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Coquinho |
Havia chegado hoje do retorno ao trabalho na escola infelizmente
feliz. Planejava, com o retorno das aulas, trazer pra vocês mais um poetaluno
de sucesso, mais um sorridente talento a despontar nas Solidões Compartilhadas
deste blog... Mas os dias de verão, tão calorosos, também trazem chuvas
silenciosas, o céu que se abre pro sol também leva aqueles que brilham na terra
e hoje recebi a triste notícia que o eterno artistamigo Coquinho, talentoso
baixista, que brilhou tocando em bilhões de bandas de metal alternativo, o
Coquinho, que defendeu durante toda vida a permanência da cena underground mais
intensa em sua cidade natal, Valença/RJ, a partir de hoje, não toca mais baixo,
apenas silêncios, e cá estou eu cabisbaixo (cá-bis-baixo – pra baixo mais uma
vez aqui) com mais essa perda inestimável em meu círculo social – mais esburacado
que queijo suíço depois de tantos amigos inexoravelmente perdidos. E sei que
todos falarão “pense nos vivos”, “ele descansa em paz”, etc, mas ta foda,
amigos leitores, os tempos andam sinistros, ta foda... Lamento mudar meus
planos iniciais; hoje não compartilho poemas de artistamigos, pois um deles foi
perdido pra sempre, e só me resta uma elegia deprê, um poema revoltado com os
anjos da morte que levaram meu amigo com tamanha pressa e desatino; imagino
Coquinho chegando no tal paraíso ‘todo bolado’ (expressão que ele usava
demais), ironizando com os arautos de sua morte a partida precoce e, bem no
fundo, xingando aqueles seres andróginos cheios de asas, arrogância e nenhuma
sensatez (tanto político ‘genoíno’ e me levam logo o Coquinho (e ainda
permitiram o assassinato do fodástico diretor de documentários Eduardo Coutinho;
classificar de insensatez os atos de tais arautos divinos da morte soa até como
elogio).
Sinto muito, amigos leitores, mas hoje a arte chora
revoltada com os deuses do destino e regentes dos céus e paraísos; impossível
sorrir ou se acalmar diante de tanta falta de alívio, diante de tantas alegrias
roubadas.
Luto Cá-Bis-Baixo Revoltado
(Elegia pro amigo baixista Coquinho)
Não me venha com tua harpa de notas suaves, anjo do
conforto,
Que hoje teus companheiros diabolicamente celestiais
Levaram outro amigo meu
E estou cansado de harmonizar as notas de silêncio fúnebre
E estou cansado de esperar por alguém que não volta mais
Não há harmonia no conjunto da vida se os anjos sempre nos
levam o baixista
Não há sintonia se o baixo é apenas um estado de tristeza
infinita
Estou farto desse grito sem ouvidos
Estou cansado de colecionar caixões precoces
No cemitério agitado de minha cabeça serena...
Não me pisque teus céus paradisíacos, anjo clandestino,
Pois hoje só o demônio da incerteza acaricia meus pensamentos
Pois hoje mais um amigo meu adormece jovem
Em fotos estéreis que não envelhecem
Como estrela que ainda brilha apesar de morta
Num céu de trevas que não mais a suporta
E não há asas nem luz que consolem a revelação absurda do efêmero
E nenhum voo é tão rasante e tão rasteiro...
Voa pra longe, anjo da consolação,
Pois o abismo hoje mais uma vez consome
O que restou de meu coração...
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