o que fazer: retirar
a protagonista (leia-se impeachment) e pôr um novo ator mais talentoso ou
(opção mais trabalhosa, ou seja, mais execrada) pedir uma revisão (leia-se
diminuir o marasmo legislativo e votar reformas que satisfaçam os adoradores do
Robin Hood às avessas) que permita um destaque para uma atriz já desgastada. Os
coadjuvantes do Legislativo são tão responsáveis pelo fracasso da nova
apresentação da tragédia quanto a protagonista e até possuem uma caracterização
mais repugnante que esta, mas, como atores medíocres, querem é salvar seus
papéis. Em resumo, ninguém é herói,
mártir ou vítima, é só mais uma peça do gênero tragédia que tanto agrada os
clássicos diretores (leiam-se poderosos de ontem, hoje e sempre). Tanto faz o
final do espetáculo, pois o rendimento está garantido com ou sem bom
entretenimento, os protagonistas sempre serão os Robins Hoods às avessas (os
atores mudam, mas ninguém toca no roteiro da peça) e que vença a melhor aposta,
o especulador poderoso mais poderoso.
E é nesse ponto que chego ao olhar do PQP (Partido
Quixotesco Poético – não vote na gente; a legenda já foi fundada fundida pra se
fuder): no romance “Dom Quixote”, de Cervantes, numa das desventuras do
alucinado, lírico e sonhador protagonista, Dom Quixote, o Cavaleiro da Triste Figura,
confunde um bando de ovelhas com um exército poderoso de soldados e atira-se
pateticamente contra elas a ponto de tropeçar e se arrebentar todo (por sinal,
essa cena pode ser assistida na hiperinteressante versão-monólogo “O incansável
Dom Quixote”, magistralmente interpretada pelo ator Maksin Oliveira [tive o
privilégio de ser um dos “desocupados espectadores” dessa maravilhosa peça,
apresentada ontem, no Teatro do Sesc/Teresópolis]). Depois da violenta
investida vã e mesmo sendo lembrado por Sancho Pancha de que o tal exército não
passava de um bando de ovelhas, Dom Quixote mantém uma versão louca de que uma
bruxa transformou as ovelhas em soldados e, depois do ataque, transformou os
soldados novamente em ovelhas. E aí o leitor me pergunta: “E daí? Está chamando
a gente de quixotescos?” Não, caros amigos leitores, o olhar quixotesco, como
eu já disse, é o meu. A grande pergunta quixotesca minha é: ao ver as ovelhas
como soldados, Dom Quixote havia dado mostras de loucura ou de lucidez? Atores
da tragédia já ensaiada e bruxos da mídia de todos os lados – esquerda, centro,
direita -, coreógrafos dos diretores – dos poderosos – não declaram, mas veem e
sempre viram a plebe plateia como ovelhas que podem funcionar como soldados
para dar um ar interativo ao espetáculo. O problema que, diferente do episódio
de Dom Quixote, nós somos ovelhas-soldados atacando umas às outras em todo
espaço que nos é congestionado, enquanto os pastores do caos – com todos os
duplos significados – nos observam de longe, ganham e continuam ganhando muito,
enquanto se divertem, como bons tiranos romanos, com nossos duelos na arena. A
tragédia já está ensaiada, amigos leitores, e, seja qual for o final, será
trágico para nós e beneficiará sempre o surgimento ou ressurgimento de mais um
Robin Hood às avessas. Só peço a mim mesmo e a todos nós o fim desse Romantismo
(escola literária do século XIX, aparentemente não superada, mas já bastante
arcaica) desmedido, visto ora com ingenuidade de ovelha, ora com armas de
soldado; que continuemos buscando as causas perdidas, mas, por favor, que não
tornemos a tragédia mais sangrenta – esquerda, centro ou direita tá pouco se ‘fudendo’
com a gente que se fode todo dia -, divergências de utopias fazem parte, mas
não transformemos as ruas em arenas, não sangremos por aqueles que jamais
sangraram por nós, como se tais fdp de esquerda, centro ou direita fossem
mártires ou heróis (eles nunca foram e, me dói dizer, amigos do PQP, nem nunca
serão, a menos que os alienígenas – os donos do poder, os poderosos – algum dia
[ah, doce e cansada utopia!] nos aceitem como seres do mesmo planeta que eles).
Seja qual for o final, sempre perdemos e estamos cansados de saber (dá até dor
de cabeça lembrar disso e buscar um lado pra se refugiar, mas é uma merda em
outra merda, escolher defender qualquer lado que não lhe defende é apenas mais
uma maneira de se drogar, se anestesiar). Só não se matem, amigos leitores, não
nos matemos em vão, nem estraguemos a liberdade de pensar diferente, não
façamos como os poderosos que já trazem uma tragédia única, uníssona, há
séculos, só mudando os seus fantoches-atores; é a única coisa que eu, como
líder da PQP que paradoxalmente nada lidera sem liderar nem mesmo o nada, peço:
paz (que seja paz pensada, e não medo) – que a tragédia ensaiada tenha um final
menos sangrento para nós, culpados sonhadores inocentes que jamais foram
historicamente inocentados. Não gosto desses temas sisudos, até porque
despertam fúrias adormecidas e são vítimas de diversos e perigosos fanatismos,
mas precisamos acordar para a outra vida – a que vai muito além de uma simples (porém
gravíssima) rixa e crise política: a sobrevivência e liberdade de nós mesmos,
como seres pensantes, tentando manter dignamente nossa existência num mundo
governado por seres poderosos que se acham de outro mundo e só nos usam e
maltratam em suas tragédias ensaiadas.
*A ideia sacana de se considerar Robin Hood por roubar mais os pobres para dar mais aos ricos foi apresentada pelo protagonista inescrupoloso do filme "O Capital" (2012) de Costa-Gavras.