segunda-feira, 23 de março de 2020

19 microcontos doentios com até 140 caracteres (sem contar o título) em homenagem (?) à quarentena criativa provocada pela pandemia de coronavírus (COVID-19)


Em tempos de quarentena, pandemia, doença nova, isolamento forçado pelo bem coletivo, novos escritos doentios, novas solidões coletivas e desafios criativos me imponho. Eis os 19 microcontos doentios com até 140 caracteres (sem contar o título) em homenagem (?) à quarentena criativa provocada pela pandemia de coronavírus (COVID-19) que escrevi nesta manhã mortalmente ferida por um estranho sol paradoxalmente cheio de vida:


Misantropo

O pânico da pandemia não o atingia. Ao contrário: ele se divertia. Desde que ela chegara, não precisara mais procurar amigos que não tinha.

'Disolado'

Com o anúncio da pandemia, trancara todas as portas para proteger seus velhos queridos. Depois, chorou convulsivo: há tempos, vivia sozinho.

'Desconciliação'

Desde a pandemia, ousou reatar com o telejornal. Aceitou toda ordem e abuso verbal, mas pirou com a oferta de viagem no intervalo comercial.

Personificação

A pandemia se embriagava com a última gota de álcool gel na garrafa infectada, enquanto a pobreza espirrava sobre a carteira esfarrapada.

Desclassificado

Comemorou em vão a folga recebida durante o avanço da pandemia: desempregado não festeja tais mordomias.

'Desdesolada'

Confessou para as paredes que gostara da pandemia: com a quarentena coletiva, não se sentia mais sozinha.

Páthos

Abraçou o coronavírus com afinco: desde a viuvez, não tivera um relacionamento tão íntimo.

Profano

Profanou a quarentena para ir à igreja, pois era muito beata. Pediu a Deus uma terna palavra. Coronavírus, o novo filho, deu-lhe a graça.

Caridade

Diante da pandemia, superfaturou o preço de todos os produtos de primeira necessidade. De orfandade, não morre o capitalismo selvagem.

11.441/07

Sem beijos, nem abraços, se cumprimentaram. Graças à pandemia, com o divórcio consensual finalmente concordaram.

Abusivo

“Se não posso tocá-la, ninguém mais pode” -  a cada dia de quarentena que passava, o coronavírus mais parecia com o seu ex-marido.

Paramnésia

De pandemia de coronavírus, ele quis compará-la. Tantas vezes viu a musa desejada e jamais pôde tocá-la...

'Borgesnóstico'

Enquanto a pandemia de coronavírus despertava um escarcéu, o velho leitor adormecia seus olhos na biblioteca de babel em serena lua de mel.

Bufão

Infidelíssimo, usou a pandemia de coronavírus como justificativa safada para não beijar a esposa desconfiada depois que voltou para casa.

Irresistível

“Não sou tarado”, jurou o velho suicida, “mas, nesses dias de pandemia, não posso ver ninguém resfriado que já abraço, beijo e fico pelado!”

'Glennclosido'

Foi culpa da pandemia de coronavírus. Como é gostoso pensar no sexo esquecido quando o toque outrora banal lhe é proibido!

Epifania

Após o espirro – seria coronavírus? -, finalmente entendia: da realidade doentia, sempre fugira, mas do seu eu doentio jamais conseguiria.

Pós-moderno

Sem pátria ou passado, vagava fragmentado por corpos estranhos em busca de uma identidade que não possuía. Era literatura ou coronavírus?

COVID-19

Mesmo isolado e psicotropicamente anestesiado, o hipocondríaco insistia: de coronavírus ele morria dezenove vezes por dia.



Um comentário:

  1. Ah, o Poeta que a tudo anda atento. Penso, e não entendo, como pode o Poeta a tudo ficar atento. A resposta deve ser simples. Quem, senão o Poeta, para nos curar de momentos assim?

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