domingo, 26 de setembro de 2021

A educação como prática de manipulação: Paulo Freire e eu passeando pela Educação Capitã Gancho da Terra do Nunca

Paulo Freire faria 100 anos neste ano (possivelmente, dificilmente fizesse diante de tantos surtos que encararia vendo os seus detratores no poder manipulando planos de 100 anos de atraso para educação). Além de escritor, sou professor. E, como professor, devo meus aplausos à educação como prática de liberdade de Paulo Freire; sim, ele é um dos poucos pedagogos que realmente me inspirou plenamente. E, diante de antipedagógicos planos de retorno às aulas presenciais, ouvindo a denominação de ensino híbrido ao que está longe do real e potencial híbrido e muito próximo do burocrático, new-skinnerano-fascistocrático e bizarro (se liguem: primeiramente atiraram pessoas ao vírus sem proteção numa subversão tosca da expressão “imunidade de rebanho” – que só acontece com vacinação -; agora, com menor visibilidade [porque, no fundo, no fundo, no fundo, pode confessar, ninguém liga bulhufas pra educação há muito tempo, desde que a família seja preservada com os filhos bem ocupados, atirados à responsabilidade de outrem], fazem escolas de repositórios pra politiqueiro poder se orgulhar enquanto a expressão “ensino híbrido” ganha deformações aliens; a educação nunca esteve tão mal educada, para felicidade dos infelizes governadores da Retrogracia Dominante), diante dessa porra toda (não gostou do palavrão, fui mal educado? Pois é... né... foda-se: falar atualmente de educação – como apaixonado por ela - me deixa bastante mal educado diante da farsa que se encena) e diante de um convite do escritor-amigo Alessandro, da Oficina Poesia & Criação, fiz uma crônica inspirada nas minhas idas e vindas com Paulo Freire.

 Paulo Freire e eu passeando pela Educação Capitã Gancho da Terra do Nunca

Carlos Brunno Silva Barbosa

 

Minha relação com Paulo Freire foi marcada por idas e vindas, ausências e plenitudes.

Confesso que o conheci mais tardiamente que esperava. Dirigindo-me ao túnel do tempo, nos redemoinhos que a memória faz, meu eu presente, ao rever caminhos e descaminhos do meu passado, viajando aos meus tempos de aluno, até ouve alguns sussurros de Paulo Freire que saíam meio sufocados em algumas raras práticas pedagógicas. Mas basicamente vejo-me orientado por um ensino mais tradicional e, muitas vezes, ainda engessado do tecnicinismo da recém-encerrada, porém, infelizmente, jamais suplantada, era ditatorial brasileira. Salvos alguns professores brilhantes, lutando desarmados contra tanques de automatização, fui educado no regime mais tradicional e imbecilizante conservador possível, num processo muito bem elaborado, competente, mas frígido. Minha formação escolar me gera sentimentos contraditórios: não há como negar o enriquecimento enciclopédico que me forneceram, mas também não se pode ignorar que me fizeram um estudante coberto de conhecimentos extravagantes, untado numa forma uniforme, fabril, mas falível em inteligência emocional e burro para entendimentos de meu papel social.

Só vim a conhecer e reconhecer a educação pela prática de liberdade de Paulo Freire na faculdade. E, mesmo assim, de forma paradoxal: conheci o trabalho do formidável pedagogo através de aulas expositivas e da leitura de seus livros, fiquei admirado, mas toda essa revolução educacional fascinante ainda me era apresentada por acadêmicos geniais, mas ainda entranhados de tradicionalismo e tecnicinismo. Muitas palestras e declarações apaixonadas sobre Paulo Freire, mas tudo transmitido em estruturas rígidas, conservadoras e consciente e inconscientemente conservantes. A educação preconizada por Paulo Freire continuava sendo uma menina linda, cantada por todos, mas relação prática íntima com ela, nada (você está na faculdade, rapaz, se vira!).

