sábado, 26 de março de 2022

O desejo publicado: A gratidão do transitório andarilho

Olá, amigos leitores deste inconstante blog (de ‘Diários de Solidões Coletivas’, cada vez mais mostra-se ‘Periódicos de Solidões Coletivas”, apesar da solidão coletiva de cada gente e agente manter-se sólida diariamente), hoje trago um poema que escrevi especialmente para a Coletânea Gratidão, divinamente organizada pela musa superdivartistativistamiga Jammy Said e lançado oficialmente neste ano (para pedidos de compra da coletânea, deixo o contato da organizadora Jammy Said no instagram: https://www.instagram.com/jammy.said/ ).
Conforme o título da coletânea nos informa, o tema da antologia era gratidão, mote com o qual jamais havia trabalhado. Por coincidência ou lírico destino, alguns anos antes, a superprofessoramiga Patricia Ignácio também me pedira um poema com o tema gratidão, o que – por ainda não ter cumprido a solicitação depois de tanto tempo, o desafio de seguir tal mote veio dobrado e sou bastante obsessivo em cumprir a produção de poema que me comprometo a escrever. Mas havia o problema/bloqueio vindo de minha formação e inspirações: sou daqueles adeptos a Cazuza, que, como ele, sempre fui malicioso demais e achava a palavra e suas equivalentes [obrigado, etc] meio bregas, de difícil inserção em obra poética. Mas, também como Cazuza (ele criou uma composição maravilhosa [ e potencialmente subversiva] chamada "Obrigado [por ter se mandado]”), topei o desafio desde que, como o mestre autor do emblemático álbum “Ideologia|”, eu também pudesse fugir do lugar comum e subverter o tema de algum modo. Quis tratar sobre outra gratidão: o agradecimento erótico-amoroso, as gratidões do corpo e do coração saciados por noites de sexo, entre domínios e dominações. Assim decidi produzir um poema erótico, como também, há tempos, não escrevia, e, finalmente, o meu filho-poema sobre gratidão nasceu!
Antes de compartilhá-lo com vocês logo abaixo, deixo algumas informações extras para, talvez, enriquecimento pleno da leitura: cito, no poema, duas grandes personagens mitológicas (sim, também voltei a fazer referência à mitologia grega, como, há tempos, não fazia) Atalanta e Hipomene. Atalanta era uma princesa da Arcádia. Seu pai, o rei da Arcádia, queria um filho, e, quando Atalanta nasceu, ele deixou-a em cima de uma montanha para morrer. Mas Atalanta, alimentada por uma ursa, agarrou-se à vida de forma brava e se tornou uma atlética e poderosa guerreira. De volta ao reino de Arcádia, já com a aceitação do pai (meio que obrigatória, visto que a filha resistiu às intempéries impostas pelo desprezo paterno), depois de um tempo, Atalanta, belíssima, se viu obrigada a receber diversas propostas de casamento, bastante inconvenientes, pos ela, diante de terríveis previsões e velhas promessas, desejava manter sua virgindade resguardada à deusa Ártemis. Vendo que não poderia mais fugir da investida, para afastar os pretendentes de vez, Atalanta impôs uma regra: se casar com quem a vencesse numa corrida (ela sempre foi a mais veloz entre todos os corredores), mas, caso o competidor perdesse (o que era quase certo, ela sabia), a morte seria seu destino. Apesar do risco, muitos candidatos apareceram e morreram tentando vencer Atalanta, até que Hipomene, com o auxílio de Afrodite, concorreu e usou de astúcia para vencê-la: atirou maçãs no caminho, retardando a veloz atleta e, assim, vencendo a corrida. Em meu poema, como fiz no tema, subverto o mito: é a própria Atalanta quem joga as maçãs e ludibria Hipomene para que ele pense ter sido o vencedor, quando seria ela quem o teria escolhido e vitoriosamente conseguido seus vorazes intentos.
Além do poema logo abaixo compartilhado, também trago a minha apresentação do texto lírico selecionado em no Sarau Florescer Nit, no Museu de Arte Contemporânea (MAC), em Niterói/RJ, na quinta-feira, dia 13/01/2022, cujo evento foi organizado pela musa superdivartistativistamiga Jammy Said.
E, agora, vamos ao poema, amigos leitores. Boa leitura e Gratidão por acompanharem este transitório blogueiro andarilho nas raras vezes que posto. Abraços e Arte Sempre!




A gratidão do transitório andarilho
Carlos Brunno Silva Barbosa

Gratidão mesmo antes que me abras tua porta,
gratidão pela oferta amistosa, gostosa
de dor sem dolo, de infindo amor sem depois.
Sou andarilho à tua porta esperando
que me atendas, que te estendas pra minha fome
de vampiro efêmero, sedento de ti.

Então me abres a porta, presa poderosa,
fatalmente atlética, Atalanta morena
de mil maratonas na arcádia furiosa,
no olimpo ardente de meus sonhos mais febris.

E assim me atiro em teu abrigo sem domínios,
dominado por descontrolados desejos,
caçador ludibriado pela caçada,
dominado pelo indominável, por ti.

Hipomene adverso, tuas maçãs persigo
e caio erguido em cada labirinto teu
e agradeço cada fruto que me arremetes,
cada raiva amorosa, cada amor pagão.
Deuses cultuando a própria apoteose,
teu corpo e meu corpo em erótico ouroboros.
E a noite devora nossos devoramentos...

Após sustentarmos os sussurros da lua,
o sol volta com seu calor assexuado,
cheio de rigor e prazos inadiáveis,
mas, no quarto, ainda é noite, e, novamente,
agradeço pela escuridão partilhada,
pelo perene acolhimento temporário
deste eu farto, mas sempre faminto por ti.


Caso não esteja conseguindo visualizar o vídeo
de minha apresentação no Sarau Florescer Nit por aqui,

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