Valença, anos iniciais da década de 1990. A MTV Brasil por
um breve período pegou como canal aberto, clipes e mais clipes iluminavam a
televisão desacostumada com tantos ritmos e imagens. O rock Brasil de 1980 –
que eu tanto amava – começava a se perder no mais do mesmo: após o álbum noise “Tudo
ao mesmo tempo agora”, Arnaldo Antunes saía dos Titãs deixando-a com a lacuna
da poesia neoconcreta que o ex-integrante imprimia no som da banda paulista; a
Legião Urbana tentava dar a volta por cima, descobrindo o Brasil, após a fase
extremamente melancólica do quinto álbum; o Capital Inicial fazia a rota “Kamikaze”
em busca de “Eletricidade”, mas o vocalista Dinho já indicava anseios de novos
rumos (mais tarde, ele deixaria a banda e nem o Capital nem o Dinho se
destacariam por um tempo); o Ultraje a Rigor e o Ira! tentavam manter o fôlego,
o rock gaúcho persistia, mas quase nada de novo e/ou renovador surgia com
destaque na mídia (só o manguebeat, liderado por Chico Science, com o tempo, tiraria
do ócio criativo a nossa música brasileira). E o rock internacional rastejava
entre velhos nomes, extremamente ofuscado pela axé music, o sertanejo e o
pagode, nas rádios nacionais (no caso, a Rádio Alternativa Sul FM, que
bloqueava o sinal de todas as outras FMs e censurava canções do rock 80, como “Bichinhos
Escrotos”, etc). De repente, “Smells Like Teen Spirit”, Nirvana, revolta
niilista, grunge, uau... que porra é essa? Uma nova expectativa com
pouquíssimas expectativas, a desesperança com muita energia, ironia e lirismo;
um som pra desabafar e desabar os (e com os) quadros estáticos de uma década
que perdera, no final da década anterior, um muro visível em Berlim e ganhara
outros mil muros invisíveis de desigualdade entre as pessoas do mundo. A
agitação desesperançada de Nirvana parecia um remédio para cada concreto
secreto que a nova era socava no sonho da juventude perdida ao buscar as
alturas dos sonhos nas escadas sem degraus da década de 1990 (muita liberdade e
nenhuma opinião, culto às múltiplas vontades sem nenhuma opção). E a revolta
contra esse nada implantado como se fosse tudo vinha do lirismo ácido e da voz
rouca do louco líder da banda Nirvana, Kurt Cobain. Mas Kurt nunca admirou ser
admirado, atirou versos profundos e furiosos contra o mundo, mas seu potencial
lírico e destruidor não só derrubou convenções; com a ajuda das drogas e de uma
consciência implacável de que a chama do efêmero apagava tudo aos poucos, Kurt
derrubou Kurt e seu suicídio, sua morte permaneceria viva na cabeça de todo
jovem perdido da década de 1990. Não havia mais comprimidos para os tímpanos,
não havia mais fuga pra todo vazio, Kurt Cobain estava morto e a falta de sonhos
novos novamente nos acordou. Desde então, essa insônia dos fins da década de
1990 até essas trevas coloridas das décadas seguintes, cheias de sorrisos
cretinos, preocupações histéricas, conselhos enfadonhos e filosofia barata –
ninguém mais cuspiu nas câmeras da Globo com tanta espontaneidade, ninguém mais
inventou mil infâncias falsas com o mesmo sorriso triste e entediado, ninguém
mais soube expressar a desesperança com tanto brilho louco no olhar.
Esta postagem de hoje é para Kurt Cobain e faz parte do
tributo que o Sarau Solidões Coletivas fará a ele e à banda grunge valenciana
Sotton, no evento “Grade Cultural”, nesta sexta-feira, dia 17 de janeiro, às
19h, na Praça da Bandeira, no centro de Valença/RJ.
Só... em tom grunge
Era só um menino
só
no meio do nada
perdido
consigo mesmo.
Era só
e mal acompanhado
pelos próprios pensamentos.
Dentro do cano
da arma carregada
um gênio seu
lhe prometeu três desejos:
o alívio sem alívio,
o virar de página
de um livro
que ele não escreveu
e a manutenção da vela
que não se apaga
nem depois do sopro
de adeus...
Então a bala solitária
encontrou o menino
que não se sentiu sozinho,
apesar das pólvoras de tristeza
no infinito,
apesar do fim de todo sorriso
aflito,
apesar de continuar só...
E esse tom Grunge continua impregnado nas estruturas de quem nasceu nessa década!A acidez do Kurt continua libertando demônios internos de muitos!!
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