Ainda hoje, como professor, convivo com este paradoxo. Conservo o legado e inspiração de Paulo Freire, tento, com os meios parcos que possuo, praticar – este é o verbo, que fica só sendo verbalizado, e raramente aplicado – sua educação libertária. Pratico algumas adaptações de suas técnicas: evito livros didáticos como muletas, produzo meu próprio material de acordo com o contexto dos alunos (em aulas iniciais, uso gêneros como autodescrição em sites de redes sociais virtuais, autobiografia, etc, para colher informações pessoais dos estudantes para melhor conhecimento das turmas, numa tentativa de replicar a genial ideia freiriana de se entrevistar e conhecer a realidade de sua comunidade escolar antes de elaborar o seu material de aula), me desdobro com atividades que possibilitem que os alunos tomem consciência de seus papéis sociais e tenham voz no processo ensino-aprendizado, mas, de vez em quando, o próprio sistema de ensino e a sociedade engessam os profissionais da educação, limitando-nos com preconceitos e/ou sufocando-nos com papelada e documentações que empacam em tradicionalismo e tecnicinismo. Confesso que, às vezes, exausto, traio Paulo Freire e caio em facilitações, mas só damos um tempo; depois voltamos e nos revoltamos aos princípios retrógrados que ainda regem a educação brasileira.

E, nesses longos anos de harmoniosa relação, com breves hiatos de instabilidade, Paulo Freire e eu xingamos os opositores da educação libertária freiriana, que, em sua maioria, nunca leram nada deste formidável pedagogo e ainda têm a audácia de fakenewar que a educação brasileira está no fundo do poço por causa do magnífico – e agora centenário – pedagogo. A verdade é o oposto: a educação brasileira está no fundo do poço, porque atiram a pedagogia freiriana como se ela fosse um conjunto de frases motivadoras, ao invés de realmente praticá-la. Salvo raras exceções, nunca tivemos a educação freiriana realmente praticada, executada. Fica aqui a minha conjuração, a minha confessa inconfidência: educadores, tiremos a educação freiriana do mundo das ideias e pratiquemos mais a educação concretamente libertária. Só assim tiraremos as algemas que prendem a educação brasileira ao fundo do poço, situação ignorantemente empoçada (e empossada) por nós mesmos.

 

terça-feira, 7 de setembro de 2021

Conto de vergonha alheia solitária coletiva: Estocolmo (Ou Colmo Estamos)

Foto de manifestantes nos atos
democraticamente permitidos, 
mesmo que proclamando a
antidemocracia (alguns consideram
a foto fake, pois todos sabemos
que eles são contra o uso de máscaras
em aglomerações pandêmicas).
Faz um tempo que não venho ao blog (sim, vivemos tempos em que precisamos, o tempo todo, dar tempo para, de tempos em tempos, suportamos os eternos maus tempos diários), mas hoje, no Dia de nossa ‘Independência’, fulminado por manifestações psicopatas de cancelamento da já vilipendiada nação democrática (nem sei se ainda podemos nos considerar como civilizados ou como suspiros – daqueles agridoces bem toscos de boteco, quase totalmente ocos por dentro – de civilização) salve salve, não sei por quê (ironia detect), me inspirei e resolvi escrever um novo conto (fictício) da vergonha alheia (real e nada nobre) solitária coletiva:

Estocolmo (ou Colmo Estamos)

De tanto apanhar psicologicamente, a população escrava do Sítio Nova Decrepitolândia pegou simpatia pelas chibatadas invisíveis.
Seu senhor chicoteador de todos, o autoproclamado Dom Ito Varom, preguiçoso e abusivo, decidiu dar um Dia de Liberdade aos seus violentados:
“Hoje vocês têm independência para passearem comigo às Praias de Estocolmo e escolherem onde carregarem essas minhas trouxas farpadas e pesadas: no ombro esquerdo, no direito ou nos dois. Hoje comemoramos a liberdade, mas com responsabilidade: cada um precisa carregar meus fardos de fardas pesados, mas com direito de escolhas de onde pretendem melhor os músculos desgastar”.
Todos aplaudiram (havia um velho mandamento decrepitolandinense, das Abençoadas Escrituras da Tortura, que dizia: “Tudo posso naquele que sobre mim se impusesse”, e, por isso, toda população sabia que a formalidade era aplaudir toda vez que Dom Ito Varom terminasse de falar – por mais ininteligível que fosse, a palavra de seu senhor chicoteador é lei soberana).
E seguiram juntos com Dom Ito Varom às Praias de Estocolmo, contentes com a liberdade impossível, tão etérea que parecia fazer milagres nas costas das almas marcadas. Os fardos de fardas de seu senhor chicoteador, mesmo que podres, farpados e pesados, naquele fatidivínico dia, não fediam, não doíam, nem pesavam tanto assim...



Meu filho-poema selecionado na Copa do Mundo das Contradições: CarnaQatar

Dia de estreia da teoricamente favorita Seleção Brasileira Masculina de Futebol na Copa do Mundo 2022, no Qatar, e um Brasil, ainda fragiliz...