Às vésperas da véspera do
lançamento de meu oitavo livro, “Foda-se! E outras palavras poéticas...”, que
acontecerá no sábado, dia 11/10, às 15:30h, durante a II Feira Literária de Valença/RJ (II FLIVA), na
Arena de Eventos (ao lado da rodoviária), no centro de Valença/RJ, trago aos
amigos leitores uma prévia do livro: o esquete “O julgamento de Augusto”.
O desenho da capa de trás, feito por Denis Pereira, é inspirado no esquete que compartilho hoje |
“Opa!”, dirá o leitor
distraído, “Mas isso é um esquete; não é um poema; o livro não era de poemas?”
Sim, amigos leitores, o livro “Foda-se! E outras palavras poéticas...” é minha
sétima obra de poemas. Mas, o leitor mais atento, que conhece um pouco minha
louca lucidez, sabe que minhas últimas obras trazem um gênero híbrido (ou seja,
misturado a outros gêneros) ou ‘multinãorotulável’ (ou seja, ampliado por
diversos gêneros): em 2010, no meu primeiro livro de contos, “Diários de
Solidão”, os contos eram entremeados por microcontos líricos que
intertextualizavam com versos conhecidos das diversas fases da literatura
brasileira e portuguesa, além de o livro ainda trazer o poema “Pinóquio
Apaixonado” e ser encerrado com o fragmento de um poema fodástico de Roberto
Esteves Siqueira Jr.; em 2013, no livro “Bebendo Beatles e Silêncios”, os rock
poemas em tributo poético ao ex-beatle George Harrison eram entremeados por
contos nos quais o eu lírico conversava com o ex-beatle num bar da minha
semi-inventada Shangri-lá (o nome deste lugar lírico-inventado já aparecera em
meu quinto livro “Eu e Outras Províncias”, de 2008)... Agora, em 2014, neste
meu oitavo livro, os poemas são entremeados por esquetes que informam,
vagamente, as mudanças de temas do livro, até os versos se alongarem como os
poemas de Álvaro de Campos, que beiram a prosa poética, além de que todos os
textos virão com uma epígrafe de letras de músicas, poemas, contos e romances
diversos, quase que preparando para o que virá no poema correspondente ao
diálogo de textos. Ou seja, o esquete que compartilho com vocês hoje é uma das
‘peças’ introdutórias do livro, como eu disse, um prévia do que virá em
“Foda-se! E outras palavras poéticas...”
Espero que gostem (se bem
que, se não gostarem também, espero que se fodam... rs). Bom Foda-se pra vocês
e Arte Sempre, amigos leitores!
O
julgamento de Augusto
(Peça
introdutória)
“Anjo
bom, anjo mau”
Lobão,
Cartola e Cazuza , “Azul e amarelo”
A peça se passa no Tribunal Celeste, cujo
ambiente é o mesmo de um tribunal real. O JUIZ está em sua bancada - uma venda
negra cobre seus olhos (parecendo com a imagem da Justiça).
Entra o anjo AUGUSTO com suas asas
brilhantes, acorrentado e escoltado por um Guarda Divino até o centro do Tribunal. Inicia-se o Grande
Julgamento.
JUIZ: Augusto Rimbaud Azevedo Sousa dos Anjos, você está
sendo acusado de perturbação da Sagrada Paz Celestial. O réu tem alguma coisa a
declarar?
AUGUSTO: Tenho: Foda-se!
Guarda Divino aperta AUGUSTO,
repreendendo-o.
JUIZ: Gostaria de lembrar ao réu que qualquer coisa que o
senhor disser neste Tribunal poderá agravar sua situação no julgamento.
AUGUSTO: Mas eu disse apenas
“foda-se”.
AUGUSTO recebe nova repreensão do
Guarda Divino.
JUIZ (irritado):
Eu não admitirei que o réu desrespeite a autoridade deste Tribunal Celeste.
AUGUSTO: Ora, senhor Juiz, há
pessoas ganhando dez vezes na loteria em uma semana, deputados ganhando
mensalidades para votarem leis, governantes explorando contribuintes, empresas
explorando trabalhadores, existem tantos desrespeitando a vossa autoridade e eu
serei condenado por um simples foda-se?
JUIZ (levanta-se e aponta para
vários lados. Como seus olhos são vendados, ele nunca localiza o réu):
Retire esta palavra de baixo calão desse Recinto Celestial ou serei obrigado a
condená-lo sumariamente por desvio de Conduta Celestial!!!
