Quadro da magnífica HQ francesa "Destino adiado", de Gibrat |
Feliz Ano Velho, amigos leitores – me perdoem o humor nublado – o lirismo calorosamente aberto e otimista está temporariamente (espera-se que não perpetuamente) adiado.
O poema adiado
Bom dia
e a saudação encontra a padaria
sem a cortesia daquela cliente antiga.
O café outrora recém passado na casa vizinha
agora ferve em passado falho
sem ser passado por ninguém.
Entre sonhos mofados e pães dormidos,
versos de ausência se espalham pelo cesto,
como trigos desperdiçados numa fornada de lamentos.
Amanhece e nem o poema, nem a senhorinha vêm.
Boa tarde
e um aceno procura o banco vazio da praça arruinada,
enquanto a estátua carcomida observa o pombo doente
que cisca os arredores, insistentemente,
em busca de grãos ausentes.
Versos de abandono correm como lágrimas,
inúteis como o chafariz sem água.
É tarde para o poema decadente
e muito mais tarde para aquele senhor
que alimentava os pássaros indigentes.
Boa noite
e a escuridão parece acomodada
ao céu incomodado pelas crescentes constelações enlutadas.
Versos de uma nova elegia procuram velhas estrelas, em vão:
são luzes de astros mortos; desilusão na ilusão.
Mais um dia se contamina e, outra vez, o poema é adiado
por falta de uma luz verdadeira, ainda que fugidia,
por ausência de uma vacina de esperança, ainda que temporária.
Poema extraordinário! Tive a honra de lê-lo no sarau "A moda da Casa" representando o sarau "Solidões Coletivas" em 08/02 quando a chuva não se adiava. Seu poema, e tu, querido poeta, não foram adiados, pois tua poesia se faz mais necessária que nunca. Bisou.
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