Enquanto alguns preferem delimitar seu poder de voto em eleições
insossas, como escolher entre Dilma ou Aécio (ou seja, entre porco e toucinho),
prefiro eleger, sem risco de segundo turno (ou seja, sem dúvidas), as
manifestações artísticas fodásticas dos escritoramigos. Por isso, hoje tenho o
prazer de compartilhar mais uma vez minhas solidões poéticas com o
mais-que-fodástico escritoramigo paranaense Paulo Ras, residente em Paranaguá/PR.
Nesta postagem, trago uma das mais fodásticas crônicas de Paulo Ras, “Era
um amor de poucos ais”, selecionada no rigoroso Prêmio Escriba de Crônicas de
Piracicaba/SP 2014. Destaco que este prêmio é um dos concursos literários mais
seletivos, ou seja, a crônica de Paulo Ras é comprovadamente, no mínimo, super-ultra-brilhante,
uma obra-prima do gênero, com estilo sublimamente lírico, daquelas obras primas
de dar inveja aos mestres desse estilo Paulo Mendes Campos e Rubem Braga.
Jamais percamos nossos rumos lírico e nos lembremos sempre, amigos
leitores: seja qual for a eleição ou não-eleição, eleja sem medo a Arte Sempre,
pois só ela pode nos transformar e trazer alguma magia pra nossa maçante rotina.
Após passarmos pelo primeiro turno dos maus tratos com as palavras, após sobrevivermos
à primeira fase das eleições das mentiras sem poesia, fiquemos com mais uma
apaixonante obra-prima lírica de Paulo Ras, amigos leitores!
Era um amor de poucos ais.
A caminhada pelas ruas. As conversas sem sentido. Os passos sem
destino. Tudo era uníssono naqueles dias. Os desejos, as palavras, os
murmúrios. Amor de eternidade, dizia ele. Amor de vidas, acreditava ela. E tudo
neles se enchia de sons, de cores. Era a vida se multiplicando, um azulado
aquarelado no horizonte, um sorriso de sol na boca do destino. Um amor poético,
pensava ele. Um amor de sussurros, murmurava ela, com os lábios entreabertos,
os olhos fechados, enquanto a brisa abusada lambia o cabelo solto, o pescoço
ávido, o corpo morno. Parecia o beijo daquela boca que ela tão bem conhecia,
parecia as mãos cujas digitais ela já decorara. E nisso tudo ainda há desejo,
ela repetia milhares de vezes, talvez tentando se convencer de que tudo aquilo
era tão verdadeiro quanto mágico.
Era um amor de muitos horizontes. Todos tão belos quanto infinitos. As
mãos dadas. Os dedos entrelaçados. Os olhos sem desvios. As vidas em rota de
colisão. O tato, o cheiro, o gosto, o calor. Tudo era complexo, qual um idioma
morto, latim ou sânscrito talvez, e que apenas os dois pareciam compreender – e
era o que acontecia. Então, como poderia um amor ininteligível sobreviver em um
mundo globalizado? Vai ser eterno, era a fé dele. Será imenso, era a certeza
dela. E nesse mundo em que se enclausuraram, nada mais que sonhos podia entrar,
nada mais que desejos poderia crescer.
Era um amor com cheiro de café da manhã. Da visão etérea da fumaça se
espalhando pela casa de amar. O aroma se perdendo entre as torradas
preguiçosas, dentro das manhãs quentes, tudo impregnado de camadas generosas de
geleia de amora e de requeijão. E nada light - lembrava ela, com aquela voz
hipnotizante e lânguida que apenas as doces amadas que vão receber o desjejum
na cama sabem ter - afinal, de saudável basta você meu amor! E a faca corria pela
superfície áspera do pão quente. E o amor corria quente pelo coração antes
áspero. O café servido. O corpo nu se desenrolando das cobertas, os cabelos
soltos, o cheiro de prazer amanhecido. Tudo era tão simples, refletia ele. Tudo
é tão maravilhoso, filosofava ela, e o café está delicioso. E antes que a dona
dos mimos suspirasse, antes que ela chorasse, ele simplesmente a beijou, como
desejava fazer por todas as manhãs pelo resto da vida. Um beijo de café forte,
de amor puro, das coisas impublicáveis que a madrugada nervosa jamais esqueceu.
Era um amor desses, pensava ele.
Que a gente nunca encontra, refletia ela.
E os dois, de pensamentos em punho, se deitaram no leito, e ali, com os
olhares fixos, nasceu a certeza que às vezes aquilo que não se encontra,
existe. E que uma pitada de sorte e destino é essencial para quem quer se
perder em amores.
Paulo Ras
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