AUGUSTO: Não posso negar o que
herdei, Senhor Juiz. Foda-se é minha vida. Há tanta impunidade nesse mundo,
Senhor, tanto desrespeito, tanto egoísmo, tanto mal, e eu tento ser bom, tento
respirar nesse mundo de poeiras escondidas nos tapetes que pisamos. Então digo:
“Foda-se!” e encaro o mundo. Foda-se é uma forma poética de sobreviver sem
enlouquecer, Senhor.
JUIZ (bate o martelo):
Silêncio, senhor Augusto! As acusações que recebi sobre sua conduta neste mundo
são gravíssimas. Primeiro: o réu é acusado de estar em companhia de uma mulher
em lugar proibido.
AUGUSTO: Mas era apenas uma boate,
Senhor.
JUIZ (com ar ofendido): Uma
boate, ainda ousa admitir sem nenhum remorso que era somente uma boate? Que
anjo o réu pensa estar sendo freqüentando antros de luxúrias?
AUGUSTO (com ar deslumbrado):
A música estava boa. Tentei me manter afastado, mas a música me chamava,
Senhor. Já ouviu alguma vez o seu coração bater forte, tão forte que se perde o
controle do resto do corpo, Senhor?
JUIZ (constrangido): Quem faz
perguntas aqui sou eu, senhor Augusto. Não sabia que tais antros de luxúrias
lhe são proibidos?
AUGUSTO: Já foi lá, Senhor Juiz?
JUIZ (misto de ofendido e
constrangido): Nã-Não. Ora! Claro que não! Que absurdo!
AUGUSTO: Então como pode julgar
assim o lugar, Senhor? O pré-conceito é um crime previsto no Estatuto Celestial...
JUIZ (muito embaraçado): Ora!
Quem pergunta e acusa aqui sou eu. Ponha-se no seu lugar.
AUGUSTO: Tire as algemas e ponho-me
no meu lugar: na minha casa.
JUIZ (irritado): Continua me
desafiando, seu rebelde?
AUGUSTO (revoltado - Guarda
Celestial não consegue controlá-lo): Rebelde! Rebelde por quê? Por que não
digo “sim, Senhor, sim Senhor”? Por que não conservo a Hipocrisia e Alienação
Celestial? Por que o Senhor não admite que, como a moeda possui dois lados,
nossas ações não admitem duas interpretações? Por que tudo que o Senhor diz tem
que estar certo? Se está certo, por que tantos presos, tanto medo, tanta dor
oculta no peito? Por quê? E, afinal, por que tenho que chamá-lo de Senhor e não
de você, se somos iguais perante a Divina Lei?
JUIZ: Ora, jovem insano! Como
ousa?... (pausa embaraçado) O réu ainda beijou uma humana!
AUGUSTO (sorriso e olhar
brilhante, sonhador): Mas ela era tão linda, senhor. Tinha lábios de sonho
e perfume de ninfa. Eu a desejei... ela me desejou... foi recíproco, senhor!
JUIZ: Anjos não beijam mulheres -
ainda mais anjos novos como o réu!
AUGUSTO: Mas e o desejo, senhor? Essa chama, esse inferno de
amar em meu peito, senhor? Ficar a vida inteira me queimando por dentro, viver
pensando em tudo que poderia ter sido e não foi?
JUIZ: Cortaremos suas asinhas,
Augusto.
AUGUSTO: Podem cortar! De que
adiantam asas se não posso voar?
JUIZ: O réu também foi visto fumando
o cigarro proibido...
AUGUSTO (sutilmente debochado): O cigarro proibido já
é legal há muito tempo, senhor. Está em todas as esquinas celestes. Pequei,
confesso que pequei, fui fraco, senti-me um fraco. Mas que regras são essas que
me condenam? Eu não criei estas regras, não ajudei a criar estas regras, já
nasci condenado; um anjo torto a tropeçar nos alienados terrestres.
JUIZ (irritadíssimo, bate o
martelo): Basta! (como usa vendas e não vê o réu, aponta para todos os
lados, com um semblante de raiva) O réu é culpado, culpado, culpado!
Culpado e condenado à perda das asas, a 100 anos de trabalho assalariado e
fica, a partir desta data, desempregado do cargo especial de anjo da guarda.
Declaro encerrado o julgamento.
AUGUSTO: Só mais uma palavra,
senhor.
JUIZ (entediado): Fale,
condenado Augusto...
AUGUSTO: Foda-se!
Augusto é levado do Tribunal Celeste pelo Guarda Divino
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